


Nesta Página da Amen, pode encontrar a abordagem do Tema
Global do
● INFERNO ●
ÍNDICE
● O que é o
Inferno ►
● Como foi criado
o Inferno ►
● O Inferno nas
Sagradas Escrituras ►
● O Inferno nas Revelações Privadas ►
●
O Inferno nas Aparições
de Fátima ►
●
O Inferno nas Revelações
da Irmã Faustina Kovalska no seu Diário ►
●
O Inferno nas Revelações
da Fanny Moisseieva ►
● O que é o Inferno ▲
O Inferno é a local
que foi criado por Deus para habitação dos anjos caídos e expulsos do Paraíso,
antes da Criação de Adão e Eva.
Depois dos anjos rebeldes, ou
demónios, terem sido expulsos do Paraíso, foram lançados no Inferno, local tenebroso que se situa
nas zonas cavernosas do centro da Terra, de onde só saem para tentar a
humanidade.
É para o Inferno também que
vão todas as almas que se condenam, devido à sua vida, devido à falta de amor a
Deus e aos homens e pelas maldades cometidas na sua vida terrena, dos quais não
tiveram qualquer tipo de arrependimento até à hora da sua morte.
● Como
foi criado o inferno ▲
A Criação do Universo e de
todas as suas criaturas foi antecedida na mente Divina, por um Plano da
Criação. Enquanto o Génesis nos relata a Criação, o Plano de Deus ficou-nos
relatado na extraordinária obra a Mística Cidade de Deus.
Foi na “Mística Cidade de Deus” , escrito por Sor Maria de Jesus de Agreda, que fui buscar muito do
material com que construí o Dossier da Amen sobre a Criação do Universo.
Passo a apresentar alguns
dos extractos deste Dossier sobre a Criação
do Universo.
Para melhor compreendermos
este Plano da Criação, Maria de Jesus de Agreda dividiu-o em 6 instantes, tendo
a sua realização se verificado no Primeiro
Dia da Criação, e que descrevi em Plano
da Criação. No 5º Instante foi determinado a Criação da Natureza
Angélica, que ficou assim descrito:
5º Instante Æ MCD-1-46-47 46 - E passo ao
quinto instante, embora já tenha descoberto o que procurava. Neste quinto
instante, foi determinada a criação
da natureza angélica que, por
ser mais excelente e de acordo, pelo seu ser espiritual, com a divindade, foi
primeiro prevista e decretada a sua criação e disposição admirável em nove
coros e três hierarquias.
…
47 - A este
instante pertence a predestinação dos bons e condenação dos maus Anjos; nele
viu e conheceu Deus, com Sua infinita ciência, todas as obras de uns e de
outros, na sua devida ordem, para predestinar com Sua livre vontade e liberal
misericórdia os que Lhe iriam obedecer e reverenciar e para condenar com Sua
justiça os que se iriam levantar contra Sua Majestade, em soberba e
desobediência, por seu desordenado amor próprio. E ao mesmo instante pertence a
determinação de criar o céu empíreo, onde se manifestasse a Sua glória e nela
premiasse os bons, e a terra e tudo o mais para as outras criaturas, e no
centro ou mais profundo dela, o inferno, para castigo dos Anjos maus.
Ainda neste Primeiro dia da Criação deu-se a
revolta de uma multidão de anjos, que foram expulsos do Paraíso Celestial.
MCD-1-81 81 - … E para que
a ordem fosse também perfeitíssima, antes de criar criaturas intelectuais e
racionais, formou o Céu para os Anjos e homens, e a terra, onde primeiro os
mortais iriam ser viadores; …
MCD-1-82 82 - Da
terra, diz Moisés que estava vazia e o mesmo não diz do Céu, porque neste criou os Anjos, no instante em
que diz Moisés: "Disse
Deus; faça-se a luz e a luz foi feita"; com efeito, não fala apenas da
luz material, mas também das luzes angélicas ou intelectuais.
MCD-1-122 122 - … O
primeiro dia, que corresponde ao domingo, foram criados os Anjos e foram-lhes
dadas leis e preceitos a que deviam obedecer; e os maus desobedeceram e
trespassaram os mandatos do Senhor; …
Seria também necessário um
local onde vivessem as criaturas que seriam feitas à Sua imagem e semelhança
(6º Instante).
Juntamente
com a criação da Terra, foi criado o inferno no seu centro, para onde iriam os
condenados que se revoltassem contra os decretos Divinos e o próprio
Deus.
MCD-1-82 82 - … E
criou Deus, com o céu empíreo da terra, juntamente, para formar o seu centro, o
inferno; com efeito, no instante em que foi criada, por divina disposição,
ficaram no meio deste globo cavernas muito profundas e amplas, capazes de
constituir o inferno, limbo e purgatório; e no inferno, ao mesmo tempo, foi
criado fogo material e as demais coisas que agora ali servem de pena aos
condenados.
● O Inferno nas
Sagradas Escrituras ▲
Algumas
referências nas Sagradas Escrituras:
Sua existência:
Dt 33, 22. Sab. 5, 1-14. Mt 3, 10; 5, 29; 8, 11-12, 10, 28, 13, 41; 25, 30.
Lc
13, 27-28. Heb.10, 26-27. 2 Ped 2, 4 Ap 14, 9-11; 18, 7, 20; 14; 21 ,
8.
É eterno: JDt 16, 21. Is 66, 24. Dan 12, 2. Mt 25, 41. Lc 3, 17; 16, 19-26. 2 Tes. 1, 7-9. Ap 14, 11; 20,9-10
Seu maior tormento é a privação da visão de Deus: Mt7, 23,
25 10-13. Lc 14, 24. Ap 21,
8.
Outros tormentos: Mts. 5, 22; 13,
42; 22, 13. Mc 9, 46-47. Lc
3, 17.
Ap
14, 9-l1.
A quem se destina: Mt 22, 11-14;
24, 51; 25, 30-46. Lc 16, 19-31.
Job 26,6; Eclo 21,10.
Descida aos — : 1Pd 3,19: 4,6.
Ver Xeol, Hades. Inteligência (Noûs):
Rm 7,25.
● O
Inferno nas Revelações Privadas ▲
Para além das valiosas
revelações que nos foram feitas na Mística Cidade de Deus, em quase todas
as Revelações Privadas há a
advertência contra as ciladas do demónio e sobre a existência do Inferno.
Nas obras de Santa Brígida,
de Santo Afonso Maria de Ligório, de Santa Francisca
Romana e nas de muitos outros santos da história da Igreja, nos são feitas sérias
advertências quanto aos estratagemas do demónio para levar as almas à
condenação eterna.
Vou
apresentar algumas mais recentes e significativas.
●
O Inferno nas Aparições de Fátima ►
●
O Inferno nas Revelações da Irmã Faustina Kovalska no seu Diário ►
●
O Inferno nas Revelações a Fanny Moisseieva ►
●
O Inferno nas Aparições
de Fátima ▲
Do Relato da 3ª
APARIÇÃO na Cova da Iria a 13 de Julho de 1917
…
NOSSA SENHORA: «Dentro de um
ano converter-se-ão».
Sacrificai-vos
pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial sempre que fizerdes algum
sacrifício: Ó Jesus, é
por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados
cometidos contra o Imaculado Coração de Maria».
Ao dizer estas últimas palavras, abriu de novo as mãos, como nos
dois meses passados. O reflexo de luz que delas expediam pareceu penetrar a terra.
(Nossa Senhora
mostra agora o inferno aos pastorinhos, que foi o 1º Segredo de Fátima)
Bem o segredo consta de três coisas distintas, duas das quais vou revelar.
A primeira foi pois a vista do inferno!
Nossa Senhora
mostrou-nos um grande mar de fôgo que parcia estar debaixo da terra.
Mergulhados em êsse fôgo os
demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronziadas com forma humana, que flutuavam
no incêndio levadas pelas chamas qued'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de
fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem
equilíbrio, entre gritos e gemidos de dôr e
desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios destinguiam-se
por formas horríveis e ascrosas de
animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi
um momento, e graças à nossa bôa Mãe do Céu;
que antes nos tinha prevenido com a promeça de
nos levar para o Céu (na primeira aparição) se assim não fosse, creio que
teríamos morrido de susto e pavor.
(Este
Texto acima, é o exacto escrito na época pela Lúcia, como tal, contêm
diferenças ortográficas).
Em seguida, levantamos os olhos para
Nossa Senhora que nos disse com bondade e tristeza:
(Este texto
a seguir foi o 2º Segredo de
Fátima)
NOSSA SENHORA:
«Vistes o inferno para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as
salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se
fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.
…
●
O Inferno nas Revelações
da Irmã Faustina Kovalska no seu Diário ▲
Diário da Santa M. Faustina
Kovalska - Página 260
Hoje,
conduzida por um Anjo, fui levada às profundezas do Inferno. É um cavernoso
lugar de grandes suplícios - e como é abissal a sua
vastidão!
(Heis)
os diferentes tormentas que vi:
O primeiro castigo que
constitui o Inferno é a perca de Deus;
O segundo, o perpétuo
remorso de consciência;
O terceiro, o de que essa
condição nunca mudará;
O quarto, é o fogo,
que penetra a alma embora sem a destruir - é um
sofrimento terrível, um fogo puramente espiritual, aceso pela Ira de Deus;
O quinto, é a contínua
treva, um horrível cheiro sufocante - e, embora haja
escuridão, os demónios e as almas danadas vêem -se mutuamente e reconhecem todo
o mal quer dos outros, quer seu;
O sexto é a constante
companhia de Satã;
O sétimo, o tremendo desespero, ódio de Deus, maldições, pragas e blasfémias.
Estes são os
tormentas par que todos os condenados em conjunto passam, mas não se
acabam aqui os suplícios. Há outros dirigidos a algumas almas em especial. São
as penas dos sentidos. Cada alma e atormentada com o que pecou, de maneira
horrível e indescritível. Existem pavorosas prisões subterrâneas, cavernas e
poços de tormento, onde cada tortura difere de outra. Eu teria morrido só de
ver essas terríveis expiações, se não fora a omnipotência de Deus haver-me
amparado.
Que cada pecador saiba que,
naquele dos seus sentidos, com que pecou, há-de vir a ser atormentado por (161)
toda a eternidade.
Escrevo isto por ordem de
Deus, para que nenhuma alma se desculpe (dizendo), que não há Inferno, ou que
ninguém lá esteve e não sabe como é.
Eu, Irmã Faustina, por
desígnio de Deus, visitei os abismos do Inferno, para que o possa noticiar às
almas e testemunhar que ele existe. Sabre ele, não me
é permitido falar agora, mas tenho ordem de Deus para deixar isto por escrito.
Os demónios estavam cheios de ódio por mim, todavia pela vontade de Deus eram
obrigados a obedecer-me. E o que acabei de descrever dá apenas uma pálida
imagem das coisas que vi. Notei, no entanto, uma coisa: a maior parte das
almas que lá estão é justamente daqueles que não acreditavam que o Inferno
existia.
Quando voltei a mim quase que
não podia refazer-me do terror daquela visão. Como as almas sofrem horrores
ali. Por isso, rezo com mais fervor ainda, pela conversão dos pecadores. Rogo,
incessantemente, à Misericórdia de Deus para eles. Ó meu Jesus, preferiria
sofrer a maior agonia, até ao fim do mundo do que Vos ofender com o menor que
fosse dos pecados.
Escrevo isto por ordem de
Deus, para que nenhuma alma se desculpe (dizendo), que não há Inferno, ou que
ninguém lá esteve e não sabe como é.
Eu, Irmã
Faustina, por desígnio de Deus, visitei os abismos do Inferno, para que o possa
noticiar às almas e testemunhar que ele existe. Sabre ele,
não me é permitido falar agora, mas tenho ordem de Deus para deixar isto por
escrito. Os demónios estavam cheios de ódio por mim, todavia pela vontade de
Deus eram obrigados a obedecer-me. E o que acabei de descrever dá apenas uma
pálida imagem das coisas que vi. Notei, no entanto, uma coisa: a maior parte
das almas que lá estão é justamente daqueles que não acreditavam que o Inferno
existia.
●
O Inferno nas Revelações a Fanny
Moisseieva ▲
Apresento seguidamente
alguns extractos da Obra de Fanny Moisseieva - MEU SONHO LETÁRGICO DE NOVE DIAS.
Pode ler a obra completa
em:
● MEU SONHO
LETÁRGICO DE NOVE DIAS ►
Gostaria de frisar que na
narrativa da Fanny Moisseieva se fala de planetas, mas pode ser que essa enunciação
possa ter a ver com locais por ela desconhecidos e que a aproximação a eles,
tendo sido sobrenatural, a podem ter levado a tomá-los por diferentes planetas,
quando na realidade podem se localizar nas profundezas do planeta Terra…
QUARTA PARTE - O
INFERNO
Advertências da autora
Há homens que dizem: se Deus é verdadeiramente misericordioso, não
pode martirizar as almas humanas no inferno, quanto mais eternamente. Talvez,
querido leitor, você mesmo terá pronunciado estas amargas palavras muitas vezes,
ou bem teve tal pensamento, sem pensar que Deus havia descido do Céu à terra
precisamente para redimir os homens do inferno. Ele havia descido para
aliviar-nos o caminho até o luminoso reino dos Céus e armar-nos do sinal da
Cruz contra Satanás.
Mas
a isto se pode contrapor: “– Porém, por quê, então, o
Senhor permite a existência de Satanás e por que Ele o criou?” Deve se lembrar
que Satanás tinha sido criado como anjo puro e que só mais tarde se afastou de
Deus com todos os seus sequazes.
Sendo um espírito incorpóreo, ele, por isto só é imortal, consequentemente
eterno.
Assim é o homem. Nasce um menino puro, sem
pecados (Sim com o pecado original), porém mais tarde se afasta tantas vezes de
Deus, não reconhece Sua Vontade, rebela-se contra Ele e actua mal. Tal homem, depois de sua morte inevitável,
certamente vai ao inferno, como havia dito Nosso Senhor: “Ao fogo eterno,
preparado para o diabo e para seus anjos” (São
Mateus 25, 41). Entretanto, não obstante estas santas palavras, há homens que
decididamente refutam a doutrina do inferno, contrariamente aos ensinamentos de
Jesus Cristo, o qual prevenia os homens para que não fossem parar neste lugar
de martírio.
Segundo alguns sábios, este martírio não seria eterno; entretanto,
deve-se advertir que na Epístola aos Hebreus (1, 8) diz-se:
“Pelos séculos dos séculos, o ceptro de seu reino é um ceptro de rectidão”.
As mesmas palavras estão no Apocalipse (20, 10), onde se diz claramente: “e
serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos”.
O inferno é terrível! É terrível porque já
significa a separação eterna de Deus e esta separação não é a simples
inconsciência, muito mais é o sofrimento físico neste lugar: “... onde seu verme não morre e o fogo
não se apaga.” (São
Marcos 9, 48) No Evangelho de São Mateus (8, 12), diz-se: “ali haverá pranto e
ranger de dentes.” Também o Santo Evangelho ensina: “E além de tudo isto, entre nós e vocês há um
grande abismo, de maneira que aqueles que queiram passar daqui para vocês não
podem nem daí passar para nós” (São Lucas 16, 26).
Serve de exemplo para todos os pecadores a sorte de um rico que
ouvia tudo e, encontrando-se no inferno, ouvia chegar desde o paraíso as
palavras de Abraão: “estava em plena consciência, mas atormentado
terrivelmente” (São Lucas 16, 19-23). Não há escrito sagrado no qual se
mencione qualquer transformação no inferno depois da ressurreição de Cristo.
I
Desta vez fomos separados do planeta rígido e gélido, de novo
voamos para cima. Dirigimo-nos para um novo planeta, todo reluzente, e à
medida que nos aproximávamos, encontrávamos uma atmosfera cada vez mais
incandescente. Evidentemente, uma força desconhecida, que emanava do próprio
planeta, produzia este fenómeno.
Não sei porquê, mas eu sentia uma estranha
turvação na alma, à medida que diminuía a distância que nos separava dele; a
vivíssima luz que dele emanava me cegava os olhos e todo o corpo sentia um
calor insuportável. Finalmente,
chegámos ao alto de uma montanha que se erguia sobre todo o planeta. Do
topo, podia-se alcançar um amplo horizonte. À direita e à esquerda, entre
cadeias de montes, viam-se vulcões activos, que lançavam fogo em grande quantidade. Nuvens
de fumaça
negra e torrentes de fogo saíam de suas crateras, como de gigantescas bocas
abertas e envolviam tudo com uma neblina espessa, com pedras incandescentes e a
lava que saíam das entranhas da terra. Canais
sinuosos de metal fundido desciam lentamente, com uma cintilação estranha,
desde os cumes dos vulcões até os vales.
Tudo ao redor estava imerso na escuridão. Por
algumas horas apareceu o disco de um astro, semelhante ao nosso Sol, mas que
aparecia coberto por um denso véu, emanava uma luz fraca, crepuscular; passado
este breve período, caía de novo a longa e triste
noite, durante a qual se viam saltar aqui e ali as pequenas luzes errantes de
chama maléfica, as quais apareciam com intermitência extraordinária, sempre
crescente e depois desapareciam completamente.
Cada
vez eu me sentia mais angustiada e triste. Não
consegui descobrir nenhuma vegetação, excepto alguns arbustos sem folhas de uma
cor cinzenta e de uma forma estranha trepando aqui e ali pelas planícies e os
vales. Virando-me para trás pude descobrir algum rio. Suas águas lodosas
seguiam lentamente, como apáticas. Por toda parte reinava a desolação e a
escuridão. E tudo me parecia deserto, mas meu companheiro, de repente
estendeu-me o braço, indicando-me um dos profundos precipícios e disse: “– Olha!”
Fixando a vista naquela direcção, vi algumas
figuras que se moviam rapidamente no meio de luzes imperceptíveis. Desde a
altura onde eu observava tudo, pareciam-me pequenas como formigas. Começamos a descer,
sempre nos aproximando daquele precipício, e quando estávamos próximos parámos
diante de uma rocha escarpada.
“– Todos estes são pecadores”, disse meu
companheiro. “– Agora você ficará só entre eles, sem mim, mas se
acontecer qualquer coisa a você, mesmo que você se assuste, não deve rezar,
porque aqui é severamente castigado quem dirige uma oração a Deus. Eu não estou certo disso, mas creio que lhe
acontecerá algo também se você rezasse. Não esqueça que este é o reino dos
espíritos do mal. Não deve rezar nunca, porque a oração deste reino não chega a
Deus.”
“– Por quê? Por quê nunca?” Eu não consigo
compreender como é possível que a oração possa ter obstáculos.” E o companheiro
me respondeu: “– O obstáculo consiste na graça de Deus
que não chega até as almas dos pecadores. Assim como os homens não podem falar
à distância sem o rádio, assim também a oração sem a graça do Espírito Santo
não pode chegar a Deus.” E desapareceu. Então, ainda mais de perto, eu vi como
os pecadores dançavam loucamente uma dança selvagem; dançavam desesperadamente
e parecia que sua dança não devesse nunca ter fim. Os demónios arrastavam
homens, mulheres e idosos aos lugares mais abertos para atormentá-los ali e
quando estes, esgotados, caíam ao chão proferindo
horríveis imprecações eram agarrados pelos pés e atirados a um turbilhão.
Deixei
aquele desfiladeiro e comecei a descer até a planície. Mas
aqui vi um tórrido e vastíssimo deserto e aqui também a terrível dança dos
miseráveis pecadores, que não parava um instante enquanto eles derramavam
lágrimas dilacerantes. Observando-os mais atentamente, vi que junto a eles
dançavam também espíritos malignos rindo selvagemmente sem nunca se cansarem. Eles
obrigavam as infelizes almas a girar cada vez mais velozmente, gritando sem
interrupção: “– Alegres, todos alegres!” Alguns,
dando saltos, se elevavam sobre a multidão dos pecadores e gozavam com a visão
da gente nua e martirizada, com os cabelos revoltos, sem lavar nem pentear há
séculos, nos quais havia cravados espinhos.
Que
terríveis e poderosos eram aqueles espíritos malignos! Faziam os pecadores se desesperar. Atando-os com ramos espinhosos e
fazendo-os dar voltas assim sobre as areias ardentes, cuspindo-lhes nos olhos,
agarrando-os pelos cabelos, abrindo-lhes a boca à força até rasgá-la,
golpeando-lhes violentamente com pedras, cegando-lhes e fazendo-os caminhar,
depois destas e outras torturas inauditas, com aquele sofrimento, por
precipícios cujo fundo estava cheio de pedras afiadas como navalhas. E enquanto
eles caminhavam, os demónios montavam ao pescoço de cada pecador, pegando-os
pelos cabelos e guiando-os assim pelo doloroso caminho. Se alguém conseguia
soltar-se do espírito maligno, imediatamente lhe pegava outro e os sofrimentos
recomeçavam, ainda mais penosos e intoleráveis.
Alguma vez também, aqueles demónios horríveis mostravam ao pecador
os rostos de seus parentes e de outras pessoas queridas que se encontrava
sofrendo junto a ele no inferno, ou começavam a analisar o passado terrestre de
suas vítimas, mas limitadamente aos pecadores e às más acções. Faziam o pecador
ter as visões de todos os seus pecados terrestres pelos quais haviam sido
condenados, de modo que a estância infernal se tornava ainda mais intolerável.
Eu prosseguia meu caminho, deixando atrás o
horrível, tórrido infinito deserto e os pecadores dançantes ao som das risadas
sarcásticas dos demónios. E cheguei logo a um vale
cheio de pedras onde, de vez em quando, passava um formidável furacão que
levantava nuvens de poeira e lançava ao ar as próprias pedras. Os
espíritos infernais perseguiam aqui a uma multidão de seres cujos semblantes
conservavam já bem pouco da natureza humana: estavam extremamente magros e seus
braços pendiam inertes; todo seu aspecto denotava sofrimentos inimagináveis.
Torturados pela sede, arrastavam-se com dificuldade, em silêncio, com a boca
cheia de poeira. Ao redor reinava um cheiro horrível e nuvens de fumaça negra
envolviam tudo. Entre estes pecadores, alguns lutavam violentamente apesar de
saberem dos terríveis castigos que os esperavam; porém eram já indiferentes a
tudo porque estavam habituados a ser atormentados continuamente e porque haviam
compreendido que, ali no inferno, já não podiam ter esperança alguma, assim já
não reclamavam mais.
Não podendo suportar mais aquele terrível
furacão de poeira, segui adiante, caminhei longo tempo e, finalmente,
deparei-me à beira de um charco lodoso. E pareceu-me que nele chafurdavam seres
de aspecto repugnante. Vi depois como os
pecadores, torturados pela sede, corriam até aquele tanque pestilento e bebiam
daquela água fétida. Dava-me horror olhar aqueles pecadores tão
continuamente torturados e sempre rodeados dos demónios, furiosos, perversos e
trapaceiros. Com grande medo e quase parando a cada passo, avancei até as
rochas que se perfilavam à distância e decidi esperar sobre elas o retorno do
meu companheiro. Ali escolhi um lugar, o mais tranquilo, e cansada das
impressões sofridas, sentei-me sobre as pedras.
De
repente, um misterioso alvoroço sobressaltou-me. Vinha
de um lugar pouco distante. Aguçando o ouvido, percebi suspiros profundos e
penosos. Voltei-me e olhei: a poucos passos, aos pés de uma enorme rocha cinza,
jaziam pecadores esgotados, tristemente com o olhar fixo na noite impenetrável.
“– Sempre a noite, somente a noite, e nunca a luz! É
possível que não chegue nunca o amanhecer?”, perguntou um deles, lembrando do
Sol e da Primavera... e, ante sua mente, passaram as visões da vida vivida;
também os outros começaram a lembrar o tempo passado na Terra enquanto viviam,
sentiam e amavam e cada um deles tentava aliviar, ainda que fosse um só minuto,
com as lembranças da vida passada, sua alma sofredora. De suas conversas se
deduzia que o passado estava sempre vivo neles, mas que os espíritos do mal não
lhes permitiam sonhar nem esquecer os sofrimentos.
Rapidamente, de trás das rochas altas e escuras, apareceu um fogo
vermelho e queimou terrivelmente as almas, chegadas aqui para descansar. No
Inferno, não pode haver paz. E eu, estava desejosa de silêncio e queria fugir de todos
aqueles horrores, decidi transportar-me a outro lugar.
Diante de mim se estendia uma planície. Encaminhei-me
por ela, passando as trevas que por todos os lados me rodeavam. Os espíritos
malignos observavam àqueles que passavam diante deles e perseguia-lhes
selvagemmente com açoites que levavam nas mãos. De vez em quando, da terra saíam línguas de fogo de todas as cores, que por um instante
iluminavam sinistramente as silhuetas. E ouvi um canto, triste e melancólico,
no qual tremiam as lágrimas e ouvia-se um sofrimento abafado e uma dor
inconsolável.
Aproximando-me
mais, vi sob a protecção de uma rocha os que cantavam com tanta tristeza. Suas faces eram de cor cinzenta e eles mesmos
sem força, ofegantes, empurravam com seus braços esqueléticos uma enorme rocha
de grande peso. Este trabalho seu era perfeitamente
inútil em si mesmo e isto aumentava ainda mais seus sofrimentos. Sobre suas
cabeças caíam nuvens ardentes, atravessadas de flechas
de fogo e nuvens de fumaça, misturadas com faíscas. Eu me senti mais
aterrorizada e senti um desejo enorme de sair o quanto antes daquele lugar
tenebroso.
Enquanto isso ouvia um ruído que procedia
do fundo da terra. Ante mim, abriu-se uma inclinada encosta, que comecei a
descer com muito cuidado. No ar, sentia-se um intenso cheiro de enxofre e
redemoinhos de poeira ardente tornavam difícil a respiração. A muralha cinza
rochosa se elevava quase verticalmente sobre minha cabeça e, do alto, caíam como chuva faíscas incandescentes. O vento seco e
turvo não refrescava nada e vi um espectáculo novo e horrível. Os miseráveis
pecadores, arrastados pelos demónios, fugiam velozmente diante de nós com o
ruído infernal que os perseguia e, gritando de terror, protegiam a cabeça
enquanto alguns deles caíam por terra, esgotados pela
sede, com o rosto na poeira. Estariam dispostos a suportar qualquer martírio,
com tanto de obter uma gota de água, com a qual refrescar a boca queimada pelo
terrível calor. Mas não há para eles nem sequer uma gota de água e isto
continuamente aumentava seu sofrimento sem um final possível.
Os
espíritos infernais os vigiavam e, ao cair um, estavam prontos para golpeá-lo
cruelmente com seus pés achatados até que se levantava e recomeçava a corrida,
docilmente. E eis aqui que, enquanto eu observava aquele espectáculo
horripilante, apareceu diante de mim meu companheiro com sua voz maravilhosa e
fascinante: “– Você teve medo?”, perguntou-me e eu, a
sua pergunta, não soube responder outra coisa senão: “–
É terrível!” E ele: “– Agora
deixaremos este lugar e voaremos a outros planetas!”
Começamos a subir a uma velocidade ainda
maior do que a do voo anterior. O ar se tornou cada vez mais agoniante e o
calor se tornou insuportável em certo momento. De longe apareceu um astro
incandescente que foi pouco a pouco ficando maior. Sem interromper para nada
nosso voo, atravessamos uma zona iluminada por uma luz violácea, e cada vez
sentíamos mais que nos queimava o fogo que emanava daquele gigantesco planeta.
Dirigimo-nos até ele. Um pouco mais e o alcançaríamos. E pareceu-me que o céu
oscilava e se agitava como se respirasse; o próprio planeta não me pareceu
denso como nossa terra, e sim composto de gás denso, extremamente incandescente.
Contudo, quando descemos sobre o planeta,
convenci-me que em parte minhas suposições estavam erradas: de fato, aqui e ali
havia também terra firme sobre a qual vagavam luzes estranhas; do alto chovia
uma estranha claridade Láctea, ao redor reinava a tristeza e do solo ardente saía um calor indizível que sufocava.
“– Nem sequer aqui existe a felicidade - disse meu
companheiro. A felicidade aqui não existe. Os espíritos do mal trazem aqui as
almas dos pecadores para fazer-lhes sofrer novas e mais refinadas torturas,
mais dignas de seus pecados.”
Por todos os arredores reinava o caos e, entre o rumor dos
elementos enfurecidos, ouvia-se um gemido triste semelhante ao lamento de
muitas vozes. E apareceu diante dos
meus olhos uma ladeira plana que descia até um lago, que parecia de estanho
fundido. Por todos os arredores voavam insectos venenosos de aspecto
repugnante, de cujas picadas os pecadores buscavam refúgio escapando pelas
rochas ao redor. Alguns pecadores eram
seguidos de demónios que, providos de poderosos açoites os açoitavam, entravam
nas cavernas, mas em seguida se viam obrigados a sair delas e corriam
maltratados e famintos em direcção ao lago ardente, onde se precipitavam
chorando e gritando: “– Onde estás, ó morte? Ó
morte, amiga desconhecida!”
Mas a morte não existe, só a vida existe,
vida eterna de alegria para os homens piedosos, vida eterna de tormento para os
pecadores. E aqueles miseráveis continuavam retorcendo desesperadamente as mãos,
invocando em sua loucura a morte inexistente.
II
Depois de ter observado tudo isto, começamos
a descer. Aos pés da margem escarpada, descobrimos enormes cavernas, escavadas
entre as rochas. Duas
das mais amplas tinham a entrada obstruídas por penhascos, e delas saíam um
ruído ensurdecedor, gritos selvagens, uivos bestiais e assobios estridentes. Que agitado era aquele recinto infernal! Aqui
e ali, vi espalhados arbustos cobertos de espinhos, de lodo viscoso e tufo
negro; também havia alguma árvore sem folhas. Sobre nossas cabeças passavam
voando horríveis monstros, que contribuíam a tornar o panorama mais sinistro.
“– Hoje – disse-me o companheiro - Satanás
celebra no inferno seu banquete anual. Guarde bem o que você vir”.
E vi como as entradas das cavernas começaram
a abrir-se lentamente. Delas surgiam línguas de fogo. Alguns espíritos malignos
entraram para tirar aos pecadores mais ferozes, conhecidos em todo o mundo.
“– Por um compreensível desejo de Satanás –
explicou-me o companheiro – alguns pecadores esperam séculos e séculos antes de
poderem participar nesta festa; outros pelo
contrário são admitidos em seguida. Esta festa se celebra uma vez
ao ano e precisamente no dia em que o Senhor expulsou os anjos maus. Naquele dia,
Satanás, que foi anjo bom até ter a temeridade de rebelar-se contra Deus, volta
a sentir com particular agudeza todo o horror de sua queda. Nesse dia, ele
busca distrair-se como pode, organizando uma festa em seu tétrico reino. Mas
nada pode aliviar seu afã e ele sofre naquele dia por ter recusado as alegrias
do Paraíso e por não ter domado seu orgulho ante o Senhor.”
Logo,
por uma desconhecida força foi lançada para fora da entrada da caverna uma bela
mulher, com os braços estendidos para a frente e seu cabelo em chamas. Em seus olhos, de um azul-escuro, parecidos a
safiras, ardia uma maldade inumana; seu cabelo, de um vermelho vivo, estava solto. Toda
recolhida feito um novelo sobre si mesma,
desenrolou-se como uma serpente e escondeu-se, com a cabeça inclinada, próximo
à porta.
Entre
as chamas, apareceu então outra mulher (1),
de cabelo mais negro do que a noite, como dois enormes carvões brilhavam seus olhos. Lenta e majestosamente, dirigiu-se à outra
mulher que, chorando e tremendo, havia se escondido em uma sinuosidade da rocha
junto à entrada infernal e, colocando uma mão na cabeça, ficou imóvel naquela
postura.
(1) Este mulher pode ser identificada
como uma rainha da Rússia, mulher devassa e depravada, verdadeira Messalina, que era capaz de enfileirar 20 soldados por dia,
todos os dias, para manter relações com ela. Chegava a fazer isso por até 36
horas ininterruptas, apenas para se considerar com mais furor uterino que as
mais terríveis prostitutas dos arredores de Moscovo.
E desde a caverna vizinha
saiu um velho alto, todo encurvado com uma grande barba branca e sobrancelhas
espessas (2).Caminhava
sem pressa, dirigindo-se até a parte oposta onde se encontravam as duas
mulheres. Chegando a certo ponto, deteve-se. Sua aparição não despertou surpresa alguma entre os espíritos
infernais, mas não se aproximaram dele. E ele, levantando a cabeça, olhou ao
redor. Tudo nele mostrava uma forte determinação; seus olhos expressavam uma
inteligência incomum, mas ao mesmo tempo uma tristeza resignada em uma profunda
pena. Inclinou a cabeça no silêncio e a barba branca cobriu todo o seu peito.
Depois
dele, arrastado pelas mãos por uma manada enfurecida de demónios e com sinais
de golpes nas costas, apareceu um homem mais velho, de estatura baixa, era
robusto, tinha a cabeça calva e grande (3). Os
espíritos malignos o golpeavam furiosamente sobre o rosto, gritando-lhe nos
ouvidos: “– Você que não acreditava em nada? Você que
pensava que a vida só existia na Terra e arruinava sua pátria, atormentava e
matava seu próximo sem temor de um dia prestar contas disso! Agora verá que não
é assim! O próprio Satanás inventará para você os sofrimentos mais atrozes;
agora pelo contrário, te levarão a inclinar-se diante dele!”
(2) Pelas descrições a seguir ele será indicado
como o ateu Karl Marx.
(3) Este é mais facilmente identificado com
Lenine.
E
ele, todo curvado sobre si mesmo e sem opor resistência alguma, apertava o
passo detrás deles. Os demónios não o
arrastaram até os pecadores que o haviam precedido, sim em direcção à abertura
de uma caverna situada em frente às outras. Naquele mesmo instante, do interior
da caverna, elevou-se um terrível rumor, um espantoso grito misturado
com risos selvagens e assobios estridentes. De vez em quando, entre todo aquele
bulício, elevava-se um gemido longo e piedoso.
Eu olhei atentamente naquela direcção, também
os pecadores tinham o olhar fixo sobre aquela entrada. E dela saiu uma multidão
de certos seres horríveis que se contorciam; pouco tinha de aparência humana, acuados pelos golpes. Assim
se aproximaram ao pecador calvo e lançaram-no aos pés ao recém-chegado; este se
levantou olhando ao seu redor com ar aturdido e sempre tremendo, pôs-se ao lado
do homem calvo. Tinha a cara estreita, com cavidades e pômulos
salientes, um nariz muito fino, era de estatura um pouco mais alta que a média.
O velho levantou a vista e o olhou com
arrepios enquanto os dois pecadores, com indescritível desdém, voltaram-lhes as
costas.
Naquele
momento, escutei aproximar-se de cada lado um ruído, primeiro apenas
perceptível, depois cada vez mais forte. O
ruído mudou depois para um bater de asas. Uma multidão de espíritos
horríveis voadores se aproximaram lentamente dos pecadores, e diante de mim se
formou um emaranhado vivente que se levantou e logo se precipitou
vertiginosamente para baixo, desaparecendo entre as trevas.
Diante das cavernas ficou tudo deserto,
as horríveis portas estavam fechadas, já nem se via um pecador ou um demónio.
Caminhamos
ainda mais, e de repente surgiu ante nós uma coluna alta de fogo, da qual nos aproximámos. Parecia-me que aquela coluna, como um farol
luminoso, dissiparia também a lembrança dos horrores vistos, e que
encontraríamos lugares mais pacíficos, porém eu esquecia que no inferno não pode haver paz nem tranquilidade.
E, de fato, a coluna de fogo dissipou minhas esperanças, não vimos paz nem
felicidade, e sim um espectáculo ainda mais horrendo nos foi apresentado.
Quando estivemos perto, vi que o negro e horrível abismo estava agitado
como por um violento temporal, nuvens acesas exalavam vapores de enxofre, e
pouco depois nos encontramos entre as chamas de um lago de fogo onde se moviam sombras. Ó que grande era seu desespero, que grande e
terrível seu tormento! Os demónios iam aos milhares daqui para lá entre elas,
como se chegassem desde longe para contemplar avidamente as linhas sinuosas e
retorcidas das imagens incorpóreas entre os rubros da chama púrpura. Mas nós,
sem nos determos, passávamos voando mais longe, encontrando sempre novas
sombras.
“– Agora – disse-me o companheiro - você
deve ficar novamente só. Seja corajosa e não tenha medo ainda que lhe ocorresse
algo incompreensível. No mais se qualquer perigo lhe ameaçar, eu virei sempre a
tempo.” Dito isto, desapareceu.
III
Observando as torturas dos pecadores que
se encontravam entre as chamas e sentindo um calor quase insuportável,
sentia-me assombrada que o fogo infernal não queimasse tudo e a todos. Era
evidente que o fogo não podia destruir e queimar os pecadores que se
encontravam entre as chamas, como tivera feito com homens comuns, ou mesmo o
próprio fogo era de tal natureza que, ainda procurando tormentos inenarráveis,
era impotente para destruir tudo.
Ao instante me chegou ao ouvido o eco de um
coro montanhês. Escutei com maior atenção e pareceu-me que aquele canto vinha
de algum lugar debaixo da terra. Diante de mim começava uma baixada. Em todos
os arredores nas rochas havia fissuras muito profundas. A dois passos de
distância não se via, porém abaixo brilhavam luzes e quanto mais descia mais se
ouvia o canto de um coro que, ao julgar pelas vozes, devia ser muito numeroso,
mas muito desafinado. E cada vez se faziam mais vivos
os fogos. Finalmente, depois de uma descida que parecia não ter fim,
encontrei-me em uma planície imensa e completamente deserta, rodeada de montes
que se erguiam assumindo as mais estranhas e fantásticas silhuetas que mente
humana jamais tenha podido imaginar. Na base dos montes
cresciam estranhíssimas plantas espinhosas, que agitavam os ramos como se
fossem tentáculos. Pela esquerda
apareceu um charco rodeado de uma zona de musgo negro, que se movia também,
parecia suspirar.
Pouco depois cheguei a outro charco mais,
não longe de mim observei um estreito feixe luminoso e, aproximando-me,
descobri uma grande greta e uma nova baixada que conduzia à misteriosa luz.
Segui por aquele novo caminho e comecei a descida por aquele abismo, cheio de
mistérios e incertezas, e que parecia não ter fim.
À medida que caminhava, dava-me conta de
que o sendeiro se convertia em um longo caminho ao final
do qual havia uma porta que dava acesso a um lugar desconhecido para mim. Daí
saía um oceano de luz ofuscante e ouvia-se ainda mais forte o canto que se
fazia cada vez mais ressoante e que, de vez em quando, era interrompido por
gritos ensurdecedores. Recorri depressa aquela
zona e encontrei-me na entrada, onde fui cegada por inúmeras luzes.
Vi uma sala imensa na qual se entrava por milhares de portas. No meio havia uma grande extensão livre,
semelhante à arena de um circo. No centro daquele espaço se levantava um
magnífico trono, mas extremamente tétrico. Um teto negríssimo, em forma de
cúpula, com reflexos metálicos, completava a uma grande altura, aquela sala. Ao
redor do trono se moviam, sem fazer ruído algum, sombras negras de formas
terríveis e horripilantes. Em todo os arredores havia um grande anfiteatro para
os pecadores dos quais ali havia uma grande multidão. Parecia
que todo o anfiteatro havia sido um grande formigueiro e de todas as partes se
podia ver com toda claridade o trono que se elevava no centro da arena. Ao redor elevavam-se gigantescas colunas
luminosas que iluminavam todo o ambiente com uma luz sinistra.
À
esquerda do trono, meio caída por terra, estava uma belíssima mulher, e o negro
do trono fazia um esplêndido contraste de cores com o vermelho-cobre
de seu cabelo, excitante como a seda. Delicada e graciosíssima, assemelhava-se
a uma estatueta saída das mãos de um escultor genial.
À direita do trono estava, pelo contrário, uma mulher de olhos negros e de
porte soberbo; seu cabelo harmonizava perfeitamente com o trono escuro,
enquanto que seus olhos ardentes brilhavam de ódio e de maldade e pareciam
lançar chamas. Estava radiante em sua atitude altiva e em seu desprezo pelos
milhares de olhos que estavam dirigidos a ela. E não se parecia nem
sequer a uma estatueta qualquer, podia-se dizer que era a esfinge de uma mulher
de sangue real, plasmada por um artista imortal. Eu
reconheci sem esforço algum as mulheres que havia visto retiradas das cavernas
para a festa de Satanás.
Quase
toda a arena em frente do trono estava agitada com os pecadores. Não eram,
entretanto, pecadores normais nem para eles estava reservado o anfiteatro, sim
aqueles que haviam manchado sua existência terrestre com os pecados mais
infames. Encontravam-se todos reunidos em um lugar, sem distinção de posição ou
de fortuna. O pecado havia igualado a todos.
Vi também o repugnante velho calvo e seu
discípulo, aquele de tipo polonês, uma verdadeira
besta humana. Um
pouco separado estava o velho grisalho cujo rosto denotava uma tristeza
invencível e uma dor infinita, parecia que recordasse as palavras do Evangelho:
“Porém quem escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor seria
que pendurasse uma pedra de moinho ao redor do pescoço e fosse atirado ao mar”,
e parecia que só agora tivesse compreendido o significado daquelas palavras.
De repente, sentiu-se uma grande sacudida
subterrânea, a terra tremeu, tudo balançou
e as colunas iluminadas ainda mais resplandecentes. Depois se desencadeou um
furacão, ao que seguiu um coro de lamentos e de gemidos. E entre numerosos
aplausos dos demónios e entre gritos irracionais apareceu subitamente Satanás,
todo envolto em nuvens de fumaça muito densa. Iluminado por uma luz sinistra, com o olhar fixo, perdido no
espaço, riu forte e maldosamente e naquela risada havia algo terrível, de tal
modo que todos os pecadores se voltaram para ele e olharam-no com terror,
privados já de vontade, sem força e sem qualquer esperança de salvação. O trono
de Satanás estava rodeado de uma multidão de espíritos malvados cujos olhares
ferozes aterrorizavam. Entoaram seu canto infernal, em cada palavra do qual
havia o eco de uma ameaça e em cada frase a promessa de novas e inenarráveis torturas.
Este canto enchia as almas dos pecadores de terror sem limites, mas os demónios
cantavam cada vez mais forte e Satanás parecia se satisfazer com este canto
porque sorria maldosamente.
Diante do trono, entre as filas de
pecadores, havia muitos que na terra tinham sido famosos por sua sabedoria e
erudição, mas que no inferno já não havia necessidade de tudo isto, eles não se
distinguiam em nada dos outros, e pelo contrário, como eles, tremiam ao escutar
o canto infernal, ao mesmo tempo não perdiam de vista a Satanás.
Satanás parou de rir. Mas, parecia-se a um
homem? Sim, ele se parecia e, ao mesmo tempo,
era um ser completamente diferente, misterioso e insensível. Toda sua figura
mostrava uma incrível auto-confiança e uma consciência da própria força, mas
seu rosto não mostrava alegria. De gigantesca estatura, esbelto, bronzeado, tinha um nariz
afilado entre dois grandes olhos negros e profundos, que brilhavam como fogos
sob o arco das sobrancelhas oblíquas e estreitas. Severo e rogado, sentava-se silenciosamente em seu trono,
sobre o qual luzia uma estrela vermelha de cinco pontas.
Mantinha-se imóvel, como esculpido em bronze, com suas duas
asas abertas semelhantes a tecidos de veludo negro, que se separavam
ameaçadoras por detrás das costas. Suas belas pálpebras curvadas escondiam a expressão precisa
de seus olhos, mas seu rosto de perfil clássico escondia um pensamento
atormentado. Parecia que naquele dia, aniversário daquele outro em que há
milhares de anos atrás foi expulso por Deus, Satanás recordasse seu passado,
quando também ele era um anjo bom alheio a todo mal. Seu rosto expressava um
secreto tormento enquanto uma ruga de longas datas lhe Franzia a testa e as
gigantescas asas negras abaixavam cada vez mais até dobrarem detrás dele, como
ocorre com uma bandeira golpeada pela tempestade.
Então Satanás levantou as pálpebras e vi
seu olhar ameaçador que continha em si um oceano de maldade e de ódio. A
multidão de espectadores a fixou: que olhar era aquele! Quanta perfídia e
quanto ódio! Assim se ergueu em toda sua estatura gigantesca, em toda sua
misteriosa essência o príncipe do mal e do pecado.
Por todas as partes se fez um silêncio de túmulo. Satanás começou
seu discurso que se ouvia distintamente em todos os ângulos do amplo salão: “– Eu vim para anunciar-vos novos tormentos”, disse, e sua
voz se tornou ainda mais ameaçadora e estridente e seus olhos se acenderam
ainda mais pelo ódio. “– Far-vos-ei sofrer tantas
torturas que, em comparação com elas, as penas anteriores empalidecerão. Cada
ano eles serão mais terríveis e assim será
eternamente.”
Com um
espantoso ruído se abriram detrás de suas costas as duas grandes asas negras.
Que terrível era, imensamente terrível, o grande Satanás! Todos os seus
demónios, ao ouvir-lhe prometer novas penas, estrondearam em risos de alegria.
Os pecadores, pelo contrário, pressentindo os tormentos que lhes esperavam, se
agacharam gemendo e chorando, enquanto as colunas de fogo brilharam com uma luz
sanguínea, bem como se tornou sanguinolenta a estrela de cinco pontas colocada
sobre o trono. Tudo se cobriu de vermelho.
Satanás
se sentou novamente. Então vi que uma multidão de espíritos malignos se
precipitar sobre a bela mulher de olhos negros, fazendo-a levantar a pontapés. Ela se pôs de pé como uma fera ferida e seus
olhos relampejavam de ódio. Mas de improviso se direccionou sorrindo e com
passo seguro, impressionantemente descarada, dirigiu-se até o trono, movendo os
quadris, levantando seus seios alvos, ostentando sua graça e todo seu encanto
pessoal. Mas Satanás riu com uma risada de zombaria e desprezo.
“– Na
terra, você subjugava os homens com sua voz, com seus olhares, em uma palavra
com seus encantos, e oferecia-lhes todas as alegrias da felicidade terrena:
ouro e até o poder. Não deixava em paz aqueles que escolhia. Assegurava-lhes em
seus cantos que ninguém a não ser você podia dar a felicidade plena.
Desperdiçava o ouro e as riquezas sem se preocupar e se vangloriava de sua
glória efémera e do esplendor de seu palácio, e assim conseguia conquistar o
coração que tinha escolhido. Mas depois saciada e indiferente, ordenava a morte
sem piedade para aqueles que antes haviam sido seduzidos por você.”
Com
um gesto da mão, Satanás chamou o mais nojento de todos os demónios e,
apontando-lhe a pecadora, ordenou: “– Acaricie-o,
beije-o e ame-o o quanto ele desejar. Vá com ele, eu não tenho necessidade de
você. Mas eu gostaria muito de sentir o sabor de seus beijos e, para isso, aqui
está meu pé.”
Ele
ria, fazendo mover suas asas negras. Pálida, mordendo os lábios, a pecadora
estava de pé sem mover-se, como uma estatua de
mármore. Mas logo respondeu áspera e taxativamente: “–
Nunca”, e em sua atitude orgulhosa estava belíssima. “– Nunca?” - perguntou Satanás,
roxo de raiva - Mas você não sabe que minha vontade é capaz de domar qualquer
orgulho?”
Vieram
então os espíritos malignos que apanharam a pecadora e jogaram-na aos pés de
Satanás e obrigaram-na a beijar-lhe o pé. Depois disto levantaram-na e
levaram-na até a coluna ardente e apoiaram-na contra ela. Ficou negra pela dor
insuportável e pelas queimaduras, mas seus olhos rebeldes, como antes, estavam
fixos, terríveis em seu ódio, cheios de maldade, sobre Satanás.
Enquanto
isso, alguns demónios que se encontravam junto ao trono agarraram os dois
pecadores de má reputação, aquele calvo e aquele de traço polonês,
e à força os arrastaram diante de Satanás e lançaram-nos aos seus pés. E
olhando-os com um olhar irado e terrível, Satanás disse:
“– Vêem
a todos estes milhares de pecadores que reuni aqui junto ao meu trono? Por minha
vontade diante de vocês e deles passará agora uma parte de suas vidas de
criminosos e eu verei de novo suas acções, e far-me-á gozar deste espectáculo
como uma festa.”
Satanás
fez um gesto e tudo ao redor ficou escuro. No fundo da sala apareceu um disco
luminoso, como uma tela sobre a qual todos viram representada uma sangrenta
batalha. Ouviu-se o estalido dos projécteis, o ruído das metralhadoras e o
assobio das granadas. Viram-se regimentos com seus oficiais à frente,
baterem-se com valentia sem igual. Viram-se cair os mortos e feridos e viu-se
também como os soldados salvavam aos oficiais e vice-versa, todos irmãos no ideal
comum. E todos aqueles guerreiros pertenciam à mesma gloriosa terra à qual
pertencia também o pecador calvo.
“– Eis
aqui que se inicia o período de suas inumeráveis feitorias”, disse Satanás.
Ouvindo-se estas palavras, o pecador calvo que se encontrava aos pés do trono,
começou a gemer penosamente, e ao mesmo tempo sobre o disco branco apareceu seu
rosto, já suplicante, já fechado, o rosto sobre o qual se reflectia o espanto e
o nascente triunfo; e ao redor dele tudo era escuridão semelhante a uma parede
negra, impenetrável. Neste momento, a cena da batalha mudou rapidamente.
Ouviram-se novamente canhonaços e o ruído das metralhadoras. Depois apareceu uma
praça sobre a qual se erguia um palácio todo de pedra vermelho-escura. No
centro da praça surgia uma coluna alta e elegante sustentando a estátua de um
anjo. Toda a praça estava cheia de uma multidão enfurecida que assaltava o palácio.
E a cena mudou novamente: apareceram, solenes e maravilhosos, os salões do
palácio. A plebe havia conseguido apoderar-se dele. Uma das salas tinha as
portas defendidas por garotas: estavam armadas de fuzis e defendiam com
desesperada coragem o palácio de seus soberanos. Entretanto, o povo conseguiu
invadir todo o palácio.
Feras
com uniformes de marinheiros ou soldados, com faixas ou cintos vermelhos e
cintos para completar sua ostentação, foram e arrancaram os fuzis das fracas e
delicadas mãos das heróicas jovens. Gritando e blasfemando alucinadamente,
violaram até a morte às nobres heroínas. E sobre toda aquela orgia se ouviam
gritos rudes que enalteciam a vitória conseguida: “–
Viva a liberdade”. “Viva nosso líder.”
Vendo
aqueles horrores e ouvindo aqueles gritos, o pecador calvo, prostrado aos pés
de Satanás, chorou ainda mais tristemente. De novo tudo caiu na escuridão e
sobre o fundo luminoso apareceu uma nova cena. Vi um grupo de prisioneiros,
entre os quais se destacava uma mulher de alta estatura, de rosto altivo e
maneiras nobres. Junto a ela se encontravam umas jovens e diante de todos,
sentado numa cadeira, estava um homem de idade com um garoto de uns 14 anos
sobre seus joelhos. Usava um simples uniforme de soldado, sem ombreiras, e
calçava botas longas.
Senti-me
atraída por seu olhar doce, tão suave e sonhador. Lembrei que já havia visto
aquele olhar uma vez em outro lugar. Olhei melhor e vi e pareceu-me reconhecer
meu imperador. De repente esta cena desapareceu de minha vista e vi uma pobre
cabana no meio da qual estava de pé uma mulher magra como um esqueleto, vestida
de trapos com o cabelo emaranhado e com olhos cheios de loucura. Aproximou-se
tremendo do armário e do forno, procurando com as mãos trémulas algo: naquele
instante um menino gritou em seu berço e a mulher, rindo com uma gargalhada de
louca, deu um salto até o berço, pegou o pequeno e, continuando a rir,
estrangulou-o e lançou o pequeno cadáver em uma panela cheia de água fervendo
que estava sobre o fogão. Fiquei profundamente aterrorizada por esta cena
terrível, mas um sentimento inexplicável me fez compreender que aquela mulher
era uma mãe canibal da Rússia faminta.
Aquela
cena horripilante foi seguida por outra que representava as minas de carvão.
Aqui vi as mesmas cenas que tinha observado um pouco antes no inferno. Velhos e
jovens, de maneiras diferentes, mas com uma dor e uma tristeza infinitas em
seus olhos, realizavam um trabalho inumano, eram forçados por golpes de
chicotes e perseguidos por guardas robustos, cujas feições revelavam uma
estúpida bestialidade. E de novo o mesmo sentimento me fez compreender aqueles
desgraçados eram os melhores generais e oficiais russos, cuja culpa consistia
em ter amado profundamente a sua Pátria, a Rússia.
Também
esta cena desapareceu. Satanás estava sempre sentado no trono, enquanto que o
pecador calvo, invadido pelo terror, apertava convulsivamente a cabeça entre as
mãos, murmurando fracamente palavras sem sentido. “–
Você viu o que você fez em sua vida?” O pecador calvo respondeu com voz muito
baixa: “– Eu vi!” E Satanás, dirigindo-se de novo aos
espíritos malignos, gritou furiosamente: “– Pegai-o e
mantenham-no junto a mim, enquanto eu julgarei aos que foram seus cúmplices na
terra”.
Os
demónios pegaram o pecador, lançaram-no por terra junto ao trono, depois se
puseram a dançar furiosamente sobre seu corpo. O outro pecador, aquele de tipo polonês, abaixou a cabeça e fechou os olhos: seu rosto
estava alterado pela dor, mas já não tinha forças para gritar nem para chorar.
Satanás lhe disse: “– Levante a cabeça e olhe.
Far-lhe-ei ver só uma cena que lhe fará lembrar todas as suas acções”.
Viu-se
então uma rua comprida e ampla, mas tão comprida que parecia não ter fim. Por
aquela rua caminhavam lentamente dezenas de milhares de homens, velhos e
jovens, mulheres e crianças, homens de todas as condições e de todas as
profissões, bispos e sacerdotes, generais e jovens oficiais, soldados e
licenciados, operários e camponeses. Alguns tinham o peito perfurado pelas
balas, outros a cabeça ferida, outros levavam ainda ao redor do seu pescoço a
corda da forca. Todas estas sombras de mártires caminhavam sem pressa pela rua
sem fim, em uma direcção desconhecida.
Mas
de repente ocorreu uma coisa extraordinária: todas aquelas sombras espantosas
de assassinados se transformaram em um instante – vi-os vestidos com trajes
brancos, leves, etéreos, e em suas mãos vi brilhar velas acesas. Sobre eles
descia uma luz nova, azul, estranha. Suas terríveis feridas desapareciam e seus
rostos serenos de novo emanavam o sentido de uma felicidade plena, de um
bem-estar tão luminoso que parecia que a própria luz emanasse de seus corpos.
Toda a rua foi enfeitada com flores de extraordinária beleza. E aquelas dezenas
de milhares de assassinados iam, serenos e purificados, com os braços
levantados para a luz deslumbrante que brilhava diante deles e chamava-os para
si.
Depois
desapareceu tudo outra vez e a tétrica festa de Satanás continuou. Ele disse:
“- Tudo isto foi você quem causou com suas próprias mãos. Todos estes que você viu
foram mortos por você, mas eles, por meio das torturas que você os fez sofrer,
expiaram seus pecados e encontraram a beatificação, enquanto que se tivessem
continuado vivendo, muitos entre eles teriam vindo parar em meu reino. Por tudo
isto, minha vingança sem piedade os alcançará. Eis aqui que já se aproximam
para vocês”.
E
diante do trono desceu um monstro repugnante, provido de um grande número de
tentáculos que se expandiam avidamente em todas as direcções. O monstro,
aproximando-se do pecador calvo e seu discípulo, pegou os dois com seus
tentáculos e arrastou-os. Eles se agitavam, gemiam e lamentavam-se como duas
moscas que estivessem presas entre as patas tenazes e impiedosas da aranha.
Todos
os pecadores, com a respiração cortada estavam à espera do que lhes ia passar.
Compreendiam perfeitamente que nenhum entre eles poderia escapar ao terrível
castigo de Satanás e na espera, um terror secreto os paralisava. Nada mais
parava o ruído produzido pela fuga do monstro, a bela mulher de cabelo vermelho
se aproximou espontaneamente do trono e jogando para trás a cabeça flamejante,
olhou para Satanás com seus olhos ardentes. Mas o olhar de Satanás estava cheio
de ironia e com um sorriso de maldade lhe disse: “–
Conheço sua mão terrena. Eras uma famosa cortesã cuja beleza e inteligência
foram admiradas por velhos e jovens sem distinção. Eras riquíssima e para teu
palácio vinha a mais alta aristocracia de sua época. Tinhas declarado sempre
que não reconhecias outras coisas que as materiais e terrenas. A única ocupação
de tua vida foi a libertinagem e experimentavas grande alegria em destruir a
vida e a felicidade dos outros. Gostavas de subjugar a um homem e logo ser para
ele como uma serpente. E então agora, por estes teus pecados, deverás
arrastar-te como uma serpente ante meus demónios que não te abandonarão jamais.
Eles te obrigarão a fazer o que eles gostam e nunca poderás rebelar-te.”
“– Tenha
piedade de mim”, disse a beldade caindo de joelhos diante do trono e estendendo
para Satanás, em um gesto desesperado, seus braços, pela primeira vez
impotentes em sua beleza. Mas Satanás continuava rindo e a um sinal seu, uma
multidão de demónios agarrou a mulher e, entre saltos e zombarias,
arrastaram-na até a saída, deleitando-se com os sofrimentos que lhe causavam.
IV
Durante
todo este tempo, o velho grisalho tinha estado à parte. Mas de todos os lugares
chegavam os lamentos dos que tinham sido seduzidos por sua incredulidade e por
sua falsa doutrina. Seu rosto se escurecia cada vez mais e cada
vez se afundavam mais as rugas da testa. Era óbvio que estava pensando
em coisas da maior gravidade. Depois sacudiu a cabeça aturdida como para
retirar da mente cansada as contínuas meditações, os pensamentos e as
lembranças penosas. Mas no inferno não existe o esquecimento do passado e dos
próprios pecados.
Parecia
que tivesse compreendido isto, com sua aguçada inteligência, porque inclinou a
cabeça em uma expressão de desespero completo. Por seus olhos passou uma nuvem
de tristeza: compreendia muito bem que devia responder por ele mesmo e também
por aqueles que tinham sido extraviados por ele e por todo o povo.
Mas
o que atemorizava o velho não era o castigo que lhe esperava. Todo seu horror
consistia no fato de que, finalmente, agora lhe parecia claro como se tinha
equivocado durante toda sua vida e como sua doutrina não tinha semeado mais que
incredulidade e pecado em lugar de felicidade e amor. Nisto consistia seu drama
íntimo e seus sofrimentos morais eram indescritíveis. Satanás o olhou com olhar
imperativo. O velho levantou a cabeça e, sem a menor subserviência, mas com
severidade e valentia, manteve o olhar em Satanás. Depois, com atrevimento, deu
alguns passos adiante e pôs-se na frente do trono. Satanás continuava olhando-o
em silêncio sem que por isso seu olhar insistente desse medo ao velho, que se
atreveu a dirigir a Satanás uma pergunta: “– Assim é
que você existe realmente”. E Satanás, com uma risada irónica, respondeu: “– Sim”. E o velho continuou: “–
Mas, por que vive deste modo? Por que está sempre em meio a estas frias trevas
e passa séculos inteiros em hostilidades vazias contra todo o Universo e
envolve na mais profunda dor aos homens que lhe servem? Que necessidade tem de
todos estes tormentos e deste diabólico ruído?”
A
gente em silêncio conteve a respiração com a ânsia de saber o que ia acontecer.
“– Por que não quer recomeçar o caminho recto, voltar
a ser bom e terminar em um bom dia com todo o mal que faz?” Com o olhar fixo à
distância, Satanás respondeu sombriamente: “– Porque
fui amaldiçoado.”
Durante
algum instante reinou um profundo silêncio. O velho estava meditando e o
próprio Satanás esperava ouvir suas palavras. O velho continuou: “– Agora não somente creio que você existe realmente, mas
também que você foi amaldiçoado. Para você estão apagadas
todas as estrelas e em seu céu
não há sol. Difamou a terra, conduzindo seus habitantes para o pecado. Que você
quer fazer no futuro? Continuar destruindo ou bem criar algo novo e mais digno?”
O olhar de Satanás brilhou
sinistramente pelo ódio e murmurou com voz que soava a ameaça: “– Enviarei ao mundo o Anticristo e ainda e sempre lutarei
contra Aquele que me amaldiçoou!”
“–
O Anticristo?”, perguntou assombrado o velho. “– Sim,
o Anticristo”, exclamou Satanás. Seu olhar ficou ainda mais triste. Depois de
uma pausa, Satanás continuou:
“–
Virá o tempo em que em um lugar, que já tenho designado, viverá uma cortesã que
terá uma filha ainda mais perversa do que ela. Ela há seu tempo parirá outra
cortesã e assim durante onze gerações consecutivas. Na décima segunda geração, nascerá uma mulher que superará em depravação,
perversidade e imoralidade todas as outras. Esta será a que porá no mundo
aquele que deverá ser a perdição da humanidade inteira. Ele será o Anticristo.
Nem se saberá quem é o pai porque será concebido em estado de embriaguez
imunda. Desde seu nascimento, eu viverei nele e ele em mim. A mãe notará muitos
sinais incompreensíveis no momento do nascimento, mas eu a induzirei ao
silêncio”.
Será
um homem de uma inteligência extraordinária, que superará em muito a
inteligência de seus contemporâneos. Terá também uma vastíssima cultura. Quando
alcançar a idade adulta, sentirá dentro de si uma desenfreada avidez de comando
e encontrará o apoio de um povo que será seu predilecto. Por-lhe-ei
nas mãos, riquezas imensas, e por meio delas será grande e poderoso. E quando
se desencadear uma grande guerra, na qual participará todo o mundo, o
Anticristo participará nela em qualidade de simples oficial. Devido a suas
capacidades, a sua bravura e coragem, ele fará em pouco tempo uma
brilhantíssima carreira e ocupará os mais altos postos da hierarquia. Não
conhecerá os fracassos e, conseguindo uma vitória atrás da outra, ganhará uma
popularidade sem limites e infundirá em todos a simpatia e a confiança em sua pessoa.
Nenhum
projéctil poderá alcançá-lo nunca e as armas de todos os tipos lhe farão apenas
sorrir. Em qualquer posto em que se encontre, será sinal seguro de que este
posto não poderá ser tomado. Os barcos e os aviões que se encontrem ao seu
comando terão a vitória segura.
Eu
farei de maneira que a água, o fogo e os outros elementos da natureza lhe
estejam submetidos. Vencerá e destruirá os poderes de todos os outros povos, de
modo que ainda aumentará mais a admiração por ele entre as populações.
Destronará reis, expulsará ditadores e presidentes e subjugará, por último, a
todos os povos que se inclinarão diante de seu poderio e o reconhecerão por
líder supremo. Reinará sobre todo o mundo e será o verdadeiro dono e senhor de
toda a terra (São João 5, 43: “Eu vim em nome de Meu Pai e vocês não me
receberam, se outro vier em seu próprio nome, a esse o receberão.”) E eu lhe darei o poder de operar milagres, de forma que o
mundo acreditará que ele é o próprio Cristo (II Tessalonicenses 2, 9-10: “A
vinda do ímpio vai acontecer graças ao poder de Satanás, com todo tipo de
falsos milagres, sinais e prodígios, e com toda a sedução que a injustiça
exerce sobre os que se perdem, por não se terem aberto ao amor da verdade, amor
que os teria salvo.”) (4). Ainda
sem compreender seus actos, não se atreverão a criticá-lo e assim, por meio
dele, eu corromperei a todo o género humano, empurrando-o à busca de novos
conceitos no campo da filosofia e colocando-os em contradição com a religião.
(4) Naturalmente que os textos bíblicos
citados, o são pela autora e não por Lúcifer.
Destruiremos também todas as leis da moralidade e,
através do escárnio, cultivaremos na terra o sacrilégio e a blasfémia, faremos
que ocorra toda classe de acontecimentos desagradáveis ao extremo. Em todas as
partes criaremos um número incrível de obstáculos e envolveremos a todos os
homens e a todas as mulheres na sede das mais refinadas depravações.
Recolheremos deliciosos frutos nos campos do mal. Durante o reinado do
Anticristo enviado por mim, meus servos fiéis assumirão formas tais que não
deixarão supor que sejam demónios. Levarão a tentação às mentes e os homens
perderão sua personalidade e sua capacidade de governar os próprios instintos.
E deste modo o mal reinará.
Teremos
que realizar muito esforço nesse período, porque cada invocação e cada oração
dirigidas a Jesus Cristo serão suficientes para converter uma alma. Mas nós
continuaremos sem trégua em nosso terrível avanço: criaremos uma vida absurda e
brutal, destruiremos tudo e teremos constrangido a todos os povos entre nossas
mãos. Destruiremos e devastaremos os templos, apagaremos todas as lâmpadas
acesas em honra ao Altíssimo. Ó, como eu odeio aos que
rezam nos templos! Odeio as Missas, as predicações e os cantos litúrgicos. Em
meu reinado do Anticristo só haverá maldade e sofrimentos em tal quantidade,
que desde que o mundo é mundo não se terá visto tanta. Então, em um excesso de
dor e de louco desespero, os homens começarão, gemendo, a murmurar e culpar a
Deus. Esta será a culminação de todos os meus desejos. Este será meu reinado,
reino do mal e do ódio eternos”, assim gritava Satanás, flamejando com seus
terríveis olhos.
O
velho franziu a testa e seus olhos brilharam com uma estranha luz. “Nunca,
nunca, você compreendeu?”, disse a Satanás em um impulso de impetuosa
violência. “Nunca as trevas triunfarão sobre a luz. O mal não vencerá o bem.
Estive errado durante toda a minha vida, mas agora creio com toda a alma e
estou seguro que Jesus Cristo vencerá e lhe esmagará, a você que é o filho das
eternas trevas”. (5)
(5) Estas palavras não são de
arrependimento, mas simples constatação. No inferno não existe mais o
arrependimento e milhões há que somente quando caíram lá é que entendem a
verdade.
Ao ouvir estas palavras, Satanás, levantando-se,
gritou furiosamente: “Por seu atrevimento, por sua incredulidade sobre o que
lhe digo e pelas palavras insolentes que pronuncias aqui em meu reino, poderia
fazer-lhe sofrer tais torturas como jamais se viram aqui no inferno. Mas deves
saber que minhas leis, as leis do mal, são tão exactas como as leis do bem de
Deus. Tudo o que eu disse acontecerá exactamente como eu lhe descrevi”.
Depois,
indicando-lhe a sala com um amplo gesto da mão: “Olhe quantos pecadores estão
aqui reunidos. Após a chegada do Anticristo, o seu número aumentará milhares de
vezes. E eu já tenho desde agora inventadas uma quantidade incomensurável de
novas torturas, de modo que cada pecador tenha a pena apropriada”.
Naquele
instante junto ao velho apareceu uma figura negra, desordenada. Satanás se
sentou. “– Não lhe farei sofrer nenhuma tortura física
– continuou entre o mais completo silêncio da massa – porque compreendo
perfeitamente que elas não seriam apropriadas para você, que não as mereceria.
Eu não lhe deixarei em meu reino, mas lhe mandarei sobre a terra, colocando-o
junto a um companheiro que lhe seguirá nas reuniões de seus sequazes. Você
assistirá às suas reuniões e ouvirá seus discursos sacrílegos, escutará seus
erros que você mesmo lhes inspirou e dos quais só agora você se arrependeu.
Escutando seus erros, você tentará em vão dirigir-lhes pelo caminho recto
fazendo-os esquecer sua falsa doutrina, mas sua voz não será ouvida e estará
invisível e inatingível para eles. E seu castigo será tanto maior quanto que os
seus esforços não darão nenhum resultado”.
Assim
será durante um larguíssimo tempo. Depois lhe enviarei sobre um planeta, todo
coberto de um mar eternamente tempestivo. No meio deste mar só há uma rocha
alta sobre a qual passarão meus fiéis súbditos transportando ao meu reino a
todos os seus sequazes. Você estará sempre ali e verá continuamente como se
enche meu reino graças a suas doutrinas. Vai!” e estendeu a mão com gesto
imperativo.
O
velho se virou silenciosamente e, sempre acompanhado da sombra negra,
dirigiu-se até a saída sem pressa e dignamente, seguido do olhar atónito de
todos aqueles que se encontravam no salão infernal. Apenas tinha desaparecido o
velho, quando um pequeno e esperto demónio se aproximou saltando ao trono de
Satanás. Colocou-se na mesma ponta e sussurrou ao ouvido de Satanás algo. E
Satanás disse: “– Está bem”.
Como
uma bola, o demónio rodou pela areia e dirigiu-se até o grupo de pecadores que
se encontrava diante do trono. Com um gesto chamou os outros demónios e todos juntos
se puseram a empurrar a multidão dos pecadores, gritando desmedidamente. Em
poucos momentos, uma grande parte da arena estava completamente livre e então
se ouviu por todas as partes um terrível ranger. Inumeráveis chamas brotaram do
chão e saltaram ao alto, torcendo-se e entrelaçando-se. Milhares de estrelas
coloridas e de globos ardentes voavam pelo ar. Tudo foi iluminado por uma luz
tão forte que causava dano aos olhos. Todos os pecadores juntos entoaram um
canto e entre uma estridência de assobios ensurdecedores, apareceu um corpo de
baile composto de milhares de dançarinas. Todas estavam identicamente vestidas:
uma túnica curtíssima feita de correias, enquanto as costas e os ombros nus
estavam adornados de grinaldas de espinhos que lhes causavam dores
insuportáveis, ferindo suas imagens incorpóreas a cada movimento. Cheias de
tristeza, rodearam o trono de Satanás em um círculo multicolor, executando uma
antiga e meticulosamente estudada e solene dança. Mas ainda querendo, era
impossível compreender o significado destas complicadas figuras.
Na
terra, elas haviam sido dançarinas que tinham perseguido somente os prazeres
terrenos, esquecendo completamente a vida do espírito, esquecendo também que , depois da vida terrena, existe outra vida, a eterna, durante
a qual se prestará conta de todos os pecados cometidos.
Depois
apareceu uma centena de bailarinas de categoria superior. Eram as melhores
bailarinas que o mundo havia tido e se encontravam ali por haver-se entregue
demais ao pecado. Havia de todas as nações. Tinham o olhar triste e nos olhos e
nas dobras da boca se escondia uma profunda amargura que dizia melhor que toda
palavra o penoso que eram suas vidas. Não tinham, entretanto, esquecido sua arte e flutuavam, leves e graciosas, etéreas
aparições tocando a arena apenas com a ponta dos pés, com o acompanhamento da
música infernal. Algumas pareciam que se lembravam de seus êxitos passados e
mantinham a cabeça erguida, enquanto outras, ao contrário, choravam
resignadamente pensando nos belos dias felizes terminados para sempre. De vez
em quando se detinham e tomavam formas, atitudes pitorescas e apáticas ante o
trono do soberano das trevas, que as olhava sorrindo com um sorriso maligno,
mas sem que seu rosto expressasse verdadeira alegria.
Riam
junto com ele todos os demónios que se encontravam na sala, mas os pecadores,
pelo contrário, estavam esgotados por todo o que tinham visto. Algumas
bailarinas, sem forças por aquela dança ininterrupta, caíam
exaustas no meio da arena, mas em seguida se lançavam em cima delas os demónios
ferozes, golpeando-as nos rostos sempre em vão. Nenhuma oração, nenhum grito
podia comover a Satanás, que não parava de rir. E seus servos, com novos
ímpetos arrastavam as bailarinas, que soluçavam. De novo se formou ante o trono
um espaço livre. Satanás, sempre tenebroso, disse em voz alta: “– Não há qualquer divertimento, sinto-me triste”. Como um
furacão soou a terrível voz e ninguém pôde suportar seu olhar sinistro.
Agitando suas enormes asas, levantou-se em toda sua estatura e em sua testa
apareceram rugas. Ao redor dele zumbiam uma espécie de moscas para diverti-lo.
Então
os espíritos do mal as empurraram à parte para deixar lugar a um coro que se
aproximava. Mas ainda que o coro executasse cantos belíssimos, Satanás, submerso
em quem sabe que tristes pensamentos, não prestou qualquer atenção ao mesmo,
cujos cantos se extinguiam antes de chegar aos seus ouvidos.
Ele
olhava um ponto indefinido do espaço. Os coristas, depois de ter emitido as
últimas notas da canção, levantaram seus olhos em súplica para o tremendo
Satanás, mas não receberam dele nenhum elogio, pelo contrário, flechas de fogo,
aparecidas de improviso, fincaram-se em seus peitos. Entraram depois saltando
bailarinas, malabaristas, palhaços e acrobatas, que executavam todo tipo de
exercícios cómicos e prodigiosos. E minha atenção foi atraída especialmente por
um palhacinho de cabelo vermelho, eriçado e todo emaranhado. Realizou toda
classe de exercícios tentando fazer rir com trejeitos extraordinários e até
então nunca vistos. Sua boca tentava esboçar um sorriso e todo seu ser tentava
aparentar um aspecto alegre. Mas era evidente sua trágica situação e foi-me
possível notar em seguida a dor íntima que o consumia. Me causou uma dó imensa. Mas também ele seguiu a sorte dos outros e
foi conduzido para fora por um demónio cinzento.
Mas
não havia alegria. O terror reinava por todas as partes: milhões de seres
cantavam e dançavam, mas em seus cantos se ouviam gemidos. Todo este
espectáculo era tão estranho, terrível e feroz e mudava tão continuamente, que
era difícil dar-se conta de todos os graus de terror que suscitava.
Depois
vi voar seres estranhos, transparentes como se fossem tecidos com teia de
aranha. Dos olhos emanava uma estranha luz verde. Flutuavam daqui para lá, buscando
alguma alma para torturar e com seus mordiscos
venenosos proporcionavam aos pecadores uma dor insuportável. Na sala, no
entanto, os gritos dos pecadores continuavam ressoando, gritos de espanto, e
seus rostos estavam transformados, mas para ele não pareciam suficientes estes
sofrimentos e desejava desfrutar ainda mais.
Fez
um gesto imperativo e seus olhos lançaram chamas. Todos os demónios que
ocupavam a sala compreenderam em seguida o gesto e o olhar. Com prontidão se
lançaram sobre os pecadores, segurando homens e mulheres e fazendo-os dar
voltas em uma dança louca. Tudo ardia com uma luz deslumbrante. Os globos de
fogo se haviam separado de seus apoios e, descendo, misturavam-se à multidão em
redemoinho. Como ferro ardente, queimavam os corpos dos pecadores. Faíscas de
muitas cores caíam por todas as partes, enquanto que
chamas altíssimas, saídas das entranhas da terra, envolviam como serpentes
sinuosas aos pecadores como se fossem fitas de fogo.
Eu
estava literalmente ensurdecida por este caos de ruídos e gritos, e tudo
começou a confundir-se e a girar ante meus olhos. De repente, através de alguma
fenda invisível, começou a penetrar na sala uma fumaça sulfurosa, esverdeada,
sufocante, que pouco a pouco encheu o salão, envolvendo tudo como na neblina.
As luzes se escureceram e todo ruído parou: só se ouviu, naquela misteriosa
escuridão, um estalido que fazia estremecer. Era Satanás que lentamente abria
suas gigantescas asas negras. De golpe, com um assobio estridente, abriu-as
totalmente e, como um pássaro fantasmagórico, levantou-se sobre os pecadores e
os demónios que havia na sala. Entre a neblina verde pareceu-me descobrir as
sombras dos demónios que continuavam perseguindo a suas vítimas, enquanto
Satanás, voando soberbamente sobre tudo, triunfava rindo e emitindo palavras e
frases cujo significado só ele compreendia.
Depois,
pouco a pouco, a densa neblina clareou e pude ver nitidamente o que acontecia.
Os pecadores, exaustos pelas incalculáveis torturas, já não puderam suportar
mais, haviam-se rebelado contra os demónios e tinham começado a lutar com eles,
que fora de si ocupavam-se em acabar com o tumulto
entre horríveis palavrões. Venceram ao final os terríveis e impiedosos demónios
e ouvi ressoar nas profundezas da enorme caverna seu relincho, com o qual
expressavam seu menosprezo pelos pecadores. Deste modo Satanás celebrava sua
festa anual. Mas minha mente se ofuscou e senti um zumbido incómodo na cabeça.
Depois passou por meu lado um redemoinho e fui arrastada para fora por uma
força desconhecida.
▲
www.amen-etm.org/demonio.htm
◄