MEU SONHO LETÁRGICO DE NOVE DIAS

 

Por Fanny Moisseieva

 

"Mi sueño letargico de nueve dias".

Em 1928, deu-se um caso extraordinário e milagroso, com uma russa de nome Fanny Moisseieva, que tendo sido hospitalizada, veio a ser dada como morta, por não ter sinais vitais, e só não foi enterrada viva, porque um médico seu amigo não autorizou, pois havia uma coisa que não era normal: a temperatura do seu corpo não tinha baixado para a temperatura ambiente, mas mantivera-se na temperatura de um corpo vivo.

Neste estado permaneceu durante 9 dias, ao fim dos quais recuperou daquele sono letárgico, e veio a escrever um espantoso e maravilhoso livro sobre o que se tinha passado consigo durante aquele milagroso período.

Este livro tem uma tradução Espanhola com prefácio do grande divulgador de Mensagens Divinas, em Espanha, F. Sánchez Ventura. A editora é a Editorial Circulo, de Zaragoza e o título do Livro é "Mi sueño letargico de nueve dias".

Neste livro escrito por Moisseieva, ela faz a descrição do que viu e experimentou quando foi levada a visitar o Inferno, o Purgatório, o Paraíso, e ainda a visão do Fim do Mundo, a Vinda Gloriosa de Jesus e do Juízo Universal.

A descrição do tempo que antecede imediatamente a Vinda Gloriosa de Jesus, é de um mundo decadente, depravado e terrível, com guerras e cheio de miséria.

O próprio título do Capítulo em que faz a sua descrição, é:

"As minhas visões do próximo juízo universal".

O estar próximo o Juízo Universal, não nos dá a noção rigorosa da proximidade a que ele se encontra, mas, a descrição do que o antecede, dá-nos a certeza de que nunca poderá ser depois de instaurado o Reino de Cristo sobre toda a Terra e toda a criatura, pois a seguir, virão os Novos Céus e Nova Terra, que são o Paraíso Terrestre reconstruído, de que nos falam Isaías e o Apocalipse de S. João. Portanto, tem de ser de facto muito próximo, e antes do início dos Novos Céus e Nova Terra.

Estas visões da Moisseieva, terão sido tomadas por absurdas por muita gente, já que era impensável que fosse dentro de pouco tempo o Juízo Universal.

Acontece que entretanto, houve o desselar destes assuntos.

 

 

 

 

ÍNDICE

l PRIMEIRA PARTE - Primeiras impressões  è

l SEGUNDA PARTE - Minhas visões do próximo Juízo Universal  è

l TERCEIRA PARTE - Entre as estrelas - è

l QUARTA PARTE - O Inferno  è

l QUINTA PARTE - ?  (Purgatório???)  è

l SEXTA PARTE - Onde resplandece o Paraíso - è

 

 

l PRIMEIRA PARTE   è

Primeiras Impressões

 Por ordens do Dr. Tastari fui obrigada a ser hospitalizada durante Março de 1928 em um hospital católico no município de Hankow para descansar. No 5º dia da hospitalização sofri um ataque cardíaco muito doloroso e então desmaiei. Quando despertei, implorei ao Doutor por ajuda. Acalmou-me com medicação, mas naquela noite quando a empregada trouxe minha janta, encontrou-me imóvel como se estivesse morta. Esta relatou à enfermeira da Ala que chamou o médico de plantão e após seu exame declarou-me morta. Após ser lavada fui colocada numa mesa e coberta com um lençol. O atendente chinês encontrou algumas flores e colocou-as ao meu lado.

No dia seguinte o Dr. Tastari foi informado da minha morte e foi ao necrotério. Levantou minhas pálpebras e concluiu que eu não estava realmente morta e ordenou que eu fosse colocada num quarto bem aquecido. Três dias se passaram sem que meu corpo mostrasse nenhum sinal de mudança e isso indicava que eu estava em coma. Este estado de coma durou nove dias, tempo este em que não tive nenhuma alimentação e nenhum medicamento. Não tinha pulso nem as batidas do meu coração e minha respiração era inerte.

Por volta das 19:00 horas da décima noite, acordei, estiquei braços e pés e observei que estava num pequeno quarto, sendo curiosamente observada pela equipe de funcionários do hospital. Não sentia nenhuma dor, apenas como que acordando de um sono normal. Sentia, entretanto, um bem-estar em meu corpo. Quando os assistentes me viram sentar saíram correndo desordenadamente do quarto. Não entendendo o que estava acontecendo pensando tratar-se talvez de fogo e saí correndo depois deles no corredor, mas estando muito fraca tive que me apoiar no peitoril da janela. Então fiz sinais que estava com sede, pois havia perdido minha voz, mas ninguém veio me ajudar, apenas me espiavam pelas portas entreabertas.

Estando fraca e trémula não compreendia porque haviam me transferido de uma grande ala para este pequeno quarto.  Devia ter tido um sono muito profundo. A esta altura a notícia havia alcançado a Irmã da enfermaria que me encontrou sentada junto ao peitoril em condição debilitada. O médico de plantão foi notificado e fui colocada em uma cama morna para ajudar minhas condições. Pela graça de Deus Omnipotente fui salva de ser enterrada viva.

Mais tarde chegou o médico que me atendeu durante o ataque cardíaco, verificando que estava fora de perigo e descansando. Então uma estranha sonolência apoderou-se de mim e adormeci, mas não poderia ser chamado de sono. Senti um entorpecimento, um relaxamento físico e um estranho sentimento de duplicidade do meu ser. Não posso explicar exactamente como era, mas senti uma duplicação do meu ser e estava assustada.

Nunca havia experimentado sensação tão estranha, pensamentos sucedendo-se rapidamente como ondas de uma tempestade que se move mais adiante. Meu corpo começando a desobedecer-me, meus braços paralisados e apesar de tudo isto, resisti e tentei lutar duramente pela vida. Não podia mover-me, nem mesmo respirar. Isto é o fim, pensei, então de repente um frio percorreu minhas costas, senti uma separação (do meu corpo) e reduzida a nada pensei que não mais existisse.

Não posso dizer quanto tempo isto durou, quando tudo passou, eu me encontrava no meio da enfermaria. Transformada por uma força desconhecida em uma luz e em um ser celestial, (aqui a autora tentar passar a ideia de ser transformada num ser etéreo, isto é, que preenche os espaços sem ser matéria) pouco antes, quando estava na cama. Senti-me libertada de uma roupa pesada que estava usando. Involuntariamente eu abaixei meus olhos e me vi completamente despida. Então levantando meus olhos eu vi todos os pacientes restantes adormecidos, eu estava envergonhada virei para minha cama para deitar e me cobrir, num último esforço de minha letargia, eu me vi deitada imóvel e supostamente morta. Isto me surpreendeu, pois estava ali em pé e ao mesmo tempo estava imóvel na cama.

Imediatamente minha consciência me avisou que tinha começado uma outra existência e a palavra "morte" soou boba e inconsequente. Senti claramente que a morte não existe e que a vida não pára e continua. Meu corpo parecia morto, mas eu não lamentava isto de maneira alguma, somente tinha piedade e medo do que eu tinha sido. Aonde eu irei? O que farei com minha eternidade? Sentia minha audição mais “afiada”, sensível ao menor ruído. Minha vista era forte e penetrante. Vi tudo em uma nova luz muito distinta.

Da janela vi pessoas jovens, luminosas, voando, vestidas de branco e com suas cabeças cercadas por uma luz dourada. Cercaram-me, esperando por algo. Ao mesmo tempo uma multidão de espíritos malignos, repulsivos e feios apareceram na enfermaria. Suas caras desagradáveis reflectiam a perversidade e com contorções e murmúrios encheram a enfermaria. Então com horror vi seus olhos penetrantes focados em mim enquanto avançavam em minha direcção. Gritei com terror. Instantaneamente a enfermaria ficou iluminada e alguém me cobriu com um hábito claro e perfumado. Pegando-me pela mão ele disse: "Não tenha medo, enquanto você estiver comigo eles não lhe tocarão!". Mesmo porque eles já tinham desaparecido, no momento em que a luz entrou, mesmo eu não sabendo como. A voz então continuou: "Você é de nossa família, enquanto eles não têm nenhum de nós. Eu vim lhe mostrar a verdade do que existe e do que virá a acontecer”.

 

I.

Então nós começamos a subir. Em um instante a cidade desapareceu e meu companheiro disse: "Agora você viu como a vida passa do mundo para esta de eternidade, as almas dos justos e as dos pecadores”. Eu vi como os espíritos do mal lutavam pelas almas dos pobres pecadores miseráveis que estavam tremendo de medo, enquanto os anjos bons ficavam à distância, as pobres almas esticavam seus braços pedindo por eles, mas em vão. Por outro lado, eu vi entre hinos e cantos jubilosos, os anjos conduzindo para o Paraíso as almas dos justos.

"Por que estes estão no mundo, os espíritos bons e maus? - perguntei a meu companheiro. Ele me explicou que no começo Deus criou o mundo espiritual, com anjos imortais e deu-lhes o livre arbítrio para viver feliz ao Seu lado ou para abandoná-Lo se assim quisessem. Alguns deles revoltaram-se contra Deus com ingratidão por tudo que Ele tinha feito, o que despertou Sua ira e assim estes foram levados para longe de Sua presença, já que não eram dignos de apreciar a felicidade do paraíso. Ele amaldiçoou o arcanjo que começou a revolta, chamando-o, diabo, Satanás.

Uma vez levados para fora do paraíso, os anjos caídos perderam sua santidade e assumiram uma natureza feia e horrível e se refugiaram em diferentes planetas privados da graça do Deus. Alguns caíram na terra, tornando-se inimigos eternos de Deus, e começaram então a ensinar a desobediência e toda maldade e perversidade a todas criaturas de Deus. Eu estou lhe dizendo a verdade divina e universal, Deus viu as dificuldades dos homens na terra, os quais estavam completamente sob a influência de Satanás, sem nenhuma esperança de algum dia alcançar o paraíso. Então para a salvação da raça humana, Ele enviou para a Terra, seu filho primogénito (o Deus invisível e o Espírito Santo, assim como o sol provê a luz e o calor invisíveis!).

 

II.

Enquanto nós falávamos nos aproximamos de uma grande cidade e um pouco mais tarde estávamos na casa de um pecador que estava morrendo.  Por três dias ele era atormentado em sua agonia de morte e sua alma não se separava de seu corpo. Sem nenhuma piedade para o moribundo no quarto ao lado havia uma festa de bêbados soltando blasfémias e sacrilégios. Vi um grupo de anjos tristes esperando a distância que o homem que estava morrendo pudesse clamar pela misericórdia de Deus. Mas, oh! Senhor, a esperança dos anjos foi em vão, e estes desapareceram.

Então os espíritos maus tomaram conta completamente e meu companheiro disse: “A hora da morte deste pecador chegou. Coberto pelo pecado, como ele é, não entende quão terrível é a sua situação e não imagina para onde sua alma irá, só consegue pensar em si mesmo”.  Estava sempre correndo, sempre procurando algo, perseguindo seus sonhos fúteis e cometendo todos os tipos de pecado. Mas se ele considerasse a sua pecaminosa vida ele saberia que isto o separaria de Deus e então ele não morreria em pecado levando consigo para a eternidade sua desobediência e contínua revolta contra Deus.

O pecador morreu murmurando palavras horríveis e insensíveis. Os seus olhos fixos no além sem saber para que ele viveu no mundo. Repentinamente eu vi um horrível espírito do mal se aproximando do homem morto com uma maliciosa voz dizendo: “Você é meu!”. O moribundo com um tremor frio e assustador e com um último sopro ofegante, morreu. Ele estava morto e então o espírito do mal partiu com sua alma. Involuntariamente, pensei se no momento eu parecia com aquela alma que acabara de se separar do seu corpo. Olhei para minhas mãos e meus pés e percebi que eles tinham somente o formato corporal, mas feitos de algo inconcebível ao ser humano.

O silêncio era completo. Os bêbados ao lado haviam parado de fazer barulho e se aproximaram do homem e o chamavam, mas este jazia morto. Nas suas faces podia-se ver o ar de terror que ia se formando. Abandonaram então a casa e saíram para a rua, deixando o morto só. Perguntei ao meu companheiro: “Por que as pessoas temem o morto, mesmo sendo um parente ou alguém querido?” Ele respondeu, “Por que para os humanos, a morte é algo terrível, um mistério impenetrável e eles pensam que no momento da morte, o morto não mais pertence a esse mundo e instintivamente, sentem que seus espíritos podem ainda estar perto dos seus corpos e temem que a aparição da sua alma possa acusá-los, e consequentemente temem a morte, o que poucas pessoas entendem. Assim se a alma existe, então temem que ficarão face a face com seus pecados, e com sua própria morte, o que será inevitável, e merecerão punição. Temem a morte, mas não temem a Deus”.

“Pelo contrário, os bons não temem a morte porque amam a Deus em seus corações. Agora você vê que sua alma é imortal e continua a existir e quão errado é duvidar da imortalidade da alma. Por outro lado, aparições de almas de pessoas mortas não são raras. Tem havido muitas aparições de santos e milagres feitos por eles, por esta razão eles deveriam acreditar na imortalidade da alma. Venha, deixemos esta casa”.

“Porque todos não são felizes no mundo?” Eu perguntei a ele, “E porque há tantas pessoas ricas e outras em terrível miséria?” E ele respondeu: “A vida na Terra é apenas um lugar temporário e os homens são auxiliados no mundo. Deus em Sua infinita sabedoria tem dado aos homens inteligência e vontade de escolher entre o bem e mal, e assim esta escolha será responsabilidade de cada um. O rico terá mais problemas segundo o Evangelho, o qual diz: “É mais difícil para um homem rico entrar no reino de Deus do que um camelo passar pelo  buraco de uma agulha”.

Sem dúvida, os ricos são ”forçados”, são mais tentados a pecar pelos prazeres e confortos que os envolvem, do que os pobres e assim os preceitos do seu Criador são mais e mais ignorados. Se os ricos são bons, piedosos e praticam sua fé, é certo que sendo gratos a Deus por Sua generosidade Omnipotente para com eles, serão bem recebidos no Paraíso. Assim era com Abraão que foi abençoado com opulência, com empregados e ovelhas e todos os bens de seu tempo. Ele os desfrutava e também era fiel aos Mandamentos. Deus estava satisfeito com ele, abençoava-o e o favorecia acima de outros homens mostrando a ele a Trindade Santa na forma dos três peregrinos.

Nosso Senhor Jesus Cristo em uma de Suas parábolas relatou como os anjos carregaram o pobre e piedoso Lázaro para o seio de Abraão. Deus estava muito satisfeito com Abraão que era um homem bom e virtuoso e assim foi recebido no Reino dos Céus. Por sua vez o pobre não merece entrar no Paraíso a menos que ele pratique a caridade para com seu próximo. Então ele poderá contemplar as maravilhas do Céu.

 

III.  

Quando voamos sobre uma grande cidade, observei povos de nacionalidades diferentes e também de cores e raças diferentes. “O que é a origem desta diversidade de seres humanos?” E ele respondeu: “Depois que Deus criou os três reinos dos animais, pássaros e dos peixes, Ele criou à Sua imagem e semelhança, Adão e Eva. Dos seus descendentes, diferentes partes do mundo foram povoadas. Desde a criação do mundo, muitas mudanças ocorreram por vontade de Deus. Muitos continentes estavam debaixo d’água e surgiram na superfície. Todas essas mudanças reflectiram, gradativamente, nos povos que viviam em diferentes partes, alguns pensando que eram os únicos seres humanos da Terra. Separados por mares e oceanos, tinham se esquecido que outros existiam. O clima também mudou e aqueles que viviam em zonas tórridas foram protegidos. Deus fez suas peles pretas, vermelhas ou amarelas, de acordo com as condições climáticas em que viviam, como também diferenças em suas ideias e línguas. Deus desejou que todos O conhecessem e Lhe obedecessem”.

Voando sobre uma grande catedral eu percebi um feixe de luz dourada emanado da cúpula. “O que é isso?” Perguntei. Ele respondeu: “São as orações durante a elevação da Hóstia Consagrada e do Vinho Sagrado. No mais solene momento da Missa as orações se elevam directamente a Deus e trazem muitas graças às almas tão dilectas de Deus. Não há acção ou palavra que possa ser comparada com o solene momento, quando a glória e o louvor sobem até a Trindade Divina, beneficiando simultaneamente os vivos e os mortos”.

“Se uma pessoa ama a outra, ela naturalmente deseja tudo de bom para seu amigo. Mas somos imperfeitos, e não importa quão bem desejamos aos outros, especialmente se ele ou ela está longe, invocamos a graça de Deus, que sendo somente bondade e amor ajudará seus amigos, dependendo do quanto imploramos por essas graças. Deus as garante através de nossas preces, especialmente oferecidas na elevação das Sagradas Espécies. A oração nos guia para o caminho correcto, nos encoraja e salva, de fato a oração é indispensável à alma. Ela fortalece a nossa fé e nos ajuda nas batalhas contra as adversidades. A oração inspira esperança e confiança em Deus e os olhos daqueles que rezam, vêem a bondade de Deus em tudo e em todos”.

“Aqueles que não rezam e que não sentem a necessidade da oração ou das coisas santas, acabam se privando do Espírito Santo. Então os espíritos do mal tomam posse deles, os cegam de tal maneira, que estes perdem sua dignidade de tal forma que a graça não pode penetrar, trazendo ódio, medo e raiva contra Deus. Esquecem ou não pensam nas suas mortes e nos seus julgamentos. O espírito do mal tenta o homem a andar nos seus caminhos e a simples menção de Deus é desagradável a ele. E o homem acaba por acreditar que não existe Deus e que o mundo é suficiente para ele. Não acredite em ateus, deixe a eles suas próprias opiniões, mas saiba que eles são a sugestão do mal”.

Cidades têm sido desenterradas, após terem sido enterradas por milhares de anos. Isto prova que Deus os tem punido por sua ingratidão, mostrando ao mesmo tempo seu poder omnipotente. Cientistas, enquanto discutem e estudam as leis da natureza, ficam atónitos com a grandiosidade da criação, e com clareza suas descobertas são cheias de admiração pela grandiosidade do poder de Deus Omnipotente. É por isso que um verdadeiro cientista nunca é ateu, pois investigando com genialidade tudo que descobre, ele reconhece O Grande Criador com toda sua alma e seu coração.

Constantemente Deus observa o desenvolvimento da inteligência dessas criaturas que procuram um conhecimento maior das coisas e a melhoria da sua curta existência, e Ele as auxiliará seus esforços, com a Sua graça. Mas Deus também deseja a perfeição de suas almas, e deste modo as vai conduzindo para O reconhecerem. Consequentemente, o homem ao alcançar um alto patamar de cultura, algumas vezes acredita que é o único responsável por isso. Homens ingratos que não reconhecem a ajuda Divina merecem é a cólera e a punição de Deus! E Deus destrói todas as suas habilidades e permite que outra geração as aperfeiçoe, por fim o homem deve reconhecer que nada pode ser alcançado sem Deus”.

 

IV.  

Após uma breve pausa ele continuou: “Agora, por exemplo, certas pessoas passam por doenças e sofrimentos, que Deus na sua infinita bondade, permite para purificação de suas almas, especialmente quando sua curta permanência neste mundo chega ao fim. Muitos ignoram o fato de que seus sofrimentos vêm de Deus. Entretanto eles poderiam clamar por Sua misericórdia e Seu Santo Nome e Ele mostraria Sua piedade para com eles. Deus deseja a salvação de todos. Cada gesto ou alusão ao nome do Senhor é uma oração que atrai a alma mais para perto de Deus”.

Devemos ser generosos e caridosos para com os pobres e necessitados, mas também rezar, porque sem oração e trabalho honesto não há salvação para a alma. Por esta razão, todos aqueles que atormentarem os infortunados serão punidos. Se você quer fazer alguma coisa, faça, sem provocar os outros e nunca acusar a Deus por algum infortúnio que Ele ou Seu amor, concede a você para sua salvação. Perguntei: “Mas como pode um ateu ou agnóstico ser iluminado para receber a graça de Deus?” Respondeu-me: “Unindo-se à Igreja que é a escadaria para o Céu. Nela ele encontrará a graça, porque ela (a Igreja) glorifica ao Senhor em tudo o que ela faz.

Se um ateu entrar numa igreja, elevar sua mente para Deus e disser: “Senhor, mostra-me  Tua vontade, dá-me fé e eu obedecerei”, o Senhor dirá: “Eu não mandarei aqueles que vem a mim embora” . E a fé entrará em seu coração e ele terá aversão aos seus pecados. Quanto maior for sua revolta maior será sua fé e compreensão. Na Terra, cada alma é dotada com o germe da fé e o ateu encontrará o “espiritual” sem aviso.  Ele encontrará  consolação em Jesus Cristo e regozijar-se-á mais, quando mas profundamente o procurar. Preserve sua fé, ponha em Deus seu coração. A incredulidade prejudica, e é uma doença moral, como uma pestilência. O que é uma existência sem a graça de Deus?  Sem Deus não há consolação e nunca queixe-se da justiça de Deus em sua Criação. Quem somos nós para julgar Deus Omnipotente? A cada fato devemos curvar nossas cabeças em sinal de gratidão.

Os espíritos do mal sabem da existência de Deus, mas desejam desobedecer e permanecer maus. Nunca culpe a sorte e o destino, pois estes não existem, pois se a sua vida fosse baseada em predestinações, como poderia Deus julgar o que fez de bom e recompensá-lo ou puni-lo pelas suas transgressões? As acções humanas são o produto de sua própria vontade. A vida é uma batalha e devemos invocar a ajuda de Deus em todos os momentos. Quantos problemas difíceis têm sido resolvidos através da invocação divina. Muitos passaram por tais experiências, e devem ser gratos.

Quando o homem se acha em desgraça, deve se esforçar mais para implorar a ajuda de Deus, a fim de superar isto. Ele nunca deverá se desesperar, e então a ajuda virá. Tudo é governado pela Sabedoria universal de Deus. Toda a criação veio da superior inteligência de Deus e por esta razão ao homem é dada a inteligência e a percepção do grande trabalho da criação. O homem não está privado desta sensação.

Existem acontecimentos na vida de certas pessoas que supõem um extraordinário significado, quando eles podem sentir e ver a Mão de Deus. Relembremos a profecia: “Da raiz de David nascerá o Salvador do Mundo”. Vamos relembrar a profecia da vida terrena de Jesus Cristo. No cumprimento dessas profecias percebe-se o grande projecto de Deus, portanto é erróneo comparar-se isso com a concepção de, destino. Destino não existe, esta palavra e este conceito são invenções do homem. A vida de cada um é designada de acordo com sua vontade e suas boas e más acções. O homem é senhor e soberano de sua própria vida e precisamente por esta razão foi-lhe dada inteligência. Por esta razão deve responder a Deus por todas as suas acções praticadas durante sua vida na Terra.  Se estiver sofrendo por causa dos seus pecados deve perceber que a culpa está nele próprio. Outro grande erro é atribuir ao destino toda a ajuda que Deus lhe dá, quando, por exemplo, Deus dá Sua graça àqueles que acreditam firmemente que Deus os ama.

A graça divina sempre recai sobre a humanidade, mas especialmente nos momentos mais difíceis e dolorosos, ou quando há necessidade urgente de ajuda. A vida é uma batalha e consequentemente em momentos decisivos, o homem deve combater com iniciativa e superar os obstáculos, os quais irão ajudá-lo a alcançar a satisfação definitiva de suas aspirações. Entretanto, quando a vontade e o desejo do homem não são capazes de suportar os acontecimentos da vida, e quando o homem é incapaz de lutar ou não pode se defender, Deus vem em seu auxílio de uma maneira maravilhosa, o que é evidente, e se torna claro para que todos possam ver. De modo particular, quando experimenta o horror de uma situação que lhe pareça insuportável. Com algumas pessoas isto acontece mais do que uma vez na vida.

Muitas pessoas acreditam que os casamentos são “arranjados” no Céu, repito, destino não existe, mas certos casamentos acontecem através do desejo de Deus. Algumas uniões são a recompensa por uma vida piedosa e então a vida do casal é serena e feliz.  Outras são como uma tentativa, e Deus julga-os através da suas firmezas ou fraquezas. Então, destino não existe, entretanto, na vida de cada um há períodos de felicidade concedidos pelo Céu. Seja na paz de sua alma, seja no seu trabalho, nos negócios, ou na relação com outras pessoas e em todas as coisas, é então acompanhado pelo sucesso.

Em alguns casos a felicidade não dura muito tempo e muda para pior, muitas vezes quando não se espera por isto. O homem deve adaptar-se a seus anseios e aceitar isto. Felicidade existe, mas na vida de cada um há também dramas e infortúnios. O homem deve lembrar-se que esses períodos não duram para sempre. Por esta razão, nas épocas de provação, ele deve confirmar sua fé e seu espírito, superar o infortúnio, não perder a coragem, não se desesperar nem perder a paz da sua consciência.

Lembre-se que a Sabedoria Divina reina sobre todo o Universo. Cada lágrima, desventura, sofrimento, alegria são necessários a Deus para a realização dos desejos e planos do homem. Todas as criações de Deus são frutos de uma infinita inteligência superior, consequentemente, a vida do homem não pode privar-se do seu significado. Durante sua vida devem realizar a expressa vontade de Deus e ser agradecidos. Contemple a genialidade do mundo criado por Deus, então a vida do homem será mais significativa.


é

l SEGUNDA PARTE   è

MINHAS VISÕES DO PRÓXIMO JUÍZO UNIVERSAL

I – Sinais que antecedem o julgamento

Voltando-se para mim meu companheiro me advertiu que chegara o momento em que eu deveria ver o que ocorrerá, inexoravelmente, dentro de um número indeterminado de anos. E depois de suas palavras se apoderou de mim um sono profundo, um sono maravilhoso. E adormeci como se estivesse num sono letárgico. Durante este sonho se apresentou novamente meu companheiro e me falou:

Virá o dia do juízo – você é testemunha viva – olha de novo atentamente para que depois te recordes de tudo. Que acontecerá nos dias do Juízo Universal? O espírito do mal se apoderará dos corações humanos até a última centelha da fé, e encherá as mentes de inúteis vaidades, tornando seus sentimentos em pedras inanimadas. Os povos, dissolutos, estarão de todo descontentes, não mais terão confiança uns nos outros, não mais existirá o verdadeiro amor e morrerão os que dirigem o mundo. Levanta-te e olha!

Então vi uma grande cidade onde acontecia uma grande batalha. Os homens rompiam tudo, destruíam tudo e com ódio feroz se matavam entre si. De pronto rompeu os ares um terrível ruído que rompeu pelo espaço, e começou um repentino e fortíssimo terramoto, que sacudiu toda a terra. As pessoas saíram para as ruas e o tumulto foi tal como jamais havia acontecido antes; a terra continuava zumbindo com um sinistro presságio, o céu se havia escurecido e um a um todos os ruídos se confundiram com o silvar dos ventos. Os homens olhavam o céu tempestuoso, silenciosos e inquietos, com o coração opresso, como pressentindo terríveis desgraças, enquanto um furacão destroçava e transportava pelas ruas e ares os seus troféus.

Assim havia chegado a hora terrível, trazendo espanto a todas as almas, enquanto o céu se havia tornado cor de sangue e era riscado pelo clarão resplandecente dos relâmpagos. Depois a abóbada vermelha se escureceu. Nuvens negras envolveram tudo e desceu sobre a terra uma sombra impenetrável. As estrelas perderam sua luz. Tudo estava cheio de um misterioso espanto e quietude. Não se ouvia mais nem o mínimo sopro de vento, tudo estava imóvel sobre a terra muda, como um gigantesco toldo caiu a noite negra; o silêncio era pavoroso.

Porém não passou nem uma hora e já os homens se haviam habituado ao ameaçador aspecto da natureza. Sobre a terra recomeçou a vida em seu ritmo apressado: os restaurantes, os teatros, e todos os outros lugares de jogos estavam cheios de uma frívola multidão. Nas Bolsas de Valores se apostava febrilmente e se criavam riquezas para perde-las horas depois. Os vícios mais imorais, os prazeres mais perversos e mais ímpios alegravam a vida. Só nas catedrais sérias, pensativas, porém despertas, se cumpriam os ritos.

Lançadas na voragem vã das paixões e das preocupações, as pessoas esqueciam da salvação das almas. E enquanto as ruas estavam cheias de mil rumores reinava nos templos um silêncio solene e piedoso.

De imediato um fortíssimo relâmpago rompeu novamente as trevas, e todo o céu, rodeado de mil chamas se acendeu outra vez. Arderam as casas e em todas as partes altas chamas surgiam. Todo o mundo era um imenso incêndio, a tudo destruía o furacão, e o vento, em torvelinhos queimava e dispersava escombros e homens como miseráveis plumas. As pessoas buscavam em vão a salvação, rogando e suplicando chorosas se lamentavam daquela destruição. Na enorme voragem, o vento arrancava as crianças dos braços das mães, que loucas de espanto, viam seus filhos desaparecer no alto, dentro das nuvens.

Eu vi como o próprio Jesus, conduzia aqueles pequeninos ao céu, e como eles subiam lentamente ao alto, sem que nada os ajudasse da terra. Havia crianças de todos os povos e raças e todos cantavam um hino de glória ao Divino Jesus.

Depois que Jesus subiu ao Céu, caiu sobre a terra uma chuva de sangue. Rios e mares se cobriram de ondas espantosas e se chocaram contra os cascos dos navios, não lhes dando possibilidade alguma de salvação. Palácios e casas ruíram por todas as partes e dos escombros saíam vozes e gritos que invocavam lastimosamente ajuda. E do mar, como inimigos ansiosos por estragos, chegavam as ondas que rompiam com furor de águas tumultuosos, a todos os diques e pontes.

Todas as pessoas foram arrastadas pelo furacão e reunidas em um só lugar, sobre os continentes reunidos, ali onde Deus haveria de descer dos Céus, para realizar o Grande Juízo. Mas o grande cataclismo não confundiu os povos e línguas. Todos conservavam seu lugar.

II – O mundo imediatamente antes do Julgamento

Então, sobre a terra caiu um grande silêncio: tudo se calou e se recolheu na espera do futuro. Os fiéis sentiam que se aproximava o dia do juízo. Entre as trevas reinantes, por toda parte começaram a acender fogueiras ao redor das quais se agrupavam as pessoas, para saber dos pensamentos uns dos outros, mas tudo em vão. Ninguém sabia dizer se somente ali aquilo acontecia, ou se e em todos os lugares da terra se via aquele Céu ameaçador. 

Em todos os lugares, entre as ruínas dos comércios, vagavam ladrões munidos de lanternas, saqueando mercadorias abandonadas, vinhos, peles e louças preciosas. Como um rio corria o vinho saqueado e cada vez maior barulho se formava ao redor das fogueiras. Por fim, vencidos pela cobiça, os bandidos se deram novamente à rapina, entrando em casas semidestruídas e desertas. Outros, nos negócios mais depravados, saciavam seus perversos desejos sobre as mulheres e sobre as crianças e não havia em seus olhos nem piedade nem arrependimento. Em todos os lugares se ouviam gemidos, prantos, gritos e canções nefandas.

O grande incêndio se havia apagado; e na praça, foi acesa outra fogueira em torno da qual as turbas se gabavam entre blasfémias e gritos obscenos. Junto aos muros de uma catedral, outra multidão, perversa e licenciosa, gritava canções ímpias, enquanto mentirosos e charlatães falavam ao som de copos de cristais. O mal triunfava.  

Sem embargo, o destino se realizava...

Alguns ouviam seu coração bater ocultamente, oprimidos por um vago pressentimento: as almas sentiam a aproximação de um mistério, e muitas, em meio a aquela alegria, estavam tristes. Só aqueles que eram puros e justos aos olhos de Deus não tinham angustia, aliás, estavam cheios de gozo. De repente ouvi uma voz: a voz de meu companheiro, que mais uma vez me apareceu não sei como!

Porque estás tão triste? Eu tenho estado no céu durante todo este tempo. Ali acima, tudo está disposto para o instante supremo, quando Jesus dirá a Sua Suprema vontade. Agora tu verás realizar-se um grande mistério. Mas não temas: aqui não se deve temer. Não será mais que uma visão e logo a manhã radiante haverá de suceder a obscura noite.

Ao redor, entretanto, entre as pessoas continuavam as orgias, entre impudicas canções, entre gritaria e ruídos de toda classe. Aqui e ali, com os instrumentos roubados, se formavam improvisadas orquestras, convidando a dança. Por todas as partes, discussões, blasfémias e risos. Ninguém pensava que esta devia ser a sua última hora. Neste momento apareceu no Céu um mensageiro, ao lado do Altíssimo, e ressoou uma voz, através da ressoante trombeta Angélica:

Saí, ó justos e gozai! É chegado para vós o prémio! Porém, vos outros, ó pecadores que haveis desperdiçado a vida, sabei: é chegada a hora do juízo!

Um estremecimento agudo apertou os corações que se arrependeram – porém demasiado tarde para sua pouca fé! Todos, como fascinados, olhavam para o alto: terrível e majestoso era o anjo anunciador, áspero e sonoro era o som da trombeta, tanto que calaram como por encanto todos os ruídos. E desapareceu o Arcanjo ameaçador. O céu quedou suspenso, silencioso e obscuro, sobre a terra!

Foi então que um segundo Arcanjo passou voando baixo, com o Evangelho na mão anunciando: Tudo se cumpriu! E atrás veio um terceiro anjo, enquanto em meio aos dois apareceu um cálice anunciador da luminosa Aurora.

E assim se desvelou em todas as mentes o eterno mistério, e todas as dúvidas caíram, vendo o alto poder da Providência. No cálice transparente, como chama, ardia o Sangue vermelho, o Sagrado Sangue que foi o resgate dos pecadores.

III – A Ressurreição dos mortos

Do cálice resplandecente desceram três raios limpidíssimos que se separaram em três direcções, distintas como caminhos, e não se sabia a que eram destinados. Então apareceu o terceiro Arcanjo e se deteve ao lado dos outros, junto ao Sagrado Cálice. Um deles tinha o Evangelho, outro a trombeta, e o terceiro, imóvel junto deles, estava com as asas abertas.

Neste instante ressoaram pelos ares imóveis, suavíssimos acordes de invisíveis instrumentos e uma doce música invadiu os corações. Pressagiando a próxima vinda de Cristo, todos os homens se puseram de pé esperando. Entre as nuvens apareceram rostos radiantes de bondade: eram os santos, com vestes resplandecentes, que pareciam como nadar no puríssimo Céu. Ao redor deles, ressoavam cantos de adoração ao Senhor. Ante um canto tão soberanamente doce e harmonioso, os homens se quedavam quietos. Só com os corações elevavam louvores ao Altíssimo.

Então no alto Céu apareceu o Santo símbolo da Cruz, prenda da salvação para os justos, e eterno castigo para os rebeldes. E a Cruz, para alguns dava alegria e para os outros debilitou as forças para sempre.

Nenhum sopro de vento: não tremia nem uma folha das árvores. Só se ouviam prantos e suspiros, enquanto os mais animados aguardavam o Supremo Juízo, com a cabeça baixa e em silêncio. O coro angélico continuava o canto puro que da oração, igual somente sabem elevar as falanges angélicas. Então apareceram suas luminosas coroas, rodeadas de luz, como grinaldas, enquanto seu canto se elevava subtilíssimo pela abóbada celeste. Que belo era seu aspecto! E aos milhares, com bater de asas, desciam da ampla abóbada celeste, formando uma cortina alvíssima.

Ao inesperado som das trombetas bateram fortemente os corações, em cada peito, e todos os homens quedaram paralisados pelo terror, enquanto os querubins entoaram mais forte o canto de Glória ao Senhor Deus de todos os povos. O celeste coro reluzia inteiro, com viva luz, fazendo parecer pálidas – ao compara-las – com as luzes das estrelas. Assim o mundo imortal descia entre os homens para despertar a fé: e pouco a pouco de todos os corações se desvanecia a dor, e com ela cessavam os suspiros.

De súbito, calou também o som celestial e calou o temor das almas. O ar parecia dormir: os últimos acordes cessaram, rompendo-se bruscamente, e de novo a todos voltou o medo. Era terrível o silêncio: não se ouvia ao redor nenhum suspiro! Em meio a aquele silêncio, Ele descia do Céu! Ele quem? Era Jesus Cristo, nossa Glória, Dele é que está cheio todo o Universo. Oh! Com que alegria se acenderam todas as almas! Subiram aos céus invocações em várias línguas, porém um único era o pensamento de todas as mentes, e este pensamento era como um hino que se desprendia de todos os lábios.

Cristo resplandecia igual a um sol radiante e no alto do Céu para Ele subia um hino, que se perdia depois, alegre e vitorioso no infinito. E se elevavam até Ele, alvoroçados, aqueles que eram dignos.(* Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com Ele. (I Tes 4, 17))  Cristo foi rodeado de uma coroa de glória universal, e com ternura miravam os povos o Seu rosto, e comparavam com Ele, as imagens terrenas Dele, para vivifica-las na própria fonte do Amor. Era, Seu rosto, de uma beleza inefável, e Sua auréola dourada resplandecia em raios infinitos. Dele emanava bondade e todo o Céu se embelezava com a Sua presença.

As almas dos mortos vieram dos lugares donde um dia foram sepultados seus corpos, e aqueles que não tinham túmulo assumiram o aspecto que tinham no momento da morte (* O mar restituiu os mortos que nele estavam. Do mesmo modo a morte e a morada subterrânea. Cada um foi julgado segundo as suas obras. (Ap 20,13)) Cristo lhes deu de novo a vida, como uma primavera, com as carícias do sol dá vida aos campos e aos jardins. Que solene! Que esplêndido é o Salvador, estendendo seus braços sobre o mundo!

Por vontade de Deus todos os mortos ressuscitaram, como despertados de um longo sono, recebendo de novo a chama da vida. Apareceram refeitos em rostos novos, despertados depois de um longo correr dos séculos. E ao voltar a olhar para Cristo, as almas da multidão, estavam cheias de alegria no espírito e copioso e doce pranto descia de suas faces. Montes, colinas e planícies, tudo estava coberto de gente, e tão grande era a multidão, que não se podiam mover nem dar um passo. E ante tão grande visão, os lábios calados se abriram e os povos cantaram louvores ao Único, Supremo Deus: Graças ao Salvador, pela salvação dos homens! Graças a Ele, o Excelso!

Assim, o coro terrestre se unia em um canto único de louvor ao coro celeste. Então se calou o coro, a estas palavras: Hoje, o próprio Cristo está connosco! De novo caiu o silêncio, porém, em cada um, em espera, batia febril e inquieto o coração! Então Jesus rompeu o silêncio e voltou a chamar a todos com o som de sua voz: Cheguei para vós como havia prometido, a todos os que me esperastes!

Com doce aspecto, olhava a multidão com seus maravilhosos olhos, e quando abriu os braços apareceram em suas mãos as cicatrizes da Cruz. E sua voz, que penetrava até nas almas, disse: Vos conduzo, filhos meus, em nome do Puríssimo Amor, ao Reino Imortal. E se separaram os justos da terra e subiram – imensa falange – cada um para seu próprio posto.

Afogados em denso pranto quedaram os pecadores! Calaram os impudicos lábios dos ímpios e blasfemos todos, e com a cabeça baixa, dobraram os joelhos diante de Cristo. Eram muitos, imensa multidão, e todos se inclinaram resignados, tendo as cabeças baixas ante a Sabedoria da vontade divina.  Dos rostos dos malvados caíram as máscaras pondo a nu as suas almas, e revelando a sua angustia.

Olhei em volta: Ó que grandioso espectáculo! Eu vi, uns junto dos outros, os mortos e os vivos, imensa multidão que parecia encher o universo. Ali havia gente de todas as nações, de todas as eras e de todas as idades. Faltavam apenas as crianças que, depois de mortos, são acolhidos em lugares especiais destinados a eles.

Na terra havia uma multidão de pessoas, depois outros mais acima, escalonadamente, de modo que parecia que os últimos se confundissem com o Céu azul. Todos juntos formavam um enorme círculo regular e em meio deles estava Jesus, em um grande espaço, totalmente iluminado, inundado de Sua própria luz, de modo que frente a Ele, empalidecia o brilhante Cálice com os três raios que partiam por três caminhos que se alargavam, apenas visíveis, até o extremo horizonte. Então observei que quanto mais perto de Cristo estavam as almas, mais luminosos eram seus rostos e mais alegres elas mesmas. E apressou-se a me explicar, meu companheiro!

Olha estes recolhidos que formam círculos regulares: eles estão dispostos segundo seus méritos e suas virtudes. Aqui não se pede a ninguém a confissão das culpas passadas, nem dos vícios e pecados. O Omnipotente e Omnisapiente  Espírito Santo tem assinalado já o lugar de cada um. Por conseguinte, cada um tem o lugar que mereceu em vida. Quanto mais puro e íntegro, alguém foi em vida, mais perto de Cristo se sentará.

Saiba também que aqueles que ressuscitaram para o Juízo Supremo esqueceram tudo o que aconteceu depois da morte e tem conservado apenas a recordação da vida eterna. Eles estão aqui, serenos, cheios de inquebrantável fé na Justiça do Criador, a espera de serem julgados. Aqui, abaixo, estão os pecadores, aos que não se concede sair do solo, aqueles que olham com surdo sentimento de inveja a felicidade que se manifesta nos doces rostos daqueles que estão próximos do Senhor.

Olhei então para eles, e vi como choravam impotentes. Mas era em vão aquele pranto. Os infelizes, impressionados pela augusta majestade de Cristo Deus, corriam para lá e para cá buscando descanso, cheios de angustia, sem atrever-se a olhar nos olhos de Cristo, ao qual não quiseram reconhecer em vida.

E naquele instante se ouviu a voz do Salvador penetrar em todos os corações: Abri os olhos, cegos, e recebi toda a visão celeste. Voltai a olhar pela última vez vosso aspecto terreno e recordai o que haveis visto e o que haveis vivido: tudo se gravará eternamente em vossa memória. Entretanto, vosso corpo caduco assumirá formas mais imperfeitas, sem mudar vossos olhos, vozes e cabelos(?). Uma nuvem ligeira ocultou o Senhor dos olhos de seu povo e não mais foi visto.

Eu perguntei ao meu companheiro como era possível que todos estes povos tão diversos, houvessem compreendido as palavras de Jesus. E meu companheiro me respondeu que o que disse o Senhor ficou claro para todos, independente da nacionalidade, porque sua Palavra cada um a ouve em sua língua materna. E me disse também: Dentro do Reino celeste, todos esquecerão as línguas faladas na terra e se comunicarão com uma linguagem comum a todos.

IV – Cristo anuncia o Julgamento

Quando Jesus deixou de ser visível á multidão, cada um, olhando para si mesmo, passou a reconhecer em seguida a todos os que conheceu em sua vida. E um maravilhoso e multicolorido quadro me oferecia aquela multidão, composta de diversos povos, procedentes de distintas regiões e que vestiam, todavia, as roupas que usavam em vida.

Havia velhos e jovens na flor dos anos, homens ricos com roupas sumptuosas e mendigos. Os reis, os imperadores e dirigentes, estavam junto com os simples soldados e os cortesãos soberbos junto com os camponeses; as damas de alta linhagem junto das simples e paupérrimas. Ali estavam monges e frades, e depois, em quantidade, comerciantes, ? ministros, servidores e sacerdotes, os sãos e os enfermos, os cobertos de chagas e os fortes e sadios, todos estavam ali. Porém um não se distinguia do outro pelo que tinha sido na terra e sim pelas suas virtudes. Por vontade divina, todos haviam recuperado o aspecto que tinham no momento da morte.

Aqui se dissipou a branca nuvem e em lugar das turbas apareceram majestosos apóstolos e profetas de cãs veneráveis. E junto desciam do alto Céu os santos, com as roupas que tinham na hora de sua morte. Um deles era alto e magro, com o peito desnudo e coberto de pêlos; lhe caíam dos ombros cabelos negros, apenas prateados. Fulgurante brilhava a imagem do Grande Profeta, e todo o seu aspecto, majestoso e viril impressionava. Levava em sua mão um grande bastão, que terminava em forma de Cruz, e seu corpo estava rodeado de peles de animais. O outro, em seguida, era um santo, em todo o mundo conhecido e venerado por seus milagres. Trajava a vestimenta arcebispal de festa e na cabeça reluzia uma mitra incrustada de pedras preciosas; em seu peito uma Cruz de ouro e diamantes. 

Por detrás deles, de novo, em um mar de luz apareceu o Rei dos Reis, acolhido com cantos de vitória e foi colocar-se entre os santos. E o Salvador, voltando-se para Sua gente, levantou suas mãos luminosas para o alto em acção de abençoar e disse: Lançai fora de vós tudo o que tivestes na terra, que não é outra coisa que pó, e que já para nada serve. Vesti de agora em diante somente a veste que vos deu a mãe natureza. Voltai com alegria para uma vida nova e termine para sempre entre vós, as discórdias e as guerras, e sejam todos os povos como irmãos.

Desde agora, acabe entre vós o mal e as baixezas, e nunca nasça mais um só pecado. De agora em diante sereis felizes, serenos e doces, como os anjos. Já não serão atacados pela morte, nem pelas enfermidades, nem haverá mais separações entre vós, seres amados. E estareis sempre com os vossos entes queridos, enquanto que os que estão acima no caminho da perfeição, os vereis somente nos dias de festa. Desde agora em diante não haverá mais disformes nem enfermos, nem o velho se distinguirá do jovem, porque tereis todos a idade que eu tinha quando venci a morte: trinta e três anos! E vossos corpos se conservarão sempre imutáveis, porque vós sois para Mim herdeiros do Universo, desde o momento em que Me amastes a Mim, como eu vos amei.

O Redentor levantou para o alto os Seus braços e uma nuvem densa envolveu todas as coisas. E quando se dissolveu, a terra apresentava um aspecto diferente. Ainda que nada tivesse mudado de lugar, sem esforço, os rostos e os corpos se haviam renovado completamente. Os novos rostos estavam cheios de vida e neles afloravam sorrisos de felicidade. Só a muito custo conseguiam reconhecer-se a si mesmos os velhos e os enfermos. E junto deles havia um incalculável número de santos, com o corpo rodeado de auréolas luminosas de muitas cores. Todos tinham vestidos de várias cores, leves e amplos, bem distintos dos terrestres e tecidos de uma substância macia e perfumada, igual aquela com que estão impregnadas as pétalas das rosas. Todos resplandeciam com uma viva luz e pareciam figuras diáfanas. E todos tinham os olhos fixos no Salvador.

Entrementes o Senhor reuniu os anjos e lhes ordenou acompanhar os santos ao céu, precedendo-lhes no voo. E os anjos subiram voando, seguidos daquelas santas almas, aquelas que o ar sustentava sem que tivessem asas. A assim ascendiam em amplos círculos. Os pecadores, no entanto, quedados abaixo, na terra, seguiam com olhos ávidos o sublime voo que eles invejavam.

V – Intercessão da Virgem e dos santos

De pronto ressoou pelos ares um terrível trovão e se entreviu a presença das falanges e das forças infernais que se metiam entre as nuvens de neblina, sinistramente iluminadas por raios. E ao ver a roxa nuvem que se acercava, os pecadores, começaram a correr sem saber para onde, invocando salvação e tropeçando uns nos outros. Porém, na parte oposta, se acercava uma enorme serpente, silvando e mostrando o dorso coberto de luzentes escamas, levantando suas mil cabeças espantosas.

Aquele monstro representava a força das trevas em quem acreditaram os pecadores que encontram asilo no tétrico inferno. Gritando e malvadamente contentes, os espíritos malignos empurravam os pecadores contra a serpente e esta se acercava deles levantando as mil cabeças e trespassando os míseros com mil faíscas de seus olhos malignos. De suas faces ele expelia fogo e fumo e esparzia em torno um terrível odor: assim se iniciava o tormento eterno para aqueles que pecaram na terra.

 Mas eis que naquele instante descia do alto uma inesperada salvação: Maria! Entre virgens formosas e brancas que a rodeavam cantando harmoniosamente. Entre nós Virgem amada, de grande espiritual beleza ó beata, teu amor nos tem reunido, glória para ti, pra sempre amada. Que tão bela e luminosa apareces, protectora piedosa, e sempre estás pronta a acolher as súplicas, quando uma alma contrita te implora.

Seu rosto estava adornado de uma beleza espiritual indescritível, coisa que eu nunca havia visto antes, entretanto me pareceu conhecê-la há muito tempo. Um outro coro continuava o doce canto: Tu deste a materna carícia a teu doce menino Jesus, e choraste com tanta tristeza na cruz de Cristo.

Sua aparição reanimou os pecadores que foram presos de secreto pressentimento e alegria, quando ela chegou-se a Jesus e levantando os olhos para Ele, cheia de esperança, falou com suavíssima voz: diz-me, ó Senhor, onde estão aqueles para quem te pedi perdão?

Estão aqui, respondeu Jesus! Os anjos pronunciaram seus nomes e os pecadores abriram seus lábios até então mudos e invocaram o nome dela, estendendo para o alto seus trémulos braços, e o Senhor disse: Vós que elevastes com fé a oração para Minha Mãe, e com amor vos dirigistes a ela pedindo a graça da remissão dos pecados, Eu vos perdoo. Apenas havia pronunciado estas palavras, e já os absolvidos ascenderam aos céus. Em sua maioria eram mulheres e estas fizeram uma coroa ao redor da Eleita que, ardente de gozo em seu rosto, dobrou os joelhos diante de seu bom Filho. Depois, ascendeu de novo ao alto, ao Empíreo, seguida do voo dos perdoados.

Então surgiu o Grande Profeta da Cristandade que, inclinando a cabeça ante o Redentor rezou assim: Ó Senhor! Tu sabes que durante toda a vida eu tenho condenado inexoravelmente o vício e o pecado. Mas quando terminei minha vida terrestre, vim para junto de Ti, escutei com atenção e benevolência as súplicas daqueles que, mesmo pecando, honraram na terra o meu nome, e se dirigiram a mim pedindo clemência, já que não se atreviam apresentar-se a Ti, temendo Tua grande Justiça! E agora, no dia do Juízo Final, ó meu Senhor, te rogo perdão, por Tua imensa misericórdia, aos homens que te ofenderam com seus pecados. Este pedido ardente do profeta chegou a Jesus e Ele disse: Por tua súplica, sejam perdoados os pecadores que, embora se tenham desviado de Meus mandamentos, sem medo, conscientes de seus pecados, se dirigiram a ti, arrependidos, para pedir a salvação.

De novo se ouviram gritos exultantes e também pequenas levas de pecadores subirem aos céus. Então, o grande Santo se achegou a Cristo e de joelhos pediu perdão por aqueles que, sem conhece-lo, viveram justamente, amando o bem e detestando o mal, ao que disse Jesus: Sim, será como tu pedes! A aqueles que odeiam o mal e fazem o bem, eu não os culpo. Eles não conhecem a pia baptismal, porém estarão comigo, embora separados dos cristãos. A todos aqueles para os quais tu tens me pedido a graça, Eu concedo o perdão. Depois destas palavras, se levantaram do solo todos aqueles que, não sendo cristãos, amaram o bem e honraram a verdade, e junto com muitos foram admitidos no Céu por intercessão do Grande Santo.

E de novo a abóbada celeste se iluminou com a imagem da Virgem Maria que, ricamente vestida, vinha pelo ar, triste e silenciosa.

Por quem vens agora suplicar? lhe perguntou seu Filho, Deus! Ao que ela respondeu: Venho outra vez outra vez pedir por aqueles que tem rezado, pelas mães que verteram rios de dolorosas e sinceras lágrimas; perdoa-as em nome do amor materno, a aquelas por quem rezou este amor! E uma vez mais, como uma onda sonora, aos gritos alegres dos pecadores perdoados, deixou a terra uma multidão de gente, mudando a expressão de seu rosto, de dor em alegria e subiram ao céu.

Então, em torno de Jesus surgiram, em luminoso tropel, Santos e Santas, como flores de suave e delicada beleza. E eles, um depois do outro, intercederam pelos pecadores que na terra, rezando, haviam recomendado a eles suas almas. Cada súplica foi atendida e uma nova e maior multidão, ascendeu em debandada jubilosa ao Céu, ao Reino da Luz e da Paz Eterna.

Então, os primeiros seguidores de Cristo, os Apóstolos, elevaram a Jesus preces para os pecadores que em vida foram seus devotos. E Cristo disse: Não posso negar esta graça a vocês, meus discípulos dilectos, vós que fostes os primeiros a acreditar em Mim. E voltando-se para os pecadores que, com a respiração suspensa seguiam as preces de seus intercessores e falou: Perdoo aos que rogaram pelos meus apóstolos, que ensinaram na terra a verdadeira religião. A estas palavras, os pecadores absolvidos, com gritos de alegria ascenderam em levas, para junto de seus Santos protectores, subindo até a ilimitada altura celeste.

Sozinho, contra o fundo do azul celeste, Jesus estava radiante de uma luz infinita, e de novo se acercou Dele a sua Santa Mãe, e vendo a imensidade de pecadores que ainda estavam na terra, estava calada e lacrimosa, oprimida pela visão dos pecadores que fixavam nela seus olhos suplicantes e pediam graças a ela, com seus braços estendidos. E escutando o comovedor gemido deles, disse entre prantos: Tu que és o Omnipotente, perdoa a todos! Eles sabem que tua condena é justa, mas o dia do Juízo Universal será mais belo se, se igualar em alegria ao dia em que ressurgistes dos mortos e que o perdão chegou até o mais profundo dos infernos. E foi se postar na frente do Salvador, em humilde súplica.

Eu digo-te, ó Puríssima: Tu julgas assim, com tua alma de fé e de bem. Entretanto, podem estes eternos rebeldes estar junto aos justos que tenho premiado?

Calou-se a Virgem, e tristemente disse: Obrigada! E ela quedou-se triste e calada suplicando a Cristo. Então o Salvador, cedendo a sua venerável Mãe, perdoou os melhores de cada povo, e depois ascendeu ao Céu, levando junto de Sai Sua Santa Genitora.

E subiam, como espirais de incenso sobem levemente desde do altar, espargindo ao redor um suavíssimo perfume, enquanto atrás deles, sobre o fundo azul da imensidade, se irradiava a Luz Eterna, esta luz que somente podem espargir, Jesus Cristo e sua Divina Mãe.


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l TERCEIRA PARTE   è

ENTRE AS ESTRELAS

Versão Espanhola

Después de terminar el Juicio Universal, Cuando Cristo subió al cielo y Ias almas de los pecadores fueron levadas allí donde viven el mal eterno y las oscuras fuerzas infernales, la tierra era tremenda y en ella reinaba una inmensa devastación.

Empezamos a visitarla - la abandonada por Dios - en un tiempo tan hermosa, tan variada y rica por Ia naturaleza. Pero después dei Juicio se había vuelto muerta, triste y horrenda. Fábricas, barcos, tre­nes y aviones, todo el movimiento había cesado de golpe. En ningún lugar se vela una criatura viva y no se oía ni el canto de un ruiseñor, ni el zumbido de un insecto, ni el silbido de una locomotora, todo estaba muerto.

Entramos en un castillo, que en tiempos fue espléndido, ahora medio derruido; todo estaba hecho pedazos y en el suelo yacían pre­ciosas estatuas y columnas. Mi compañero me llevó a un arca intacta todavía, llena de espléndidas joyas y de monedas, e indicando con la mano el Cielo, me dijo: «Allá arriba, esto no sirve. Allí para la salva­ción basta la belleza del Alma».

Después, vi millones de cadáveres de hombres, de animales y de pájaros amontonados unos sobre los otros ya en descomposición. Ellos apestaban de tal modo el aire que ya no se podía estar en la tie­rra.

Entonces empezamos a elevarnos... y en aquel momento me desperté. Delante de mis ojos tenía todavía las magníficas visiones del sueño que hacía poco había tenido; junto a mí, tranquilo y dulce como siempre, estaba mi compañero:

¿Recuerdas bien lo que te ha sido revelado en el santo sueño que acabas de tener?»

- Sí - le respondía llena de una íntima y misteriosa emoción.

- Entonces - continuó mi compañero - te mostraré la maravillo­sa vida de ultratumba.

Era un día, brillante, lleno de sol. Subíamos lentos hasta que la tierra desapareció a lo lejos como una mancha oscura...

De pronto, una desconocida fuerza nos arrastró adelante a una velocidad tal que yo sentí girar todo en torno a mí y confundirse todo. Me invadió un estremecimiento, pero no pasó sino un tiempo inestimablemente, breve y nos encontramos en el círculo de las estre­llas.

« Oh, Señor - murmuré -, qué vuelo tan veloz!» Y mi compa­ñero respondió: «Será siempre así, de vez en Guando volaremos de un planeta a otro».

Se había apagado ya la luz del sol y alrededor de nosotros había una extraña luminosidad que nos permitía distinguir las cosas.

Y he aquí que vi todas las estrellas, pero no las observé con ojos humanos; se me aparecieron como suelen aparecer a la vista espiritual. Observé que la mayor parte de Ias estrellas, en vez de estar desordenadamente esparcidas por la bóveda celeste, estaban, en cambio, reunidas en grupos; y vi también masas de vapores informes que parecían de fuego y emanaban un calor fortísimo. Y algunas, de las estrellas tenían un movimiento bien definido y otras, en cambio, estaban inmóviles, reluciendo con una luz vivísima. Y mientras estábamos entre estos grandiosos y esplendidísimos mundos, mi compañero observó: «He aquí, ante nuestros ojos, pasa todo el universo sin la omnipotente mano de Dios no puede existir el universo, ni nosotros lo podríamos imaginar. Y los hombres, después de su vida mortal, si han sido justos, subidos al cielo, en los días de gozo festivo, serán admitidos a visitar todos los otros planetas».

Y he aquí que ante nosotros, en la lejanía, apareció un globo blanquecino, plateado, pero cuanto más nos acercábamos a él, más frío se volvía el aire de todo alrededor. Triste y desierta era su superficie y allí no crecían ni árboles ni hierba. Todo parecía muerto desde inmemorable tiempo: mares, ríos - todas las extensiones acuosas, en suma -, estaban encadenadas, cubiertas por una capa de hielo denso y reluciente; los montes estaban cubiertos de nieves eternas y los más altos no eran ya más que pirámides de hielo.

Nos posamos sobre la cima más alta y yo pregunté: «Se disuelven nunca la nieve y el hielo?» «Nunca, que esta es la voluntad de Dios - respondió mi compañero -. Todo aquí permanece eternamente helado».

Alrededor reinaba Ia desolación y de los espacios sin vida donde brillaba el hielo transparente y centelleante en si cándido esplendor, deslumbrándonos los ojos con sus reflejos diamantinos, venia a nosotros la silente tristeza de una tragedia sin nombre…

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l QUARTA PARTE   è

O INFERNO

Advertências da autora

Há homens que dizem: se Deus é verdadeiramente misericordioso, não pode martirizar as almas humanas no inferno, quanto mais eternamente. Talvez, querido leitor, você mesmo terá pronunciado estas amargas palavras muitas vezes, ou bem teve tal pensamento, sem pensar que Deus havia descido do Céu à terra precisamente para redimir os homens do inferno. Ele havia descido para aliviar-nos o caminho até o luminoso reino dos Céus e armar-nos do sinal da Cruz contra Satanás.

Mas a isto se pode contrapor: “– Porém, por quê, então, o Senhor permite a existência de Satanás e por que Ele o criou?” Deve se lembrar que Satanás tinha sido criado como anjo puro e que só mais tarde se afastou de Deus com todos os seus sequazes.Sendo um espírito incorpóreo, ele, por isto só é imortal, consequentemente eterno.

Assim é o homem. Nasce um menino puro, sem pecados (Sim com o pecado original), porém mais tarde se afasta tantas vezes de Deus, não reconhece Sua Vontade, rebela-se contra Ele e actua mal. Tal homem, depois de sua morte inevitável, certamente vai ao inferno, como havia dito Nosso Senhor: “Ao fogo eterno, preparado para o diabo e para seus anjos” (São Mateus 25, 41). Entretanto, não obstante estas santas palavras, há homens que decididamente refutam a doutrina do inferno, contrariamente aos ensinamentos de Jesus Cristo, o qual prevenia os homens para que não fossem parar neste lugar de martírio.

Segundo alguns sábios, este martírio não seria eterno; entretanto, deve-se advertir que na Epístola aos Hebreus (1, 8) diz-se: “Pelos séculos dos séculos, o ceptro de seu reino é um ceptro de rectidão”. As mesmas palavras estão no Apocalipse (20, 10), onde se diz claramente: “e serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos”.

O inferno é terrível! É terrível porque já significa a separação eterna de Deus e esta separação não é a simples inconsciência, muito mais é o sofrimento físico neste lugar: “... onde seu verme não morre e o fogo não se apaga.” (São Marcos 9, 48) No Evangelho de São Mateus (8, 12), diz-se: “ali haverá pranto e ranger de dentes.” Também o Santo Evangelho ensina: E além de tudo isto, entre nós e vocês há um grande abismo, de maneira que aqueles que queiram passar daqui para vocês não podem nem daí passar para nós” (São Lucas 16, 26).

Serve de exemplo para todos os pecadores a sorte de um rico que ouvia tudo e, encontrando-se no inferno, ouvia chegar desde o paraíso as palavras de Abraão: “estava em plena consciência, mas atormentado terrivelmente” (São Lucas 16, 19-23). Não há escrito sagrado no qual se mencione qualquer transformação no inferno depois da ressurreição de Cristo.

I

Desta vez fomos separados do planeta rígido e gélido, de novo voamos para cima. Dirigimo-nos para um novo planeta, todo reluzente, e à medida que nos aproximávamos, encontrávamos uma atmosfera cada vez mais incandescente. Evidentemente, uma força desconhecida, que emanava do próprio planeta, produzia este fenómeno.

Não sei porque, mas eu sentia uma estranha turvação na alma, à medida que diminuía a distancia que nos separava dele; a vivíssima luz que dele emanava me cegava os olhos e todo o corpo sentia um calor insuportável. Finalmente, chegamos ao alto de uma montanha que se erguia sobre todo o planeta. Desde este topo, podia-se alcançar um amplo horizonte. À direita e à esquerda, entre cadeias de montes, via-se vulcões activos, que lançavam fogo em grande quantidade. Nuvens de  fumaça negra e torrentes de fogo saíam de suas crateras, como de gigantescas bocas abertas e envolviam tudo com uma neblina espessa, com pedras candentes e a lava que saíam das entranhas da terra. Canais sinuosos de metal fundido desciam lentamente, com uma cintilação estranha, desde os cumes dos vulcões até os vales.

Tudo ao redor estava imerso na escuridão. Por algumas horas apareceu o disco de um astro, semelhante ao nosso sol, mas que aparecia coberto por um denso véu, emanava uma luz fraca, crepuscular; passado este breve período, caía de novo a longa e triste noite, durante a qual se viam saltar aqui e ali as pequenas luzes errantes de chama maléfica, as quais apareciam com intermitência extraordinária, sempre crescente e depois desapareciam completamente.

Cada vez eu me sentia mais angustiada e triste. Não consegui descobrir nenhuma vegetação, excepto alguns arbustos sem folhas de uma cor cinzenta e de uma forma estranha trepando aqui e ali pelas planícies e os vales. Virando-me para trás pude descobrir algum rio. Suas águas lodosas seguiam lentamente, como apáticas. Por toda parte reinava a desolação e a escuridão. E tudo me parecia deserto, mas meu companheiro, de repente estendeu-me o braço, indicando-me um dos profundos precipícios e disse: “– Olha!”

Fixando a vista naquela direcção, vi algumas figuras que se moviam rapidamente em meio a luzes imperceptíveis. Desde a altura onde eu observava tudo, pareciam-me pequenas como formigas. Começamos a descer, sempre nos aproximando àquele precipício, e quando estávamos próximos paramos diante de uma rocha escarpada.

“– Todos estes são pecadores”, disse meu companheiro. “– Agora você ficará só entre eles, sem mim, mas se acontecer qualquer coisa a você, mesmo que você se assuste, não deve rezar, porque aqui é severamente castigado quem dirige uma oração a Deus. Eu não estou certo disso, mas creio que lhe acontecerá algo também se você rezasse. Não esqueça que este é o reino dos espíritos do mal. Não deve rezar nunca, porque a oração deste reino não chega a Deus.”

“– Por quê? Por que nunca?” Eu não consigo compreender como é possível que a oração possa ter obstáculos.” E o companheiro me respondeu: “– O obstáculo consiste na graça de Deus que não chega até as almas dos pecadores. Assim como os homens não podem falar à distância sem o rádio, assim também a oração sem a graça do Espírito Santo não pode chegar a Deus.” E desapareceu. Então, ainda mais de perto, eu vi como os pecadores dançavam loucamente uma dança selvagem; dançavam desesperadamente e parecia que sua dança não devesse nunca ter fim. Os demónios arrastavam homens, mulheres e idosos aos lugares mais abertos para atormentá-los ali e quando estes, esgotados, caíam ao chão proferindo horríveis imprecações eram agarrados pelos pés e atirados a um turbilhão.

Deixei aquele desfiladeiro e comecei a descer até a planície. Mas aqui vi um tórrido e vastíssimo deserto e aqui também a terrível dança dos miseráveis pecadores, que não parava um instante enquanto eles derramavam lágrimas dilacerantes. Observando-os mais atentamente, vi que junto a eles dançavam também espíritos malignos rindo selvagemmente sem nunca se cansar. Eles obrigavam as infelizes almas a girar cada vez mais velozmente, gritando sem interrupção: “– Alegres, todos alegres!” Alguns, dando saltos, se elevavam sobre a multidão dos pecadores e gozavam com a visão da gente nua e martirizada, com os cabelos revoltos, sem lavar nem pentear há séculos, nos quais havia cravados espinhos.

Que terríveis e poderosos eram aqueles espíritos malignos! Faziam os pecadores se desesperar. Atando-os com ramos espinhosos e fazendo-os dar voltas assim sobre as areias ardentes, cuspindo-lhes nos olhos, agarrando-os pelos cabelos, abrindo-lhes a boca à força até rasgá-la, golpeando-lhes violentamente com pedras, cegando-lhes e fazendo-lhes caminhar, depois destas e outras torturas inauditas, com aquele sofrimento, por precipícios cujo fundo estava cheio de pedras afiadas como navalhas. E enquanto eles caminhavam, os demónios montavam ao pescoço de cada pecador, pegando-os pelos cabelos e guiando-os assim pelo doloroso caminho. Se alguém conseguia soltar-se do espírito maligno, imediatamente lhe pegava outro e os sofrimentos recomeçavam, ainda mais penosos e intoleráveis.

Alguma vez também, aqueles demónios horríveis mostravam ao pecador os rostos de seus parentes e de outras pessoas queridas que se encontrava sofrendo junto a ele no inferno, ou começavam a analisar o passado terrestre de suas vítimas, mas limitadamente aos pecadores e às más acções. Faziam o pecador ter as visões de todos os seus pecados terrestres pelos quais haviam sido condenados, de modo que a estância infernal se tornava ainda mais intolerável.

Eu prosseguia meu caminho, deixando atrás o horrível, tórrido infinito deserto e os pecadores dançantes ao som das risadas sarcásticas dos demónios. E cheguei logo a um vale cheio de pedras onde, de vez em quando, passava um formidável furacão que levantava nuvens de poeira e lançava ao ar as próprias pedras. Os espíritos infernais perseguiam aqui a uma multidão de seres cujos semblantes conservavam já bem pouco da natureza humana: estavam extremamente magros e seus braços pendiam inertes; todo seu aspecto denotava sofrimentos inimagináveis. Torturados pela sede, arrastavam-se com dificuldade, em silêncio, com a boca cheia de poeira. Ao redor reinava um cheiro horrível e nuvens de fumaça negra envolviam tudo. Entre estes pecadores, alguns lutavam violentamente a pesar de saberem dos terríveis castigos que os esperavam; porém eram já indiferentes a tudo porque estavam habituados a ser atormentados continuamente e porque haviam compreendido que, ali no inferno, já não podiam ter esperança alguma, assim já não reclamavam mais.

Não podendo suportar mais aquele terrível furacão de poeira, segui adiante, caminhei longo tempo e, finalmente, deparei-me à beira de um charco lodoso. E pareceu-me que nele chafurdavam seres de aspecto repugnante. Vi depois como os pecadores, torturados pela sede, corriam até aquele tanque pestilento e bebiam daquela água fétida. Dava-me horror olhar aqueles pecadores tão continuamente torturados e sempre rodeados dos demónios, furiosos, perversos e trapaceiros. Com grande medo e quase parando a cada passo, avancei até as rochas que se perfilavam à distância e decidi esperar sobre elas o retorno do meu companheiro. Ali escolhi um lugar, o mais tranquilo, e cansada das impressões sofridas, sentei-me sobre as pedras.

De repente, um misterioso alvoroço sobressaltou-me. Vinha de um lugar pouco distante. Aguçando o ouvido, percebi suspiros profundos e penosos. Voltei-me e olhei: a poucos passos, aos pés de uma enorme rocha cinza, jaziam pecadores esgotados, tristemente com o olhar fixo na noite impenetrável. “– Sempre a noite, somente a noite, e nunca a luz! É possível que não chegue nunca o amanhecer?”, perguntou um deles, lembrando do sol e da primavera... e, ante sua mente, passaram as visões da vida vivida; também os outros começaram a lembrar o tempo passado na terra enquanto viviam, sentiam e amavam e cada um deles tentava aliviar, ainda que fosse um só minuto, com as lembranças da vida passada, sua alma sofredora. De suas conversas se deduzia que o passado estava sempre vivo neles, mas que os espíritos do mal não lhes permitiam sonhar nem esquecer os sofrimentos.

Rapidamente, de trás das rochas altas e escuras, apareceu um fogo vermelho e queimou terrivelmente as almas, chegadas aqui para descansar. No Inferno, não pode haver paz. E eu, estava desejosa de silêncio e queria fugir de todos aqueles horrores, decidi transportar-me a outro lugar.

Diante de mim se estendia uma planície. Encaminhei-me por ela, passando as trevas que por todos os lados me rodeavam. Os espíritos malignos observavam àqueles que passavam diante deles e perseguia-lhes selvagemmente com açoites que levavam nas mãos. De vez em quando, da terra saíam línguas de fogo de todas as cores, que por um instante iluminavam sinistramente as silhuetas. E ouvi um canto, triste e melancólico, no qual tremiam as lágrimas e ouvia-se um sofrimento abafado e uma dor inconsolável.

Aproximando-me mais, vi sob a protecção de uma rocha os que cantavam com tanta tristeza. Suas faces eram de cor cinzenta e eles mesmos sem força, ofegantes, empurravam com seus braços esqueléticos uma enorme rocha de grande peso. Este trabalho seu era perfeitamente inútil em si mesmo e isto aumentava ainda mais seus sofrimentos. Sobre suas cabeças caíam nuvens ardentes, atravessadas de flechas de fogo e nuvens de fumaça, misturadas com faíscas. Eu me senti mais aterrorizada e senti um desejo enorme de sair o quanto antes daquele lugar tenebroso.

Enquanto isso ouvia um ruído que procedia do fundo da terra. Ante mim, abriu-se uma inclinada encosta, que comecei a descer com muito cuidado. No ar, sentia-se um intenso cheiro de enxofre e redemoinhos de poeira ardente tornavam difícil a respiração. A muralha cinza rochosa se elevava quase verticalmente sobre minha cabeça e, do alto, caíam como chuva faíscas incandescentes. O vento seco e turvo não refrescava nada e vi um espectáculo novo e horrível. Os miseráveis pecadores, arrastados pelos demónios, fugiam velozmente diante de nós com o ruído infernal que os perseguia e, gritando de terror, protegiam a cabeça enquanto alguns deles caíam por terra, esgotados pela sede, com o rosto na poeira. Estariam dispostos a suportar qualquer martírio, com tanto de obter uma gota de água, com a qual refrescar a boca queimada pelo terrível calor. Mas não há para eles nem sequer uma gota de água e isto continuamente aumentava seu sofrimento sem um final possível.

Os espíritos infernais os vigiavam e, ao cair um, estavam prontos para golpeá-lo cruelmente com seus pés achatados até que se levantava e recomeçava a corrida, docilmente. E eis aqui que, enquanto eu observava aquele espectáculo horripilante, apareceu diante de mim meu companheiro com sua voz maravilhosa e fascinante: “– Você teve medo?”, perguntou-me e eu, a sua pergunta, não soube responder outra coisa senão: “– É terrível!” E ele: “– Agora deixaremos este lugar e voaremos a outros planetas!”

Começamos a subir a uma velocidade ainda maior do que a do voo anterior. O ar se tornou cada vez mais agoniante e o calor se tornou insuportável em certo momento. De longe apareceu um astro incandescente que foi pouco a pouco ficando maior. Sem interromper para nada nosso voo, atravessamos uma zona iluminada por uma luz violácea, e cada vez sentíamos mais que nos queimava o fogo que emanava daquele gigantesco planeta. Dirigimo-nos até ele. Um pouco mais e o alcançaríamos. E pareceu-me que o céu oscilava e se agitava como se respirasse; o próprio planeta não me pareceu denso como nossa terra, e sim composto de gás denso, extremamente incandescente.

Contudo, quando descemos sobre o planeta, convenci-me que em parte minhas suposições estavam erradas: de fato, aqui e ali havia também terra firme sobre a qual vagavam luzes estranhas; do alto chovia uma estranha claridade Láctea, ao redor reinava a tristeza e do solo ardente saía um calor indizível que sufocava.

“– Nem sequer aqui existe a felicidade - disse meu companheiro. A felicidade aqui não existe. Os espíritos do mal trazem aqui as almas dos pecadores para fazer-lhes sofrer novas e mais refinadas torturas, mais dignas de seus pecados.”

Por todos os arredores reinava o caos e, entre o rumor dos elementos enfurecidos, ouvia-se um gemido triste semelhante ao lamento de muitas vozes. E apareceu diante dos meus olhos uma ladeira plana que descia até um lago, que parecia de estanho fundido. Por todos os arredores voavam insectos venenosos de aspecto repugnante, de cujas picadas os pecadores buscavam refúgio escapando pelas rochas ao redor. Alguns pecadores eram seguidos de demónios que, providos de poderosos açoites os açoitavam, entravam nas cavernas, mas em seguida se viam obrigados a sair delas e corriam maltratados e famintos em direcção ao lago ardente, onde se precipitavam chorando e gritando: “–  Onde estás, ó morte? Ó morte, amiga desconhecida!”

Mas a morte não existe, só a vida existe, vida eterna de alegria para os homens piedosos, vida eterna de tormento para os pecadores. E aqueles miseráveis continuavam retorcendo desesperadamente as mãos, invocando em sua loucura a morte inexistente.

II

Depois de ter observado tudo isto, começamos a descer. Aos pés da margem escarpada, descobrimos enormes cavernas, escavadas entre as rochas. Duas das mais amplas tinham a entrada obstruídas por penhascos, e delas saíam um ruído ensurdecedor, gritos selvagens, uivos bestiais e assobios estridentes. Que agitado era aquele recinto infernal! Aqui e ali, vi espalhados arbustos cobertos de espinhos, de lodo viscoso e tufo negro; também havia alguma árvore sem folhas. Sobre nossas cabeças passavam voando horríveis monstros, que contribuíam a tornar o panorama mais sinistro.

“– Hoje – disse-me o companheiro - Satanás celebra no inferno seu banquete anual. Guarde bem o que você vir”.

E vi como as entradas das cavernas começaram a abrir-se lentamente. Delas surgiam línguas de fogo. Alguns espíritos malignos entraram para tirar aos pecadores mais ferozes, conhecidos em todo o mundo.

“– Por um compreensível desejo de Satanás – explicou-me o companheiro – alguns pecadores esperam séculos e séculos antes de poderem participar nesta festa; outros pelo contrário são admitidos em seguida. Esta festa se celebra uma vez ao ano e precisamente no dia em que o Senhor expulsou os anjos maus. Naquele dia, Satanás, que foi anjo bom até ter a temeridade de rebelar-se contra Deus, volta a sentir com particular agudeza todo o horror de sua queda. Nesse dia, ele busca distrair-se como pode, organizando uma festa em seu tétrico reino. Mas nada pode aliviar seu afã e ele sofre naquele dia por ter recusado as alegrias do Paraíso e por não ter domado seu orgulho ante o Senhor.”

Logo, por uma desconhecida força foi lançada para fora da entrada da caverna uma bela mulher, com os braços estendidos para a frente e seu cabelo em chamas. Em seus olhos, de um azul-escuro, parecidos a safiras, ardia uma maldade inumana; seu cabelo, de um vermelho vivo, estava solto. Toda recolhida feito um novelo sobre si mesma, desenrolou-se como uma serpente e escondeu-se, com a cabeça inclinada, próximo à porta.

Entre as chamas, apareceu então outra mulher (1), de cabelo mais negro do que a noite, como dois enormes carvões brilhavam seus olhos. Lenta e majestosamente, dirigiu-se à outra mulher que, chorando e tremendo, havia se escondido em uma sinuosidade da rocha junto à entrada infernal e, colocando uma mão na cabeça, ficou imóvel naquela postura.

(1) Este mulher pode ser identificada como uma rainha da Rússia, mulher devassa e depravada, verdadeira Messalina, que era capaz de enfileirar 20 soldados por dia, todos os dias, para manter relações com ela. Chegava a fazer isso por até 36 horas ininterruptas, apenas para se considerar com mais furor uterino que as mais terríveis prostitutas dos arredores de Moscou. 

E desde a caverna vizinha saiu um velho alto, todo encurvado com uma grande barba branca e sobrancelhas espessas(2).Caminhava sem pressa, dirigindo-se até a parte oposta onde se encontravam as duas mulheres. Chegando a certo ponto, deteve-se. Sua aparição não despertou surpresa alguma entre os espíritos infernais, mas não se aproximaram dele. E ele, levantando a cabeça, olhou ao redor. Tudo nele mostrava uma forte determinação; seus olhos expressavam uma inteligência incomum, mas ao mesmo tempo uma tristeza resignada em uma profunda pena. Inclinou a cabeça no silêncio e a barba branca cobriu todo o seu peito.

Depois dele, arrastado pelas mãos por uma manada enfurecida de demónios e com sinais de golpes nas costas, apareceu um homem mais velho, de estatura baixa, era robusto, tinha a cabeça calva e grande (3). Os espíritos malignos o golpeavam furiosamente sobre o rosto, gritando-lhe nos ouvidos: “– Você que não acreditava em nada? Você que pensava que a vida só existia na terra e arruinava sua pátria, atormentava e matava seu próximo sem temor de um dia prestar contas disso! Agora verá que não é assim! O próprio Satanás inventará para você os sofrimentos mais atrozes; agora pelo contrário, te levarão a inclinar-se ante ele!”

(2)    Pelas descrições a seguir ele será indicado como o ateu Karl Marx.

(3)    Este é mais facilmente identificado com Lenine.

E ele, todo curvado sobre si mesmo e sem opor resistência alguma, apertava o passo detrás deles. Os demónios não o arrastaram até os pecadores que o haviam precedido, sim em direcção à abertura de uma caverna situada em frente às outras. Naquele mesmo instante, do interior da caverna, elevou-se um terrível rumor, um espantoso grito misturado com risos selvagens e assobios estridentes. De vez em quando, entre todo aquele bulício, elevava-se um gemido longo e piedoso.

Eu olhei atentamente naquela direcção, também os pecadores tinham o olhar fixo sobre aquela entrada. E dela saiu uma multidão de certos seres horríveis que se contorciam; pouco tinha de aparência humana, acuados pelos golpes. Assim se aproximaram ao pecador calvo e lançaram-no aos pés ao recém-chegado; este se levantou olhando ao seu redor com ar aturdido e sempre tremendo, pôs-se ao lado do homem calvo. Tinha a cara estreita, com cavidades e pômulos salientes, um nariz muito fino, era de estatura um pouco mais alta que a média.

O velho levantou a vista e o olhou com arrepios enquanto os dois pecadores, com indescritível desdém, voltaram-lhes as costas.

Naquele momento, escutei aproximar-se de cada lado um ruído, primeiro apenas perceptível, depois cada vez mais forte. O ruído mudou depois para um bater de asas. Uma multidão de espíritos horríveis voadores se aproximaram lentamente dos pecadores, e diante de mim se formou um emaranhado vivente que se levantou e logo se precipitou vertiginosamente para baixo, desaparecendo entre as trevas.

Diante das cavernas ficou tudo deserto, as horríveis portas estavam fechadas, já nem se via um pecador ou um demónio.

Caminhamos ainda mais, e de repente surgiu ante nós uma coluna alta de fogo, da qual nos aproximamos. Parecia-me que aquela coluna, como um farol luminoso, dissiparia também a lembrança dos horrores vistos, e que encontraríamos lugares mais pacíficos, porém eu esquecia que no inferno não pode haver paz nem tranquilidade. E, de fato, a coluna de fogo dissipou minhas esperanças, não vimos paz nem felicidade, e sim um espectáculo ainda mais horrendo nos foi apresentado.

Quando estivemos perto, vi que o negro e horrível abismo estava agitado como por um violento temporal, nuvens acesas exalavam vapores de enxofre, e pouco depois nos encontramos entre as chamas de um lago de fogo onde se moviam sombras. Ó que grande era seu desespero, que grande e terrível seu tormento! Os demónios iam aos milhares daqui para lá entre elas, como se chegassem desde longe para contemplar avidamente as linhas sinuosas e retorcidas das imagens incorpóreas entre os rubros da chama púrpura. Mas nós, sem nos determos, passávamos voando mais longe, encontrando sempre novas sombras.

“– Agora – disse-me o companheiro - você deve ficar novamente só. Seja corajosa e não tenha medo ainda que lhe ocorresse algo incompreensível. No mais se qualquer perigo lhe ameaçar, eu virei sempre a tempo.” Dito isto, desapareceu.

III

Observando as torturas dos pecadores que se encontravam entre as chamas e sentindo um calor quase insuportável, sentia-me assombrada que o fogo infernal não queimasse tudo e a todos. Era evidente que o fogo não podia destruir e queimar os pecadores que se encontravam entre as chamas, como tivera feito com homens comuns, ou mesmo o próprio fogo era de tal natureza que, ainda procurando tormentos inenarráveis, era impotente para destruir tudo.

Ao instante me chegou ao ouvido o eco de um coro montanhês. Escutei com maior atenção e pareceu-me que aquele canto vinha de algum lugar debaixo da terra. Diante de mim começava uma baixada. Em todos os arredores nas rochas havia fissuras muito profundas. A dois passos de distância não se via, porém abaixo brilhavam luzes e quanto mais descia mais se ouvia o canto de um coro que, ao julgar pelas vozes, devia ser muito numeroso, mas muito desafinado. E cada vez se faziam mais vivos os fogos. Finalmente, depois de uma descida que parecia não ter fim, encontrei-me em uma planície imensa e completamente deserta, rodeada de montes que se erguiam assumindo as mais estranhas e fantásticas silhuetas que mente humana jamais tenha podido imaginar. Na base dos montes cresciam estranhíssimas plantas espinhosas, que agitavam os ramos como se fossem tentáculos. Pela esquerda apareceu um charco rodeado de uma zona de musgo negro, que se movia também, parecia suspirar.

Pouco depois cheguei a outro charco mais, não longe de mim observei um estreito feixe luminoso e, aproximando-me, descobri uma grande greta e uma nova baixada que conduzia à misteriosa luz. Segui por aquele novo caminho e comecei a descida por aquele abismo, cheio de mistérios e incertezas, e que parecia não ter fim.

À medida que caminhava, dava-me conta de que o sendeiro se convertia em um longo caminho ao final do qual havia uma porta que dava acesso a um lugar desconhecido para mim. Daí saía um oceano de luz ofuscante e ouvia-se ainda mais forte o canto que se fazia cada vez mais ressoante e que, de vez em quando, era interrompido por gritos ensurdecedores. Recorri depressa aquela zona e encontrei-me na entrada, onde fui cegada por inúmeras luzes.

Vi uma sala imensa na qual se entrava por milhares de portas. No meio havia uma grande extensão livre, semelhante à arena de um circo. No centro daquele espaço se levantava um magnífico trono, mas extremamente tétrico. Um teto negríssimo, em forma de cúpula, com reflexos metálicos, completava a uma grande altura, aquela sala. Ao redor do trono se moviam, sem fazer ruído algum, sombras negras de formas terríveis e horripilantes. Em todo os arredores havia um grande anfiteatro para os pecadores dos quais ali havia uma grande multidão. Parecia que todo o anfiteatro havia sido um grande formigueiro e de todas as partes se podia ver com toda claridade o trono que se elevava no centro da arena. Ao redor elevavam-se gigantescas colunas luminosas que iluminavam todo o ambiente com uma luz sinistra.

À esquerda do trono, meio caída por terra, estava uma belíssima mulher, e o negro do trono fazia um esplêndido contraste de cores com o vermelho-cobre de seu cabelo, excitante como a seda. Delicada e graciosíssima, assemelhava-se a uma estatueta saída das mãos de um escultor genial.

À direita do trono estava, pelo contrário, uma mulher de olhos negros e de porte soberbo; seu cabelo harmonizava perfeitamente com o trono escuro, enquanto que seus olhos ardentes brilhavam de ódio e de maldade e pareciam lançar chamas. Estava radiante em sua atitude altiva e em seu desprezo pelos milhares de olhos que estavam dirigidos a ela. E não se parecia nem sequer a uma estatueta qualquer, podia-se dizer que era a esfinge de uma mulher de sangue real, plasmada por um artista imortal. Eu reconheci sem esforço algum as mulheres que havia visto retiradas das cavernas para a festa de Satanás.

Quase toda a arena em frente do trono estava agitada com os pecadores. Não eram, entretanto, pecadores normais nem para eles estava reservado o anfiteatro, sim aqueles que haviam manchado sua existência terrestre com os pecados mais infames. Encontravam-se todos reunidos em um lugar, sem distinção de posição ou de fortuna. O pecado havia igualado a todos.

Vi também o repugnante velho calvo e seu discípulo, aquele de tipo polonês, uma verdadeira besta humana. Um pouco separado estava o velho grisalho cujo rosto denotava uma tristeza invencível e uma dor infinita, parecia que recordasse as palavras do Evangelho: “Porém quem escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor seria que pendurasse uma pedra de moinho ao redor do pescoço e fosse atirado ao mar”, e parecia que só agora tivesse compreendido o significado daquelas palavras.

De repente, sentiu-se uma grande sacudida subterrânea, a terra tremeu, tudo balançou e as colunas iluminadas ainda mais resplandecentes. Depois se desencadeou um furacão, ao que seguiu um coro de lamentos e de gemidos. E entre numerosos aplausos dos demónios e entre gritos irracionais apareceu subitamente Satanás, todo envolto em nuvens de fumaça muito densa. Iluminado por uma luz sinistra, com o olhar fixo, perdido no espaço, riu forte e maldosamente e naquela risada havia algo terrível, de tal modo que todos os pecadores se voltaram para ele e olharam-no com terror, privados já de vontade, sem força e sem qualquer esperança de salvação. O trono de Satanás estava rodeado de uma multidão de espíritos malvados cujos olhares ferozes aterrorizavam. Entoaram seu canto infernal, em cada palavra do qual havia o eco de uma ameaça e em cada frase a promessa de novas e inenarráveis torturas. Este canto enchia as almas dos pecadores de terror sem limites, mas os demónios cantavam cada vez mais forte e Satanás parecia se satisfazer com este canto porque sorria maldosamente.

Diante do trono, entre as filas de pecadores, havia muitos que na terra tinham sido famosos por sua sabedoria e erudição, mas que no inferno já não havia necessidade de tudo isto, eles não se distinguiam em nada dos outros, e pelo contrário, como eles, tremiam ao escutar o canto infernal, ao mesmo tempo não perdiam de vista a Satanás.

Satanás parou de rir. Mas, parecia-se a um homem? Sim, ele se parecia e, ao mesmo tempo, era um ser completamente diferente, misterioso e insensível. Toda sua figura mostrava uma incrível auto-confiança e uma consciência da própria força, mas seu rosto não mostrava alegria. De gigantesca estatura, esbelto, bronzeado, tinha um nariz afilado entre dois grandes olhos negros e profundos, que brilhavam como fogos sob o arco das sobrancelhas oblíquas e estreitas. Severo e rogado, sentava-se silenciosamente em seu trono, sobre o qual luzia uma estrela vermelha de cinco pontas.

Mantinha-se imóvel, como esculpido em bronze, com suas duas asas abertas semelhantes a tecidos de veludo negro, que se separavam ameaçadoras por detrás das costas. Suas belas pálpebras curvadas escondiam a expressão precisa de seus olhos, mas seu rosto de perfil clássico escondia um pensamento atormentado. Parecia que naquele dia, aniversário daquele outro em que há milhares de anos atrás foi expulso por Deus, Satanás recordasse seu passado, quando também ele era um anjo bom alheio a todo mal. Seu rosto expressava um secreto tormento enquanto uma ruga de longas datas lhe franzia a testa e as gigantescas asas negras abaixavam cada vez mais até dobrarem detrás dele, como ocorre com uma bandeira golpeada pela tempestade.

Então Satanás levantou as pálpebras e vi seu olhar ameaçador que continha em si um oceano de maldade e de ódio. A multidão de espectadores a fixou: que olhar era aquele! Quanta perfídia e quanto ódio! Assim se ergueu em toda sua estatura gigantesca, em toda sua misteriosa essência o príncipe do mal e do pecado.

Por todas as partes se fez um silêncio de túmulo. Satanás começou seu discurso que se ouvia distintamente em todos os ângulos do amplo salão: “– Eu vim para anunciar-vos novos tormentos”, disse, e sua voz se tornou ainda mais ameaçadora e estridente e seus olhos se acenderam ainda mais pelo ódio. “– Far-vos-ei sofrer tantas torturas que, em comparação com elas, as penas anteriores empalidecerão. Cada ano eles serão mais terríveis e assim será eternamente.”

Com um espantoso ruído se abriram detrás de suas costas as duas grandes asas negras. Que terrível era, imensamente terrível, o grande Satanás! Todos os seus demónios, ao ouvir-lhe prometer novas penas, estrondearam em risos de alegria. Os pecadores, pelo contrário, pressentindo os tormentos que lhes esperavam, se agacharam gemendo e chorando, enquanto as colunas de fogo brilharam com uma luz sanguínea, bem como se tornou sanguinolenta a estrela de cinco pontas colocada sobre o trono. Tudo se cobriu de vermelho.

Satanás se sentou novamente. Então vi que uma multidão de espíritos malignos se precipitar sobre a bela mulher de olhos negros, fazendo-a levantar a pontapés. Ela se pôs de pé como uma fera ferida e seus olhos relampejavam de ódio. Mas de improviso se direccionou sorrindo e com passo seguro, impressionantemente descarada, dirigiu-se até o trono, movendo os quadris, levantando seus seios alvos, ostentando sua graça e todo seu encanto pessoal. Mas Satanás riu com uma risada de zombaria e desprezo.

“– Na terra, você subjugava os homens com sua voz, com seus olhares, em uma palavra com seus encantos, e oferecia-lhes todas as alegrias da felicidade terrena: ouro e até o poder. Não deixava em paz aqueles que escolhia. Assegurava-lhes em seus cantos que ninguém a não ser você podia dar a felicidade plena. Desperdiçava o ouro e as riquezas sem se preocupar e se vangloriava de sua glória efémera e do esplendor de seu palácio, e assim conseguia conquistar o coração que tinha escolhido. Mas depois saciada e indiferente, ordenava a morte sem piedade para aqueles que antes haviam sido seduzidos por você.”

Com um gesto da mão, Satanás chamou o mais nojento de todos os demónios e, apontando-lhe a pecadora, ordenou: “– Acaricie-o, beije-o e ame-o o quanto ele desejar. Vá com ele, eu não tenho necessidade de você. Mas eu gostaria muito de sentir o sabor de seus beijos e, para isso, aqui está meu pé.”

Ele ria, fazendo mover suas asas negras. Pálida, mordendo os lábios, a pecadora estava de pé sem mover-se, como uma estatua de mármore. Mas logo respondeu áspera e taxativamente: “– Nunca”, e em sua atitude orgulhosa estava belíssima. “–  Nunca? - perguntou Satanás, roxo de raiva - Mas você não sabe que minha vontade é capaz de domar qualquer orgulho?”

Vieram então os espíritos malignos que apanharam a pecadora e jogaram-na aos pés de Satanás e obrigaram-na a beijar-lhe o pé. Depois disto levantaram-na e levaram-na até a coluna ardente e apoiaram-na contra ela. Ficou negra pela dor insuportável e pelas queimaduras, mas seus olhos rebeldes, como antes, estavam fixos, terríveis em seu ódio, cheios de maldade, sobre Satanás.

Enquanto isso, alguns demónios que se encontravam junto ao trono agarraram os dois pecadores de má reputação, aquele calvo e aquele de traço polonês, e à força os arrastaram diante de Satanás e lançaram-nos aos seus pés. E olhando-os com um olhar irado e terrível, Satanás disse:

“– Vêem a todos estes milhares de pecadores que reuni aqui junto ao meu trono? Por minha vontade diante de vocês e deles passará agora uma parte de suas vidas de criminosos e eu verei de novo suas acções, e far-me-á gozar deste espectáculo como uma festa.”

Satanás fez um gesto e tudo ao redor ficou escuro. No fundo da sala apareceu um disco luminoso, como uma tela sobre a qual todos viram representada uma sangrenta batalha. Ouviu-se o estalido dos projécteis, o ruído das metralhadoras e o assobio das granadas. Viram-se regimentos com seus oficiais à frente, baterem-se com valentia sem igual. Viram-se cair os mortos e feridos e viu-se também como os soldados salvavam aos oficiais  e vice-versa, todos irmãos no ideal comum. E todos aqueles guerreiros pertenciam à mesma gloriosa terra à qual pertencia também o pecador calvo.

“– Eis aqui que se inicia o período de suas inumeráveis feitorias”, disse Satanás. Ouvindo-se estas palavras, o pecador calvo que se encontrava aos pés do trono, começou a gemer penosamente, e ao mesmo tempo sobre o disco branco apareceu seu rosto, já suplicante, já fechado, o rosto sobre o qual se reflectia o espanto e o nascente triunfo; e ao redor dele tudo era escuridão semelhante a uma parede negra, impenetrável. Neste momento, a cena da batalha mudou rapidamente. Ouviram-se  novamente canhonaços e o ruído das metralhadoras. Depois apareceu uma praça sobre a qual se erguia um palácio todo de pedra vermelho-escura. No centro da praça surgia uma coluna alta e elegante sustentando a estátua de um anjo. Toda a praça estava cheia de uma multidão enfurecida que assaltava o palácio. E a cena mudou novamente: apareceram, solenes e maravilhosos, os salões do palácio. A plebe havia conseguido apoderar-se dele. Uma das salas tinha as portas defendidas por garotas: estavam armadas de fuzis e defendiam com desesperada coragem o palácio de seus soberanos. Entretanto, o povo conseguiu invadir todo o palácio.

Feras com uniformes de marinheiros ou soldados, com faixas ou cintos vermelhos e cintos para completar sua ostentação, foram e arrancaram os fuzis das fracas e delicadas mãos das heróicas jovens. Gritando e blasfemando alucinadamente, violaram até a morte às nobres heroínas. E sobre toda aquela orgia se ouviam gritos rudes que enalteciam a vitória conseguida: “– Viva a liberdade”. “Viva nosso líder.”

Vendo aqueles horrores e ouvindo aqueles gritos, o pecador calvo, prostrado aos pés de Satanás, chorou ainda mais tristemente. De novo tudo caiu na escuridão e sobre o fundo luminoso apareceu uma nova cena. Vi um grupo de prisioneiros, entre os quais se destacava uma mulher de alta estatura, de rosto altivo e maneiras nobres. Junto a ela se encontravam umas jovens e diante de todos, sentado numa cadeira, estava um homem de idade com um garoto de uns 14 anos sobre seus joelhos. Usava um simples uniforme de soldado, sem ombreiras, e calçava botas longas.

Senti-me atraída por seu olhar doce, tão suave e sonhador. Lembrei que já havia visto aquele olhar uma vez em outro lugar. Olhei melhor e vi e pareceu-me reconhecer meu imperador. De repente esta cena desapareceu de minha vista e vi uma pobre cabana no meio da qual estava de pé uma mulher magra como um esqueleto, vestida de trapos com o cabelo emaranhado e com olhos cheios de loucura. Aproximou-se tremendo do armário e do forno, procurando com as mãos trémulas algo: naquele instante um menino gritou em seu berço e a mulher, rindo com uma gargalhada de louca, deu um salto até o berço, pegou o pequeno e, continuando a rir, estrangulou-o e lançou o pequeno cadáver em uma panela cheia de água fervendo que estava sobre o fogão. Fiquei profundamente aterrorizada por esta cena terrível, mas um sentimento inexplicável me fez compreender que aquela mulher era uma mãe canibal da Rússia faminta.

Aquela cena horripilante foi seguida por outra que representava as minas de carvão. Aqui vi as mesmas cenas que tinha observado um pouco antes no inferno. Velhos e jovens, de maneiras diferentes, mas com uma dor e uma tristeza infinitas em seus olhos, realizavam um trabalho inumano, eram forçados por golpes de chicotes e perseguidos por guardas robustos, cujas feições revelavam uma estúpida bestialidade. E de novo o mesmo sentimento me fez compreender aqueles desgraçados eram os melhores generais e oficiais russos, cuja culpa consistia em ter amado profundamente a sua Pátria, a Rússia.

Também esta cena desapareceu. Satanás estava sempre sentado no trono, enquanto que o pecador calvo, invadido pelo terror, apertava convulsivamente a cabeça entre as mãos, murmurando fracamente palavras sem sentido. “– Você viu o que você fez em sua vida?” O pecador calvo respondeu com voz muito baixa: “– Eu vi!” E Satanás, dirigindo-se de novo aos espíritos malignos, gritou furiosamente: “– Pegai-o e mantei-o junto a mim, enquanto eu julgarei aos que foram seus cúmplices na terra”.

Os demónios pegaram o pecador, lançaram-no por terra junto ao trono, depois se puseram a dançar furiosamente sobre seu corpo. O outro pecador, aquele de tipo polonês, abaixou a cabeça e fechou os olhos: seu rosto estava alterado pela dor, mas já não tinha forças para gritar nem para chorar. Satanás lhe disse: “– Levante a cabeça e olhe. Far-lhe-ei ver só uma cena que lhe fará lembrar todas as suas acções”.

Viu-se então uma rua comprida e ampla, mas tão comprida que parecia não ter fim. Por aquela rua caminhavam lentamente dezenas de milhares de homens, velhos e jovens, mulheres e crianças, homens de todas as condições e de todas as profissões, bispos e sacerdotes, generais e jovens oficiais, soldados e licenciados, operários e camponeses. Alguns tinham o peito perfurado pelas balas, outros a cabeça ferida, outros levavam ainda ao redor do seu pescoço a corda da forca. Todas estas sombras de mártires caminhavam sem pressa pela rua sem fim, em uma direcção desconhecida.

Mas de repente ocorreu uma coisa extraordinária: todas aquelas sombras espantosas de assassinados se transformaram em um instante – vi-os vestidos com trajes brancos, leves, etéreos, e em suas mãos vi brilhar velas acesas. Sobre eles descia uma luz nova, azul, estranha. Suas terríveis feridas desapareciam e seus rostos serenos de novo emanavam o sentido de uma felicidade plena, de um bem-estar tão luminoso que parecia que a própria luz emanasse de seus corpos. Toda a rua foi enfeitada com flores de extraordinária beleza. E aquelas dezenas de milhares de assassinados iam, serenos e purificados, com os braços levantados para a luz deslumbrante que brilhava diante deles e chamava-os para si.

Depois desapareceu tudo outra vez e a tétrica festa de Satanás continuou. Ele disse: “– Tudo isto foi você quem causou com suas próprias mãos. Todos estes que você viu foram mortos por você, mas eles, por meio das torturas que você os fez sofrer, expiaram seus pecados e encontraram a beatificação, enquanto que se tivessem continuado vivendo, muitos entre eles teriam vindo parar em meu reino. Por tudo isto, minha vingança sem piedade os alcançará. Eis aqui que já se aproximam para vocês”.

E diante do trono desceu um monstro repugnante, provido de um grande número de tentáculos que se expandiam avidamente em todas as direcções. O monstro, aproximando-se do pecador calvo e seu discípulo, pegou os dois com seus tentáculos e arrastou-os. Eles se agitavam, gemiam e lamentavam-se como duas moscas que estivessem presas entre as patas tenazes e impiedosas da aranha.

Todos os pecadores, com a respiração cortada estavam à espera do que lhes ia passar. Compreendiam perfeitamente que nenhum entre eles poderia escapar ao terrível castigo de Satanás e na espera, um terror secreto os paralisava. Nada mais parava o ruído produzido pela fuga do monstro, a bela mulher de cabelo vermelho se aproximou espontaneamente do trono e jogando para trás a cabeça flamejante, olhou para Satanás com seus olhos ardentes. Mas o olhar de Satanás estava cheio de ironia e com um sorriso de maldade lhe disse: “– Conheço sua mão terrena. Eras uma famosa cortesã cuja beleza e inteligência foram admiradas por velhos e jovens sem distinção. Eras riquíssima e para teu palácio vinha a mais alta aristocracia de sua época. Tinhas declarado sempre que não reconhecias outras coisas que as materiais e terrenas. A única ocupação de tua vida foi a libertinagem e experimentavas grande alegria em destruir a vida e a felicidade dos outros. Gostavas de subjugar a um homem e logo ser para ele como uma serpente. E então agora, por estes teus pecados, deverás arrastar-te como uma serpente ante meus demónios que não te abandonarão jamais. Eles te obrigarão a fazer o que eles gostam e nunca poderás rebelar-te.”

“– Tenha piedade de mim”, disse a beldade caindo de joelhos diante do trono e estendendo para Satanás, em um gesto desesperado, seus braços, pela primeira vez impotentes em sua beleza. Mas Satanás continuava rindo e a um sinal seu, uma multidão de demónios agarrou a mulher e, entre saltos e zombarias, arrastaram-na até a saída, deleitando-se com os sofrimentos que lhe causavam.

IV

Durante todo este tempo, o velho grisalho tinha estado à parte. Mas de todos os lugares chegavam os lamentos dos que tinham sido seduzidos por sua incredulidade e por sua falsa doutrina. Seu rosto se escurecia cada vez mais e cada vez se afundavam mais as rugas da testa. Era óbvio que estava pensando em coisas da maior gravidade. Depois sacudiu a cabeça aturdida como para retirar da mente cansada as contínuas meditações, os pensamentos e as lembranças penosas. Mas no inferno não existe o esquecimento do passado e dos próprios pecados.

Parecia que tivesse compreendido isto, com sua aguçada inteligência, porque inclinou a cabeça em uma expressão de desespero completo. Por seus olhos passou uma nuvem de tristeza: compreendia muito bem que devia responder por ele mesmo e também por aqueles que tinham sido extraviados por ele e por todo o povo.

Mas o que atemorizava o velho não era o castigo que lhe esperava. Todo seu horror consistia no fato de que, finalmente, agora lhe parecia claro como se tinha equivocado durante toda sua vida e como sua doutrina não tinha semeado mais que incredulidade e pecado em lugar de felicidade e amor. Nisto consistia seu drama íntimo e seus sofrimentos morais eram indescritíveis. Satanás o olhou com olhar imperativo. O velho levantou a cabeça e, sem a menor subserviência, mas com severidade e valentia, manteve o olhar em Satanás. Depois, com atrevimento, deu alguns passos adiante e pôs-se na frente do trono. Satanás continuava olhando-o em silêncio sem que por isso seu olhar insistente desse medo ao velho, que se atreveu a dirigir a Satanás uma pergunta: “– Assim é que você existe realmente”. E Satanás, com uma risada irónica, respondeu: “– Sim”. E o velho continuou: “– Mas, por que vive deste modo? Por que está sempre em meio a estas frias trevas e passa séculos inteiros em hostilidades vazias contra todo o Universo e envolve na mais profunda dor aos homens que lhe servem? Que necessidade tem de todos estes tormentos e deste diabólico ruído?”

A gente em silêncio conteve a respiração com a ânsia de saber o que ia acontecer. “– Por que não quer recomeçar o caminho recto, voltar a ser bom e terminar em um bom dia com todo o mal que faz?” Com o olhar fixo à distância, Satanás respondeu sombriamente: “– Porque fui amaldiçoado.”

Durante algum instante reinou um profundo silêncio. O velho estava meditando e o próprio Satanás esperava ouvir suas palavras. O velho continuou: “– Agora não somente creio que você existe realmente, mas também que você foi amaldiçoado. Para você estão apagadas todas as estrelas e em seu céu não há sol. Difamou a terra, conduzindo seus habitantes para o pecado. Que você quer fazer no futuro? Continuar destruindo ou bem criar algo novo e mais digno?”

O olhar de Satanás brilhou sinistramente pelo ódio e murmurou com voz que soava a ameaça: “– Enviarei ao mundo o Anticristo e ainda e sempre lutarei contra Aquele que me amaldiçoou!”

“– O Anticristo?”, perguntou assombrado o velho. “– Sim, o Anticristo”, exclamou Satanás. Seu olhar ficou ainda mais triste. Depois de uma pausa, Satanás continuou:

“– Virá o tempo em que em um lugar, que já tenho designado, viverá uma cortesã que terá uma filha ainda mais perversa do que ela. Ela há seu tempo parirá outra cortesã e assim durante onze gerações consecutivas. Na décima segunda geração, nascerá uma mulher que superará em depravação, perversidade e imoralidade todas as outras. Esta será a que porá no mundo aquele que deverá ser a perdição da humanidade inteira. Ele será o Anticristo. Nem se saberá quem é o pai porque será concebido em estado de embriaguez imunda. Desde seu nascimento, eu viverei nele e ele em mim. A mãe notará muitos sinais incompreensíveis no momento do nascimento, mas eu a induzirei ao silêncio”.

Será um homem de uma inteligência extraordinária, que superará em muito a inteligência de seus contemporâneos. Terá também uma vastíssima cultura. Quando alcançar a idade adulta, sentirá dentro de si uma desenfreada avidez de comando e encontrará o apoio de um povo que será seu predilecto. Por-lhe-ei nas mãos, riquezas imensas, e por meio delas será grande e poderoso. E quando se desencadear uma grande guerra, na qual participará todo o mundo, o Anticristo participará nela em qualidade de simples oficial. Devido a suas capacidades, a sua bravura e coragem, ele fará em pouco tempo uma brilhantíssima carreira e ocupará os mais altos postos da hierarquia. Não conhecerá os fracassos e, conseguindo uma vitória atrás da outra, ganhará uma popularidade sem limites e infundirá em todos a simpatia e a confiança em sua pessoa.

Nenhum projéctil poderá alcançá-lo nunca e as armas de todos os tipos lhe farão apenas sorrir. Em qualquer posto em que se encontre, será sinal seguro de que este posto não poderá ser tomado. Os barcos e os aviões que se encontrem ao seu comando terão a vitória segura.

Eu farei de maneira que a água, o fogo e os outros elementos da natureza lhe estejam submetidos. Vencerá e destruirá os poderes de todos os outros povos, de modo que ainda aumentará mais a admiração por ele entre as populações. Destronará reis, expulsará ditadores e presidentes e subjugará, por último, a todos os povos que se inclinarão diante de seu poderio e o reconhecerão por líder supremo. Reinará sobre todo o mundo e será o verdadeiro dono e senhor de toda a terra (São João 5, 43: “Eu vim em nome de Meu Pai e vocês não me receberam, se outro vier em seu próprio nome, a esse o receberão.”) E eu lhe darei o poder de operar milagres, de forma que o mundo acreditará que ele é o próprio Cristo (II Tessalonicenses 2, 9-10: “A vinda do ímpio vai acontecer graças ao poder de Satanás, com todo tipo de falsos milagres, sinais e prodígios, e com toda a sedução que a injustiça exerce sobre os que se perdem, por não se terem aberto ao amor da verdade, amor que os teria salvo.”) (4). Ainda sem compreender seus actos, não se atreverão a criticá-lo e assim, por meio dele, eu corromperei a todo o género humano, empurrando-o à busca de novos conceitos no campo da filosofia e colocando-os em contradição com a religião.

(4) Naturalmente que os textos bíblicos citados, o são pela autora e não por Lúcifer.

Destruiremos também todas as leis da moralidade e, através do escárnio, cultivaremos na terra o sacrilégio e a blasfémia, faremos que ocorra toda classe de acontecimentos desagradáveis ao extremo. Em todas as partes criaremos um número incrível de obstáculos e envolveremos a todos os homens e a todas as mulheres na sede das mais refinadas depravações. Recolheremos deliciosos frutos nos campos do mal. Durante o reinado do Anticristo enviado por mim, meus servos fiéis assumirão formas tais que não deixarão supor que sejam demónios. Levarão a tentação às mentes e os homens perderão sua personalidade e sua capacidade de governar os próprios instintos. E deste modo o mal reinará.

Teremos que realizar muito esforço nesse período, porque cada invocação e cada oração dirigidas a Jesus Cristo serão suficientes para converter uma alma. Mas nós continuaremos sem trégua em nosso terrível avanço: criaremos uma vida absurda e brutal, destruiremos tudo e teremos constrangido a todos os povos entre nossas mãos. Destruiremos e devastaremos os templos, apagaremos todas as lâmpadas acesas em honra ao Altíssimo. Ó, como eu odeio aos que rezam nos templos! Odeio as Missas, as predicações e os cantos litúrgicos. Em meu reinado do Anticristo só haverá maldade e sofrimentos em tal quantidade, que desde que o mundo é mundo não se terá visto tanta. Então, em um excesso de dor e de louco desespero, os homens começarão, gemendo, a murmurar e culpar a Deus. Esta será a culminação de todos os meus desejos. Este será meu reinado, reino do mal e do ódio eternos”, assim gritava Satanás, flamejando com seus terríveis olhos.

O velho franziu a testa e seus olhos brilharam com uma estranha luz. “Nunca, nunca, você compreendeu?”, disse a Satanás em um impulso de impetuosa violência. “Nunca as trevas triunfarão sobre a luz. O mal não vencerá o bem. Estive errado durante toda a minha vida, mas agora creio com toda a alma e estou seguro que Jesus Cristo vencerá e lhe esmagará, a você que é o filho das eternas trevas”.(5)

(5) Estas palavras não são de arrependimento, mas simples constatação. No inferno não existe mais o arrependimento e milhões há que somente quando caíram lá é que entendem a verdade.

Ao ouvir estas palavras, Satanás, levantando-se, gritou furiosamente: “Por seu atrevimento, por sua incredulidade sobre o que lhe digo e pelas palavras insolentes que pronuncias aqui em meu reino, poderia fazer-lhe sofrer tais torturas como jamais se viram aqui no inferno. Mas deves saber que minhas leis, as leis do mal, são tão exactas como as leis do bem de Deus. Tudo o que eu disse acontecerá exactamente como eu lhe descrevi”.

Depois, indicando-lhe a sala com um amplo gesto da mão: “Olhe quantos pecadores estão aqui reunidos. Após a chegada do Anticristo, o seu número aumentará milhares de vezes. E eu já tenho desde agora inventadas uma quantidade incomensurável de novas torturas, de modo que cada pecador tenha a pena apropriada”.

Naquele instante junto ao velho apareceu uma figura negra, desordenada. Satanás se sentou. “– Não lhe farei sofrer nenhuma tortura física – continuou entre o mais completo silêncio da massa – porque compreendo perfeitamente que elas não seriam apropriadas para você, que não as mereceria. Eu não lhe deixarei em meu reino, mas lhe mandarei sobre a terra, colocando-o junto a um companheiro que lhe seguirá nas reuniões de seus sequazes. Você assistirá às suas reuniões e ouvirá seus discursos sacrílegos, escutará seus erros que você mesmo lhes inspirou e dos quais só agora você se arrependeu. Escutando seus erros, você tentará em vão dirigir-lhes pelo caminho recto fazendo-os esquecer sua falsa doutrina, mas sua voz não será ouvida e estará invisível e inatingível para eles. E seu castigo será tanto maior quanto que os seus esforços não darão nenhum resultado”.

Assim será durante um larguíssimo tempo. Depois lhe enviarei sobre um planeta, todo coberto de um mar eternamente tempestivo. No meio deste mar só há uma rocha alta sobre a qual passarão meus fiéis súbditos transportando ao meu reino a todos os seus sequazes. Você estará sempre ali e verá continuamente como se enche meu reino graças a suas doutrinas. Vai!” e estendeu a mão com gesto imperativo.

O velho se virou silenciosamente e, sempre acompanhado da sombra negra, dirigiu-se até a saída sem pressa e dignamente, seguido do olhar atónito de todos aqueles que se encontravam no salão infernal. Apenas tinha desaparecido o velho, quando um pequeno e esperto demónio se aproximou saltando ao trono de Satanás. Colocou-se na mesma ponta e sussurrou ao ouvido de Satanás algo. E Satanás disse: “– Está bem”.

Como uma bola, o demónio rodou pela areia e dirigiu-se até o grupo de pecadores que se encontrava diante do trono. Com um gesto chamou os outros demónios e todos juntos se puseram a empurrar a multidão dos pecadores, gritando desmedidamente. Em poucos momentos, uma grande parte da arena estava completamente livre e então se ouviu por todas as partes um terrível ranger. Inumeráveis chamas brotaram do chão e saltaram ao alto, torcendo-se e entrelaçando-se. Milhares de estrelas coloridas e de globos ardentes voavam pelo ar. Tudo foi iluminado por uma luz tão forte que causava dano aos olhos. Todos os pecadores juntos entoaram um canto e entre uma estridência de assobios ensurdecedores, apareceu um corpo de baile composto de milhares de dançarinas. Todas estavam identicamente vestidas: uma túnica curtíssima feita de correias, enquanto as costas e os ombros nus estavam adornados de grinaldas de espinhos que lhes causavam dores insuportáveis, ferindo suas imagens incorpóreas a cada movimento. Cheias de tristeza, rodearam o trono de Satanás em um círculo multicolor, executando uma antiga e meticulosamente estudada e solene dança. Mas ainda querendo, era impossível compreender o significado destas complicadas figuras.

Na terra, elas haviam sido dançarinas que tinham perseguido somente os prazeres terrenos, esquecendo completamente a vida do espírito, esquecendo também que , depois da vida terrena, existe outra vida, a eterna, durante a qual se prestará conta de todos os pecados cometidos.

Depois apareceu uma centena de bailarinas de categoria superior. Eram as melhores bailarinas que o mundo havia tido e se encontravam ali por haver-se entregue demais ao pecado. Havia de todas as nações. Tinham o olhar triste e nos olhos e nas dobras da boca se escondia uma profunda amargura que dizia melhor que toda palavra o penoso que eram suas vidas. Não tinham, entretanto, esquecido sua arte e flutuavam, leves e graciosas, etéreas aparições tocando a arena apenas com a ponta dos pés, com o acompanhamento da música infernal. Algumas pareciam que se lembravam de seus êxitos passados e mantinham a cabeça erguida, enquanto outras, ao contrário, choravam resignadamente pensando nos belos dias felizes terminados para sempre. De vez em quando se detinham e tomavam formas, atitudes pitorescas e apáticas ante o trono do soberano das trevas, que as olhava sorrindo com um sorriso maligno, mas sem que seu rosto expressasse verdadeira alegria.

Riam junto com ele todos os demónios que se encontravam na sala, mas os pecadores, pelo contrário, estavam esgotados por todo o que tinham visto. Algumas bailarinas, sem forças por aquela dança ininterrupta, caíam exaustas no meio da arena, mas em seguida se lançavam em cima delas os demónios ferozes, golpeando-as nos rostos sempre em vão. Nenhuma oração, nenhum grito podia comover a Satanás, que não parava de rir. E seus servos, com novos ímpetos arrastavam as bailarinas, que soluçavam. De novo se formou ante o trono um espaço livre. Satanás, sempre tenebroso, disse em voz alta: “– Não há qualquer divertimento, sinto-me triste”. Como um furacão soou a terrível voz e ninguém pôde suportar seu olhar sinistro. Agitando suas enormes asas, levantou-se em toda sua estatura e em sua testa apareceram rugas. Ao redor dele zumbiam uma espécie de moscas para diverti-lo.

Então os espíritos do mal as empurraram à parte para deixar lugar a um coro que se aproximava. Mas ainda que o coro executasse cantos belíssimos, Satanás, submerso em quem sabe que tristes pensamentos, não prestou qualquer atenção ao mesmo, cujos cantos se extinguiam antes de chegar aos seus ouvidos.

Ele olhava um ponto indefinido do espaço. Os coristas, depois de ter emitido as últimas notas da canção, levantaram seus olhos em súplica para o tremendo Satanás, mas não receberam dele nenhum elogio, pelo contrário, flechas de fogo, aparecidas de improviso, fincaram-se em seus peitos. Entraram depois saltando bailarinas, malabaristas, palhaços e acrobatas, que executavam todo tipo de exercícios cómicos e prodigiosos. E minha atenção foi atraída especialmente por um palhacinho de cabelo vermelho, eriçado e todo emaranhado. Realizou toda classe de exercícios tentando fazer rir com trejeitos extraordinários e até então nunca vistos. Sua boca tentava esboçar um sorriso e todo seu ser tentava aparentar um aspecto alegre. Mas era evidente sua trágica situação e foi-me possível notar em seguida a dor íntima que o consumia. Me causou uma dó imensa. Mas também ele seguiu a sorte dos outros e foi conduzido para fora por um demónio cinzento.

Mas não havia alegria. O terror reinava por todas as partes: milhões de seres cantavam e dançavam, mas em seus cantos se ouviam gemidos. Todo este espectáculo era tão estranho, terrível e feroz e mudava tão continuamente, que era difícil dar-se conta de todos os graus de terror que suscitava.

Depois vi voar seres estranhos, transparentes como se fossem tecidos com teia de aranha. Dos olhos emanava uma estranha luz verde. Flutuavam daqui para lá, buscando alguma alma para torturar e com seus mordiscos venenosos proporcionavam aos pecadores uma dor insuportável. Na sala, no entanto, os gritos dos pecadores continuavam ressoando, gritos de espanto, e seus rostos estavam transformados, mas para ele não pareciam suficientes estes sofrimentos e desejava desfrutar ainda mais.

Fez um gesto imperativo e seus olhos lançaram chamas. Todos os demónios que ocupavam a sala compreenderam em seguida o gesto e o olhar. Com prontidão se lançaram sobre os pecadores, segurando homens e mulheres e fazendo-os dar voltas em uma dança louca. Tudo ardia com uma luz deslumbrante. Os globos de fogo se haviam separado de seus apoios e, descendo, misturavam-se à multidão em redemoinho. Como ferro ardente, queimavam os corpos dos pecadores. Faíscas de muitas cores caíam por todas as partes, enquanto que chamas altíssimas, saídas das entranhas da terra, envolviam como serpentes sinuosas aos pecadores como se fossem fitas de fogo.

Eu estava literalmente ensurdecida por este caos de ruídos e gritos, e tudo começou a confundir-se e a girar ante meus olhos. De repente, através de alguma fenda invisível, começou a penetrar na sala uma fumaça sulfurosa, esverdeada, sufocante, que pouco a pouco encheu o salão, envolvendo tudo como na neblina. As luzes se escureceram e todo ruído parou: só se ouviu, naquela misteriosa escuridão, um estalido que fazia estremecer. Era Satanás que lentamente abria suas gigantescas asas negras. De golpe, com um assobio estridente, abriu-as totalmente e, como um pássaro fantasmagórico, levantou-se sobre os pecadores e os demónios que havia na sala. Entre a neblina verde pareceu-me descobrir as sombras dos demónios que continuavam perseguindo a suas vítimas, enquanto Satanás, voando soberbamente sobre tudo, triunfava rindo e emitindo palavras e frases cujo significado só ele compreendia.

Depois, pouco a pouco, a densa neblina clareou e pude ver nitidamente o que acontecia. Os pecadores, exaustos pelas incalculáveis torturas, já não puderam suportar mais, haviam-se rebelado contra os demónios e tinham começado a lutar com eles, que fora de si ocupavam-se em acabar com o tumulto entre horríveis palavrões. Venceram ao final os terríveis e impiedosos demónios e ouvi ressoar nas profundezas da enorme caverna seu relincho, com o qual expressavam seu menosprezo pelos pecadores. Deste modo Satanás celebrava sua festa anual. Mas minha mente se ofuscou e senti um zumbido incómodo na cabeça. Depois passou por meu lado um redemoinho e fui arrastada para fora por uma força desconhecida.

     

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l QUINTA PARTE   è

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Nota de João Bianchi - Este capítulo não traz título na versão espanhola, mas penso que seja a descrição do Purgatório, num estilo um pouco enigmático. Quando a Fanny fala de planetas, pode ser uma forma de retórica, da  mesma maneira que quando vamos a um sítio em que o ambiente é totalmente diferente do nosso habitual, dizemos que parece termos chegado a outro planeta…

I

Sem saber como dizer como eu me encontrei no meio de um prado sem arbustos e aspecto triste, onde só brotaram aqui e ali, uma grama miserável. Pedras de diferentes tamanhos foram espalhadas por toda parte.

Além disso, o céu estava triste, como tudo ao redor; não havia qualquer coisa que pudesse decorar aquele triste quadro: não havia florestas, montanhas, não há nenhum rio, e não se descobria até onde alcançava a vista, nem uma árvore ou uma flor.

Não se ouvia nenhuma réstia de vida: não há animais, pássaros ou borboletas ou insectos. Toda a natureza dava uma sensação de extrema indiferença.

Só havia grande número de pessoas reunidas: alguns estavam sentados, outros caminhavam com apatia profunda.

Nenhum chorava, nem falava com tristeza do mundo terrestre destinado a morrer lentamente e onde todos tinham enterrado algo; e sentia-se em todos os presentes um determinado estado de espírito, como uma melancolia distinta, e distintos eram os suspiros, anseio por algo, não perdido, mas não alcançado. Esta nostalgia de Deus está presente em todos os lugares aqui...

Em tudo ao redor há um silêncio mortal. O ar é muito quente, no entanto, é mais fácil respirar aqui que no inferno; do céu fosco, chegam aqui, de vez em quando, rajadas de frescura.

De repente, vi uma luz pálida uma mancha luminosa começou a descer, deixando para trás um rastro de luz que se aproximava e me convenceu de que a mancha e a estrela luminosa eram a mesma coisa. Pouco tempo depois eu consegui distinguir que se tratava de um raio, certamente mandado por Deus. Iluminava tudo a uma grande distância.

Oh, o que alegre, santo e infinitamente querido foi esse raio para os oprimidos, habitantes aflitos deste planeta! Seus rostos, atrofiadas pelo sofrimento, se iluminaram imediatamente, com os braços estendidos para cima e uma luz de esperança se acendeu em seus olhos.

Percebi, então, que este raio não era outra coisa do que a oração pelos defuntos, pois dele já havia me falado o meu companheiro quando sobrevoou a catedral. Percebi também que, naquele momento, em qualquer lugar da terra se celebrava uma alguma coisa, e tinha lugar o mistério da consagração. Todos os fiéis elevavam orações para seus entes queridos falecidos.

Aquele raio abençoado não brilhou por muito tempo; no entanto, deu uma felicidade infinita para aquelas almas sem paz e, mesmo que por um breve momento, ele acendeu neles a esperança. Então ele desapareceu tão repentinamente quanto tinha aparecido. Tudo caiu de novo na obscuridade e pecadores voltaram a reclinar a cabeça, enquanto tudo em torno deles voltou a se clarear com fogos estranhos saídos das gretas da terra.

Olhava à minha volta com interesse quando de repente senti a presença ao meu lado, sem esperar, do meu companheiro. Eu me virei, e ele estava voltando para perto de mim, sereno e doce como sempre o tinha visto. E, num impulso de alegria sublime caí a seus pés: «Se você soubesse o quanto o medo, quanta angústia, eu experimentei sem ti», e minha voz tremia enquanto lhe dizia isto.

E ele respondeu: «Eu sei de tudo, não fales, acalma-te e tem fé em mim, teu protector; Eu estou sempre contigo. Tudo o que acontece, no entanto, fica a saber que tem de acontecer: por vezes é bem mais necessário que tu fiques só e vivas por ti, vivendo plenamente os teus sentimentos.

Estamos agora bem longe do inferno, e os espectáculos horríveis não te aterrorizarão mais. “

«E agora, perguntei eu, «posso dar graças a Deus?»

«Sim, tu podes.», disse o companheiro.

«Oh! Que angústia que eu senti lá atrás » - continuei -. «Eu não gostaria de acreditar nessa realidade terrível, mas como não acreditar em meus próprios olhos?» E ele: «Sim, é uma terrível realidade que tu viste.»

E vi diante de mim o rosto do mesmo santo que tinha visto no dia do juízo, cingida a cabeça com uma brilhante mitra. Ele estava vestido de forma diferente, mas seu rosto expressava imensa bondade e misericórdia. Ele se inclinou para uma pecadora absorvida em tristes pensamentos e com voz acariciadora disse categoricamente: «Coragem, não te deixes abater. Eu vou te ajudar, porque me dirigiram orações em teu favor. Tu já ouviste, no raio que desceu até ti, a oração que me dirigiram em teu favor, e também sabes quem rezou. Portanto, alegra-te e segue-me. O Senhor permitiu-me que te acompanhe à morada esplendorosa do Paraíso.»

Os olhos da pecadora brilhavam com infinita gratidão. Uma última lágrima caiu e, em seguida, a alegria brotou da alma e substituiu a negra angústia. E ela se ajoelhou, fez o sinal da cruz e disse: «Como é grande a misericórdia do Senhor, se me perdoou, a mim, que fui tão pecadora." E o Santo, abençoando sua protegida, que estava prostrada no chão, disse: «Não há limites para misericórdia do Senhor.» Depois levantou-se e, no mesmo instante o rosto da perdoada se iluminou e desapareceu também no espaço. Como algumas vezes uma pequena nuvenzinha liberta a chuva e desaparece a nossos olhos. E vi também chegar um raio dourado de oração. Olhei em volta e vi um homem rodeado de raios, que tinha os ouvidos voltados para a terra e chorava. Ouvia a ardente prece do seu amigo.

II

Enquanto isso, nos mudámos para outro hemisfério do planeta e nos encontrámos num mar de fogo transparente. Este fogo parecia tão estranho como é impossível compará-lo com qualquer coisa que conhecemos na Terra, e este curioso espectáculo me impressionou. Vi fileiras inteiras de espíritos malignos virem pelo ar, carregando, entre as patas, as trémulas almas dos pecadores que tinham fortemente agarrado. Mas aconteceu que alguns entre eles, não sei que razão especial, deslizando suavemente sobre o planeta, caíam e sobre ele lá permaneciam. E os espíritos malignos, surpreendidos por perderem a sua presa, voltavam para colher novas vítimas. Então eu perguntei ao meu companheiro porque aqueles demónios voam por cima e quem eram aqueles que ficavam na superfície do planeta. Ele respondeu: «Os demónios chegam aqui directamente da Terra, e por aqui devem passar para transladar-se para o inferno. Levam as almas dos pecadores acabados de morrer; e aqui ficam as almas daqueles que não são merecedores nem do Inferno nem do Paraíso.»

Fiquei espantada que eles não notassem, não vissem como esses espíritos malignos sobrevoavam o planeta, e parecia que não sofriam muito por esse estranho e incompreensível fogo.

Porque em nenhum lugar se ouviam gemidos desgarrados, mas apenas exclamações isoladas e suspiros que mostravam a emoção das almas e seu arrependimento; aqui havia esperança em Deus...

Nós continuamos voando ao redor deste enigmático planeta, cuja metade, como eu disse, era formado por um fogo transparente; a outra metade continuava a ser dominada pela tristeza: as pedras cinzentas e o árido deserto davam uma sensação de um fastio mortal, que matava todo o desejo. E eis que, no meio de um canto solene e sereno vi chegando a Virgem Puríssima seguido pelos Arcanjos, toda adornada de tecidos preciosíssimos. Sim, é Ela, é Ela. Seu rosto brilhava com uma luz celestial, brilhava e irradiava, purificando assim todas as almas. Ante Ela surgiu um pecador libertado. Era um daqueles que haviam sido libertados pela intercessão da Virgem. E Ela apareceu diante dele: “Tua alma fez-se mais pura pelo pranto da tua mãe. Eu vim por ti. Agora te conduzirei  ao mundo da beleza, onde reina o Deus Omnipotente.»

A minha alma começou a vibrar com mais força e me aproximei dEla. Teria querido me ajoelhar diante dEla, orar e chorar as minhas mais sinceras lágrimas; mas caí a seus pés, esquecendo todos os meus medos e todas as minhas tristezas. «Oh Santa Mãe, me leve consigo.», e murmurava, em êxtase, o seu nome. Ela assentiu, mas não entendi o significado de todas as suas palavras. Logo que me foi possível entender, repeti a mim mesma: «Acalma-te e dorme. Despertarás no infinito reino infinito da glória eterna.»

Então Ela me disse e eu adormeci a seus pés, sonhando que os anjos levavam a minha alma para fora daqueles tristes lugares para o alto, para os céus fulgurantes, cantando alegremente e louvando o Senhor.

Versão Espanhola

I

Sin yo saber decir cómo, me encontré en medio de un prado sin arbustos y de aspecto muy triste, donde apenas brotaba, aquí y allá, una mísera hierba. Piedras de distinto tamaño estaban esparci­das por todas partes.

También el cielo era triste, como todo alrededor; no se veía nada que pudiese adornar un poco aquel triste cuadro: no había ni bosques, ni montes, ni ríos, y no se descubría, hasta donde alcanzaba la vista, ni un árbol ni una flor.

No se oía latir vida alguna: ni animales ni pájaros, ni maripo­sas ni insectos. Toda la naturaleza daba una sensación de acusada indiferencia.

Solamente que había reunida mucha gente: algunos estaban sentados, otros paseaban con profunda apatía.

Ninguno lloraba, ni hablaba con nostalgia del mundo terrestre destinado a un lento morir y donde cada uno había sepultado algo; se sentía en todos los presentes un estado de ánimo particular, como de una melancolía distinta, como distintos eras los suspiros, nostalgia de algo, no perdido, sino no alcanzado; esta nostalgia de Dios está aqui presente por todas partes...

En todo alrededor hay un silencio mortal. El aire es muy caliente, sin embargo, es más fácil respirar aquí que en el infierno; del hosco cielo llegan aquí, de vez en cuando, ráfagas de frescura.

De pronto vi una pálida mancha luminosa sobre mí Esta man­cha empezó a descender, dejando tras de sí una huella de luz y a medida que se acercaba me persuadí de que la mancha y la estela luminosa formaban una misma cosa. Poco después logré distinguir que se trataba de un rayo, sin duda alguns mandado por Dios. El ilu­minaba todo a gran distancia.

Oh, qué alegre, santo e infinitamente querido fue este rayo para los oprimidos, angustiados habitantes de este planeta! Sus ros­tros, desmedrados por el sufrimiento, se iluminaron inmediatamente, sus brazos se extendieron hacia lo alto y una luz de esperanza se encendió en sus ojos.

Yo comprendí entonces que aquello no era sino el rayo de la oración por los difuntos, de lo que ya me había hablado mi compañe­ro cuando volamos sobre la catedral. Comprendí también que en aquel preciso instante en cualquier lugar de la tierra se celebraba una cosía y tenía lugar el misterio de la consagración. Todos los fieles elevaban oraciones por sus queridos difuntos.

Aquel bendito rayo no brilló mucho tiempo; sin embargo, dio una infinita felicidad a aquellas almas sin paz y, aunque fuera por un breve instante, encendió en ellas una esperanza. Después desapareció tan repentinamente como había aparecido. Todo cayó de nuevo en la oscuridad y los pecadores volvieron a reclinar la cabeza mientras a su alrededor todo se volvía a clarear con fuegos extraños que salían de las grietas de la tierra.

Yo miraba todo a mi alrededor con interés cuando de pronto sentí junto a mí la presencia, tan esperada, de mi compañero. Me volví y lo volvía ver cerca de mí, sereno y dulce como siempre lo había visto. Y en un impulso de sublime alegría caía sus pies: «Si supieses cuánto miedo, cuánta angustia he experimentado sin ti», y me temblaba la voz mientras se lo decía.

Y él me respondió: «Sé todo, no hables, tranquilízate y ten fe en mí, tu protector; estoy siempre junto a ti. Todo lo que ocurre, sin embargo, sabe que debe suceder: a veces es más bien necesario que te quedes sola y vivas por ti, tomando todo de tus sentimientos.

Ahora estamos bien lejos del infierno, y los horribles espectá­culos no te aterrorizarás más».

«Y ahora», pregunté a mi vez, «¿puedo yo dar gracias a Dios?»

«Sí que puedes», dijo el compañero.

«Oh! qué angustia he sentido allá abajo» – continué –. «No hubiera querido creer en esta terrible realidad, pero ¿cómo no dar crédito a mis propios ojos?» Y él: «Sí, es una terrible realidad la que has visto».

Y vi delante de mí el rostro de aquel mismo santo que había ya visto el día del juicio, ceñida la cabeza por la luciente, mitra. Vestía de modo distinto, pero su cara expresaba inmensa bondad y miseri­cordia. Se inclinó a una pecadora absorta en tristes pensamientos y con voz acariciadora le dijo llanamente: «Animo, no te dejes abatir. Yo te ayudaré porque me han dirigido plegarias en tu favor. Tú has oído en el rayo que ha descendido hasta ti la oración que me han dirigido en tu favor y has sabido también quién ha rezado. Por tanto, alégrate y sígueme. El Señor me ha permitido que te acompañe a la morada esplendorosa del Paraíso».

Los ojos de la pecadora brillaron de infinita gratitud. Una últi­ma lágrima tembló y enseguida la alegría arrojó del alma a la oscura angustia. Y ella se arrodilló, hino el signo de la cruz, y dijo: «Qué grande es la misericordia del Señor, si me ha perdonado, a mí, que he sido tan pecadora». Y el Santo, bendiciendo a su protegida que estaba postrada en tierra, dijo: «No existen limites para la misericor­dia del Señor». Luego él ascendió y en el mismo instante se iluminó el rostro de la perdonada y desapareció también en el espacio. Como alguna vez una leve nubecilla se suelta en lluvia y desaparece para nuestros ojos. Y vi también llegar un rayo dorado de oración. Miré alrededor y vi levantarse a un hombre rodeado de rayos, que tendía el oído hacia la tierra y lloraba. Oía la cálida plegaria de su amigo.

II

Mientras tanto nos trasladamos a otro hemisferio de este plane­ta y nos encontramos en un mar de fuego transparente. Este fuego parecía de tal modo extraño que es imposible compararlo con nada de lo que nosotros conocemos sobre la tierra y este curioso espectá­culo me impresionó. Vi filas enteras de espíritus perversos venir por el aire, llevando entre las patas las temblorosas almas de los pecado­res que tenían estrechamente cogidas. Pero sucedía que algunas entre éstas, por no sé qué especial atracción, deslizándose suavemente sobre el planeta, caían sobre él y allí quedaban. Y los espíritus malignos, asombrados por haber perdido a su presa, volvían afrenta­dos atrás, a cosechar nuevas víctimas. Entonces yo pregunté a mi compañero la razón por la cual volaban por encima aquéllos demo­nios y quiénes eran aquéllos que quedaban sobre la superficie del planeta. Me respondió: «Los demonios llegan aquí directamente de la tierra y por aqui deben pasar para trasladarse al infierno. Llevan consigo Ias almas de los pecadores apenas muertos; y aquí quedan las almas de aquéllos que no son merecedores ni del Infierno ni del Paraíso».

Me asombré de que ellos no se dieran cuenta, no vieran cómo, estos espíritus malignos volaban por encima de su planeta, y parecía también que no sufrieran mocho por este extraño e incomprensible fuego.

Porque en ningún lugar se oían gemidos desgarradores, sino sólo exclamaciones y suspiros aislados que dejaban traslucir la emo­ción de las almas y su arrepentimiento; aqui había esperanza en Dios...

Continuamos volando alrededor de este enigmático planeta, cuya mitad, como ya he dicho, estaba formada por un fuego transpa­rente; la otra mitad continuaba estando dominada por la tristeza: las piedras grises y el árido desierto daban una sensación de hastío mor­tal, que mataba todo deseo. Y he aquí que en medio de un canto solemne y sereno vi venir a la Virgen Purísima seguida de los Arcángeles, toda adornada de telas preciosísimas. Sí, es Ella, es Ella: su rostro brillaba con una luz celeste, lucía e irradiaba purificando así a todas las almas. Ante Ella surgió un pecador liberado. Era uno de aquéllos que había sido liberado por intercesión de la Virgen. Y Ella apareció delante de él: «Tu alma se ha hecho más pura por el llanto de tu madre. He venido por ti. Ahora te conduciré al mundo de la belleza, donde reina el Dios Omnipotente».

Mi alma empezó a vibrar más fuertemente y me acerqué a Ella. Hubiera querido arrodillarme ante Ella, rezarle y Morar mis más cálidas lágrimas; pero caía sus pies, olvidando todos mis temores y todas mis tristezas. «Oh Santa Madre, llévame contigo», y murmu­rada en éxtasis su nombre. Ella asintió, pero no comprendí el signifi­cado de todas sus palabras. Lo que me fue posible entender, lo repetí a mí misma: «Cálmate y duérmete. Te despertarás después en el infi­nito reino de la Gloria Eterna».

Así me dijo Ella y me dormí a sus pies soñando que los ánge­les llevaban mi alma fuera de aquellos tristes lugares a lo alto, hacia los cielos fulgurantes, cantando alegremente y alabando al Señor.

 

é 

 

l SEXTA PARTE

ONDE RESPLANDECE O PARAÍSO

I

Ouvi uma voz, não sei donde, que falou: Acima, desperta-te Fanny, e olha ao redor atentamente e escreverás o que vês. Nada excepto o Senhor, conhece cada homem, mas chegou o tempo de despertar os corações que estão afogados no pecado. Tu foste escolhida e designada para isto, e o que tens visto não pode ser revelado por um sonho comum. Para ti tem sido revelado o eterno mistério.

Eu murmurei: Mas... talvez eu não consiga entender!  E a voz falou: Eu te ajudarei sempre em todos os momentos.

Voltei-me como a despertar, abri os olhos e de pronto fiquei deslumbrada com um amplo azul que se estendia diante de mim numa grande distância. O tempo que havia passado entre as trevas infernais havia ofuscado meus olhos: aqui, diferentemente, a luz se derramava em torrentes e seus raios atingiam tudo ao redor.

Voltei meus olhos e pensei: Que belo aqui! Que ar balsâmico e perfumado! Que formoso jardim! Que esplêndidos e multicoloridos vestidos usam as almas que passam por ele! E que límpido céu azul! Nenhuma nuvem empana a nitidez da pureza! Só o atravessavam os anjos, desaparecendo pelo azul imaculado. A erva aqui é subtil, verde, deliciosamente fresca e primaveril, adornada de flores e não se dobra ao solene pisar dos anjos. Que agradáveis são os pequenos caminhos que o atravessam!

Onde me encontro, então? Este é o glorioso Reino de Deus? Este é o Reino, onde infinitos coros de santos e querubins se inclinam ante o trono do eterno? Os sonhos, os benditos sonhos de minha vida; é aqui que se tornam em realidade? Rosas, rosas em quantidade, formam uma alfombra debaixo de meus pés, rosas se unem ao meu redor como grinaldas posando em meus braços e me deleitam com seu suavíssimo perfume.

Pouco a pouco se me aclararam os pensamentos; e logo me ressurgiram as espantosas impressões de minha estadia no inferno. Mas notei que me vieram despertar almas desconhecidas vindo ao meu encontro, leves como borboletas, tanto que eu sequer ouvia seus passos. Tinham vestidos multicoloridos e suas faces eram cheias de felicidade, e reflectiam uma bondade sem limites.

Elas me disseram: Irmã: levanta-te! Estás agora no Reino do Pai Celeste, cujo Espírito vive em todas as coisas. Estás aqui, por Sua vontade, para que o homem não se extravie na dúvida, em busca inútil, para que possas contar na terra a nossa vida aqui, porque a viste.

Aquela linguagem era para mim totalmente nova, porém eu a entendia como se fosse a minha língua materna. Levantei-me, tremendo de emoção, ao pensar no que me fora concedido: sair do inferno e anunciar depois, em êxtase, as criações celestes. As almas então, me acompanharam a uma fonte, onde bebi. Como por encanto, todo o meu medo desapareceu e se desvaneceram também os horrendos pesadelos do tétrico inferno. O mesmo que ocorre com alguém que esquece dos pesadelos, tão logo desperta. Então, mais tranquila, comecei a contar: 

Venho do inferno! Ali existe somente uma eterna noite, sem luz alguma, já que lá em baixo a luz foi apagada pelo Senhor. Não existe sol, não existem nuvens brancas. Por toda parte sombras e trevas. A terra não produz nenhum fruto, tudo é vazio e morto e somente pesa, sobre tudo e sobre todos – soberano – o eterno sofrimento. Assim deseja satanás, que ameaça inclusive enviar a terra o anticristo, que converterá os homens em seus escravos.

Eu ouvi, entretanto, suas vozes: Nós rogamos aqui ao Senhor que faça cessar desde agora a vida na terra, porém ele responde que, todavia, não chegou ainda a hora. Que vivam, ainda, os homens.

E voltei a dizer: Lá em baixo, no inferno eu vi... Porém fui interrompida: Não fales! Nós sabemos já tudo! Ali não valem de nada as tribulações nem os tormentos dos pecadores. Aqui, em contrapartida, é o Paraíso, cheio de toda a perfeição, e Deus reina gloriosamente nele, entre os doces cantos dos serafins, enquanto, em todas as partes florescem plantas e maduram frutos. Aqui podem viver somente as almas santas; aqui está a fonte dos pensamentos superiores e das ideias sublimes. A água dos regatos é pura e as asas dos anjos têm um esplendor prateado. Aqui ninguém trabalha e todos gozam dos bens que foram criados para os justos.

Uma delas trazia uma pedra preciosa, diferente das terrestres e tão grande que só a duras penas puder recolhe-la. A quem pertence esta pedra, perguntei? Posso leva-la comigo? Vale muito?

 Certamente  me respondeu – seu valor é considerável: vosso mundo não possui pedras similares e nem toda a terra seria suficiente para comprar uma só delas, porém acima, o Senhor as dá a todos que chegam a Ele. Se estás cansada, podes deixa-la no solo, que ninguém a tocará. Tu despertaste a pouco e não tens visto ainda nada ao teu redor. Olha quantas pedras aqui, e ainda mais belas que aquela. Aqui nada se vende nem se compra, porque aqui são inumeráveis as coisas raras. Se tu estivesses aqui há muito tempo, te asseguro que nem as terias tocado. Aqui existem pedras preciosas em tão grande quantidade que já não fazemos caso delas. Nossa alegria são as festas, que nos dão a possibilidade de voar por todos os astros e admirar a glória do Senhor. Nestes dias nos encontramos também com nossos entes queridos. Nas festas, só nas festas, vemos nossos parentes e amigos.

De pronto ouvi uma música dulcíssima: deixei cair a pedra preciosa e partimos daquele lugar. Ao redor de nós havia um dulcíssimo perfume de flores do Paraíso. Junto a uma sonora cascata nos detivemos e admiramos a esplêndida paisagem. Então meu companheiro se uniu a comitiva e, pondo sobre minha cabeça uma grinalda de flores em forma de coroa disse: Aqui há sempre uma bela primavera! Em todo o redor se erguiam majestosas palmeiras, que murmuravam, movidas por uma leve brisa que fazia mover as suas folhas. Naquele jardim havia um grande número de alamedas frondosas e caminhos, porém não se via ninguém andando por eles. Meu companheiro me guiava e me levava sempre adiante, e mostrando-me vários objectos, para mim de todo desconhecidos e sobre eles me ia explicando, porém eu não sabia dar-lhes um nome em nossa linguagem humana. Nem poderia descrever sua beleza, porque a linguagem da terra é demasiado pobre.

Agora te mostrarei  disse meu companheiro – os outros planetas nos quais talvez, um dia viverão eternamente as almas daqueles que na terra foram de outras religiões, mas viveram uma vida recta, e acreditaram num único Deus. E naquele mesmo instante nos encontramos sobre estes planetas sobre os quais me ia falando meu companheiro. Eram formosos por sua cor e me quedei admirada por sua paisagem. Mas meu companheiro me disse que sua beleza era muito inferior ao brilho do paraíso dos cristãos.

Como me havia indicado meu companheiro, estavam por hora desertos e somente o canto dos pássaros rompia o grande silêncio, enquanto vez por outra coros de anjos voavam por cima cantando hinos ao Criador. Agora chegamos aos mundos onde estão as almas dos cristãos.

II

Durante o voo eu admirava distintos e maravilhosos aspectos da vida celeste. Na passagem encontrávamos grandes e luminosos cometas de cauda flamejante. Alguns tinham três caudas e se iam voando pelo espaço infinito, deixando em sua passagem estrelas douradas. No fundo céu via as estrelas que de repente se separavam de sua rota e se precipitavam no infinito, sozinhas ou em grupos de milhares, formando como que um nuvem de ouro cintilante. Às vezes, em meio a estes mundos, passavam velozes esferas ardentes que deslumbravam a vista. Todo este espectáculo era tão grandioso e inconcebível que eu percebi que tudo aquilo era ainda e apenas uma pequeníssima gota do imenso mar do criado, e quão perfeito e Omnipotente é Deus, Criador e Senhor do Universo.

E dirigindo-se a mim, meu companheiro disse: Não existe na terra nenhum mistério que seja comparável em grandeza ao do além túmulo. O homem pode subjugar as forças da natureza, porém não poderá nunca saber o mistério do além. E indicando-me o Céu falou: Vês estes pontos luminosos? São planetas sobre os quais existe uma vida eterna, porém estão separados da terra por um espaço inacessível. Depois, continuando nosso voo, fomos chegando a um planeta que fazia tempo brilhava entre os outros, similar em forma à terra, porém de dimensão menor. Quando chegamos, observei que o solo de uma cor diferente da terra: era pardo e roxo claro.

Eu me assombrei também pelo imenso número de rios que cortavam a planície em todas as direcções. Havia também lagos, porém a natureza em geral se diferenciava da terrena.  Até o ar era diferente, porque eu respirava mais livremente. Tudo ao redor era festa de cores. A água dos rios e dos lagos era azul turquesa e não pelo reflexo do Céu, mas sim pela própria faculdade. No horizonte se erguiam montanhas altíssimas de uma cor violeta escuro. Nos achegamos aos bem-aventurados que estavam ali.

Eles contavam a um novo hóspede do paraíso, chegado fazia pouco tempo, a grandeza e a Glória do Senhor, sua Majestade; a sabedoria que concede a eles, a liberdade que gozam ali, onde não se lhes opõe nenhuma barreira nem espaço; sua clarividência, pela qual eles experimentam grandes satisfações. Passa o tempo, os séculos se sucedem, porém nenhum teme esta carreira, e ninguém tem qualquer inimigo. E nos dias de festa nossa alma espera a reunião como seus entes queridos e não pede outra coisa.

Calaram-se, e então ressoou um hino sagrado. Eu olhava cheia de admiração a estes bons seres, almas sensíveis que rezavam e conheceram na terra a piedade e souberam apreciar o trabalho dos homens. Sobre isso me falou meu companheiro quando lhe perguntei por quais caminhos terrenos se pode chegar a este reino.

Subimos até bem alto para admirar o panorama do vale, e um espectáculo grandioso se nos apresentou. Amplas extensões de prados, adornados de esplêndidas flores e árvores curvadas até o chão pelo peso de frutos dourados. Do alto descia um claro raio de luz sobre a floresta de folhagem murmurante. Era o mais esplêndido bosque que eu já vira, e dava frutos que não são vistos na terra, alguns dos quais tinham um aroma como de vinho perfumado. Detive-me ali por longo tempo, fascinada por aquele espectáculo maravilhoso, e enquanto meus olhos apreciavam tudo, a natureza parecia dizer: tudo isso é dom eterno para os justos.

Agora que vês o reino do além – me disse meu companheiro – é bom que saibas que as almas dos justos às vezes podem descer à terra porém invisíveis a todos. E isso sucede em dias de festa, quando se lhes concede ir a visitar os seus amigos e sua tumba vazia. Mas apenas seus queridos tenham abandonado a terra, esta se volta aos justos, completamente indiferente aos que deixou. Te mostrarei agora a região onde vive eternamente tua mãe.

III

Depois de haver admirado longamente este quadro que me alegrou verdadeiramente, nos dirigimos voando até o local onde se encontrava minha mãe. Chegamos logo nas proximidades de um planeta de dimensões tão excepcionais, que me pareceu ser muitas vezes maior que a terra. Era meio dia e o sol estava pleno. O céu era de um azul puríssimo e estava levemente marcado por nuvenzinhas alvíssimas. Vi os flancos das montanhas brilhar de ouro e prata; pedras preciosas de muitas cores pareciam ter sido espalhadas entre as rochas por uma pródiga mão; corriam arroios e prateadas cascatas iam gotejando; tudo ao redor era formado de pequenos lagos, repartidos aqui e acolá; quietos corriam rios, reflectindo em si o sol, as nuvens e a maravilhosa natureza. Aqui havia luz ininterruptamente, pois durante o dia iluminava o sol e durante a noite algumas estrelas o acompanhavam dando-lhe uma luminosidade azul.

Caminhamos por uma ampla estrada que nos levava a um esplêndido jardim, todo rodeado, a maneira de muralha, por uma fileira de ciprestes de espessa folhagem. Aqui, neste reino perfumado, nos detivemos. Fiquei, em seguida, impressionada pela beleza e pela variedade de cores que possuíam as flores daquele lugar, todas inocentes criaturas do Senhor. Algumas, entre elas, eram tímidas e modestas. Outras, ao contrário eram belíssimas, porém totalmente indiferentes à própria beleza. Nenhum pintor saberia reproduzir os tons e os matizes próprios destas flores. Algumas mudavam continuamente e em suas mudanças havia tão grande diferença que é literalmente impossível capa-las e descreve-las. Na terra não existem cores capazes de dar sequer uma pobre ideia desta maravilha. Ninguém na terra pode preparar perfumes que se possam igualar ao doce aroma das flores do Paraíso. Estas flores não produzem embriagues, somente um prazer intenso. Eu respirava, com uma alegria não humana, o ar impregnado daquele dulcíssimo sopro.

E não havia nem sequer uma flor que não atraísse com doce simpatia a minha alma. Eu sentia que em todas elas vive o Espírito Divino, ao qual as cores vivas e as inumeráveis formas servem de expressão, numa harmonia que pode ser claramente intuída.

Tudo aqui era belo. Sem ruído, semelhantes a leves borboletas voavam os anjos. De repente, através da folhagem de uma espessa vegetação, ouvi uma voz bem conhecida por mim, e reconheci a voz de minha querida mãe. Atirei-me para aquele lugar: a voz querida conservava seu encanto de outros tempos, e não via o momento de me encontrar com ela. Diante de nós apareceu um quiosque esculpido de pedra azul, parecida com turquesa nele vi minha mãe, formosa como nunca, alta, esbelta, envolta em véus vaporosos. Seus olhos eram idênticos aos que tivera em vida, porém o rosto era diferente. Também tinha a cintura mais delgada e os cabelos mais brilhantes e penteados de outra maneira. Seu rosto era todo liso, enquanto ao redor da cabeça brilhava uma auréola. E também brilhava uma auréola em torno de todos aqueles que estavam com ela. Ela lhes falava e eu escutava avidamente cada sílaba sua. Depois se levantou e chamou as amigas. Atrás dela ondeava um véu.

Ó que maravilhoso é poder ver, sã e formosa, a própria mãe morta um dia por mãos de miseráveis assassinos. Que belo voltar a vê-la no Paraíso, cheia de um bendito êxtase! Dificilmente se poderia repetir a alegria de minha alma, que seguia em sobressalto a cada movimento seu. Vi seus olhos pousar sobre a imensa amplidão da água, que era toda uma paleta de luzes e cores. Parei diante dela, comovida, ansiosa pela espera e, admirando seu aspecto, recordei minha infância e a chamei docemente: Mamã! E chorei, beijando-lhe as mãos, enquanto meu coração batia forte.

Porém ela não sentia a minha angustia nem minha ansiosa chamada, apenas olhava a eterna beleza das águas com um maravilhoso sorriso nos lábios. Abracei-a e encostei minha cabeça ao seu peito? Mamã! Porque estás tão indiferente aos carinhos de tua filha? Diz-me, mamã, pelo menos uma palavra! Porém ela estava calada. Acaso não me reconheces mais? E dizendo isso, beijava seus vestidos, mantendo-a abraçada, porém ela, vaporosamente me escapou. Eu fiquei muito triste: Companheiro, sou por acaso uma desconhecida para ela? Não – me respondeu ele – isso é porque tu pertences à terra e ela ao Paraíso. E assim nos fomos voando pelo crepúsculo azul. Por toda parte, em meio às flores, brilhavam luzes acesas em honra a Deus. Aqui não existe sol como em outros mundos; aqui a luz vem de Deus.

Voamos mais acima, porém quanto mais me elevava, mais crescia em minha alma uma grande tristeza, entrementes eu ia olhando cuidadosamente os montes e os bosques deste planeta, onde havia deixado minha mãe.

Não fiques triste  disse meu companheiro – tu viste que tua mãe recebeu o dom do Paraíso. E a verás mais uma vez, junto com teu pai, quando assistirmos juntos a festa das festas, a maior de todas as festas, a Santa Páscoa. Agora, em tempo, te mostrarei um planeta cujo esplêndido aspecto te assombrará muito.

é

 

V

Como deveríamos visitar ainda outros planetas, re-emprendemos nossa viagem. Por cima de nós vimos uma belíssima estrela e para ela nos dirigimos. Mas quando chegamos perto, ela desapareceu. Havíamos entrado em uma cobertura de vapores que vagavam lentos pelo céu difundindo, por toda parte, sombra e frescura. Quando os transpusemos, vimos palmeiras altíssimas que pareciam tocar os céus e esparziam sombra ao redor com sua folhagem, prometendo repouso e quietude. Das palmas saíam frutos estranhos, grandes e cheirosos, de polpa rugosa, de diferentes formas; abaixo delas se estendiam, como alfombras, prados cobertos de flores. De vez em quando o azul do céu se adornava de raios multicores.

Este era o mais solene de todos os planetas; aqui havia inumeráveis tesouros: as montanhas eram de ouro e pedras preciosas, que deslumbravam os olhos. Nos lagos azuis a água era tranquila e não se ondulava, permanecendo sempre pura e cristalina. Descemos sobre um prado cheio de flores, onde as árvores frutíferas dobravam seus ramos até o solo. Eu colhia aqueles frutos, que pareciam dissolver-se na boca, porém não encontrava nenhuma semelhança com os frutos da terra. Sobre este descampado, uma fonte luminosa do céu espargia sua luz; seus raios rosados se espargiam pelo espaço, dando ao ambiente, tons muito delicados.

A erva era fina e atapetada como uma alfombra que cobria, por vontade divina, toda aquela mágica extensão; e das grandes alturas caíam brancas fileiras de cascatas. Aqui estão as moradas dos santos, me disse meu companheiro, e lhe perguntei então se no Paraíso havia diferença de tratamento entre as almas.

Sim, disse meu companheiro, aqui a vida é diferente para cada uma destas almas, como são diferentes os planetas do Céu: cada um recebe a graça sempre dentro do limite de seus méritos terrenos, e não pode ser mais ampla ou maior do que isto. Certamente há uma grande diferença, porque os justos levaram apenas uma vida normal, sem fazer mal, e seguindo os mandamentos com os limites de suas próprias forças. Mas os outros, os santos, têm feito, em contrapartida, de sua vida um sacrifício de louvor a Deus e desprezando os bens deste mundo se entregaram completamente a Deus, vivendo somente uma vida espiritual. E muitos deles, que têm estado, todavia na terra, se tornaram quase espiritualizados; por meio deles o Senhor manifestava Seus sinais; e através deles criava milagres e através deles implorava que cumprissem Sua vontade”.

E vós, ó homens, conservai uma eterna memória deles, e sejam, as festas em sua memória (dos santos) uma recordação de louvor aos seus maravilhosos feitos. E que os homens amem e respeitem a vida espiritual, grande e santa, que eles levaram da terra.

Neste entretanto, ao nosso redor soavam harpas invisíveis e os santos passavam ligeiros sem que seus passos deixassem marcas. Seus movimentos, seus gestos e cantos eram de uma beleza nunca vista. De vez em quando, como relâmpagos, passavam anjos, cujo doce canto até agora ainda me ressoa aos ouvidos.

Entrei em uma morada e vi um santo que estava pensativo com os olhos fixos no espaço. E meu companheiro me explicou que este santo enviava seu pensamento a outro mundo, para se corresponder com um amigo. Depois saímos dali e voamos baixo, entre as moradas dos santos, e as pude admirar muito, com seus esplêndidos e perfumados jardins. Nestes jardins se recolhem os santos, com seus vestidos brancos e claros como o sol. Suas cabeças estavam rodeadas de uma claridade como de auréola dourada, e notei que esta luz somente emanava dos santos, derramando-se deles e iluminando tudo ao redor e até atrás deles se derramavam torrentes de luz dourada.

Diminuímos nosso voo, e nos detivemos em cima de um alto monte; e daqui pode ouvir uma campainha, que repercutia também em mim. Ouvia aqueles sons com a alma e compreendia que anunciavam aos anjos e aos santos a luminosa manhã. Era – compreendi em seguida – o alvorecer do dia puríssimo, o alvorecer da Santa Páscoa.  

Aquele repique não era outra coisa senão o ressoar das ondas jubilosas de gozo dos bem-aventurados. De repente, todos se levantaram para voar. E me parecia que um anjo me bateria com as asas ou me queimaria com um raio ardente. Onde havia ido meu companheiro, o protector de minha alma adormecida? Eu estava intranquila e comovida: o céu flamejava luzes vivíssimas e foi aqui que voltei a ver meu companheiro. Estava junto de mim! E me disse: Agora tu voltarás só, pelos céus esplendorosos, enquanto eu irei com os outros.

E aconteceu que, embora me sentisse uma nulidade em comparação com os santos, de improviso me cresceram nas espáduas, asas luminosas: Eu as abri ligeiramente; elas me elevaram pelo céu. Junto de mim disse uma voz: É preciso ensinar tudo à alma de um ser vivo. Me olhei e me vi com roupas novas. As asas me levaram cada vez mais alto e enquanto eu voava pelo azul infinito, não me acudia a mente nenhum pensamento.

Ao redor, os espaços infinitos. Que ilimitada distância! Meus olhos curiosos já não se assombravam com mais nada: no espaço infinito, sempre novos mundos, iguais em aparência, entretanto sempre novos me pareciam. Tudo era tão novo para mim que eu me esquecia até de mim mesma e ia vagando pelo céu, ligeira como um pássaro, ébria de espaço, cantando pela alegria desta vida imortal. O santo coro cantava os feitos da vida de Cristo na terra, enquanto com seu azul, o céu perfilava e rodeava maravilhosamente os corpos dos santos. Em seus olhos havia amor e beatitude: seus corpos eram transparentes sobre o fundo radioso do céu. Meus olhos buscavam com avidez cenas e aspectos desconhecidos da vida celeste. Por todas partes, novos mundos e infinitos espaços. Eu subia cada vez mais alto e não queria voltar mais para baixo: a antiga timidez tinha desaparecido e os espaços celestes já não me atemorizavam.

Aqui, por questão de espaço, fazemos um corte no texto para seguir em novo bloco, com a sequência das revelações. Não deixe de ler o que segue, amigo leitor. É algo fantástico e imperdível, saber antecipadamente do lugar onde poderemos morar eternamente.


é

 

VI

Assim entrei no Paraíso onde cada mínimo rumor de prece é como incenso nos ares. Que esplendoroso, amplo e luminoso era. Por todas as partes ardiam luzes, acesas pela própria mão do Criador. Os moradores, dignos do Paraíso, se estavam reunindo para a festa. Eu fiquei impressionada com a extraordinária beleza das flores e das grinaldas que adornavam os altares, diante dos quais se queimava incenso em honra ao Deus Criador.

 Que maravilhosa festa! Os formosos toucados estavam impregnados de aromas dulcíssimos, muito diferentes dos terrestres. Os vestidos não eram tecidos, porém havia árvores colossais que produziam grandes mantas, adequadas para cobrir-se. Eu tinha ouvido o rumor daquela folhagem que deixava cair no solo gotas de orvalho, e também vi outras plantas de folhas parecidas com asas de borboletas, gigantescas e multicores. Neste planeta os vestidos de cada um se reconheciam pela cor. Todos segundo seus próprios méritos: cada habitante do Paraíso tem suas cores, que se fixam e assim ficam para sempre. Há quem tenha amarelo, roxo, verde... 

Todas as coisas no Paraíso são multicores; assim, que cada um, segundo a sua cor, pertence a uma determinada categoria de almas. Estas podem vestir-se e adornar-se segundo esta categoria; se alguma destas almas quiser trocar seus esplêndidos vestidos com outro da mesma cor, porém não de outro matiz, podem fazer e então, o outro, deixado de lado, voa e se desfaz no ar. O efeito que se obtém é esplendentíssimo, e também as auréolas despendem chispas da várias cores.

Eu vi como iam chegando os anjos, com seus vestidos azuis a asas brancas que o vento movia. Que formosos eram em sua eterna juventude. Depois, a noite cobriu a abóbada celeste com véus escuros. Todos levantaram os olhos cheios de esperança e um coro dulcíssimo começou a cantar: Todos estão em Cristo e Cristo está em todos! O canto tinha uma harmonia que para descreve-la são inúteis as palavras. Todos esperavam em silêncio, imóveis, com os braços cruzados sobre o peito. Parece que algo os impedia de moverem-se; e a distância se ouvia o rumor de asas, enquanto se abriram milhares de novas flores e cantaram milhões de anjos. A mente, que vaga absorta em luminosos pensamentos compreende como se alguém o tivesse dito: Cristo Ressuscitou! e não pensa outra coisa. Todos choravam mansamente, tanto lhes havia comovido aquele doce canto.

O canto era cada vez mais forte, recordando o Calvário de Cristo: o Sagrado Templo do Universo ressoava de hinos sagrados. De repente todos se calaram de emoção: pressentia-se a presença de Cristo! Os pássaros haviam deixado de cantar e os anjos haviam parado de falar. Quieto também estava o bosque, até a pouco tão loquaz. Toda a natureza estava imóvel sentindo a festa de seu Senhor. Os anjos, na espera de Cristo, continham até a respiração. Foi então que do alto chegaram sons alegres coros, cantados somente por maravilhosos querubins. Estes tinham asinhas resplandecentes de ouro, todas tensas como as pétalas de uma flor, enquanto suas cabeças se inclinavam delicadamente. Ligeiras e suaves estas cabecinhas rodeavam a Cristo, e seu canto era sobre-humanamente doce. Eram miríades, e suas asas se moviam sem tréguas.

O esplendor do céu, entretanto as tornava ainda mais formosas: e as auréolas irisadas que os rodeava entrelaçavam-se entre si produzindo um efeito dos mais extraordinários; aumentavam as vibrações da música encantadora, aumentavam os acordes do jogo de luzes, aumentava a alegria das almas e uma onda de emoção invadia a intimidade da alma. Não podem ser encontradas as palavras exactas para descrever a imensidão daquela alegria e daquela felicidade. Esta alegria, e esta felicidade, não são como as conhecidas na terra: são eflúvios que fazem vibrar todo o ser, como se nos transportasse a um êxtase sublime. A alma, em tal momento é como se quisesse chorar e também cantar.

Reluzia Cristo, infinitas vezes mais que o esplendor do sol e ante a Luz que Dele emanava, tudo o mais se escurecia. Ao Seu redor, os querubins cantavam docemente: A natureza se adorna do Senhor! E vinham em direcção Dele, com as mãozinhas debaixo das asas, e desapareciam em Sua luz. Na amplidão do etéreo caminho estavam esparzidas flores em profusão, e rosas, em memória da ressurreição. Em torno de Cristo havia uma auréola que igualava em esplendor à soma da auréola de todas as criaturas. Seus olhos reluziam de amor: a cor de suas pupilas era a cor do Céu e suas vestes estavam entrelaçadas de claros raios.

O Espírito do Altíssimo brilhava em Seu rosto. Ele Se alegrou com todos os justos pela vitória sobre o inimigo e todas as almas tiverem um só alento junto de Cristo. E em seus rostos floresceram sorrisos ao ouvir a saudação: Glória ao Senhor! O som da música celeste, perfeita em seus acordes e ressonâncias, mesclava-se com a perfeita harmonia, tão diferente da música terrena que é impossível descrevê-la!

Há, nas notas, completamente desconhecidas aos ouvidos dos mortais, como que doçura e santidade. Esta música das esferas celestiais desperta nas almas dos ouvintes uma alegria tão luminosa e pura, que tudo o mais se esquece e se apaga; um único desejo toma todas as almas: render honra e glória continuamente ao Senhor! Cantaram logo em resposta, e apenas se calava um coro, ouro começava o mesmo canto.

Então se levantou a Virgem Maria e se pôs aos pés do Senhor, porém distante, resplandecendo no fulgor de seus raios, enquanto na parte oposta se ergueu o Arcanjo São Gabriel, que levantando uma fugida Cruz anunciou: Cristo Ressuscitou! E milhões de almas responderam: Em verdade, Ele ressuscitou!

Junto de mim passou um santo, e sua face me pareceu com a de alguém que eu não via há muito tempo. Tremendo de emoção, eu escutava o grito sempre crescente da multidão: Cristo ressuscitou! Cristo ressuscitou! E ao redor Dele havia muitíssimos cristãos, de todas as partes e seu amor igualmente animava a todos. Os querubins voavam por todos os lados, alegres, cantando louvores pela vida eterna. Seu canto punha a alma em êxtase, e os justos sabem bem que mil anos de feliz Paraíso passam como um só dia. Suave se ouvia um som de lira e o divino mundo estava impregnado daquela melodia encantadora. A cada passo aumentava a alegria e cada vez mais alto ressoava a oração. E eu vi como o irmão se encontrava com a irmã. Havia chegado a hora da data festiva e as almas voavam uma para a outra.

Não era uma reunião como as que estamos acostumados a ver aqui em nosso mísero mundo terreno. Ali as almas estão privadas de seus corpos, não têm necessidade de expressões exteriores para manifestar seu afecto, pelo que interagem apenas com um movimento da parte sensitiva da alma. E como todo o Paraíso está como que impregnado de amor, e tanto o ar do espaço está saturado dele, que por eles se transmite o amor, por meio de vibrações. Não há necessidade de falar: cada alma é transparente ao pensamento dos outros e nada se pode esconder.

Assim, quando se encontram os entes queridos que se amam, sua auréola cintilante irradia muitas vezes mais, pela alegria do encontro. Porém, ao mesmo tempo nunca se esquecem, por primeiro de tudo, de amar ao Senhor. E assim eu vi encontrar-se homens e mulheres muito diferentes, que haviam vivido em épocas distintas, porém todos se sentiam unidos ao Senhor. Ao redor, todo o firmamento despendia raios de luz vivíssima, como uma formidável expressão do Amor Universal.

Que outra alegria pode comparar-se a esta ternura infinita? Deus concedeu aqui o dom do Amor, e aqui não se fala mais que de amor, porém um amor santo, enlevado e não terreno. Aqui são desconhecidos os sofrimentos do amor terreno.

Depois que duas almas se haviam encontrado, entoando um hino, elas voavam ar afora em um êxtase amoroso. E eu disse a meu companheiro: Sem o amor, o Paraíso não seria perfeito! Pelo eu ele me disse: Aqueles que tenham amado em vida permanecem unidos no amor também depois da morte!

Tu me havias prometido – disse eu ao meu companheiro – me mostrar o dia de festa de meus pais. Porém, como, não os viste? não, disse eu surpreendida! E ele falou: talvez não os tenhas reconhecido, mas entrementes, passaste precisamente junto deles. Nos dias de festa, quando os justos vêem a este planeta, é concedido a todos os parentes unir-se, gozando juntos a alegria do encontro. Eu te havia prometido uma coisa e a mantenho! Olha, estão aqui! Então eu os vi e verdadeiramente e reconheci a meus falecidos pais: e experimentei um infinito sentimento de amor, de ternura e de emoção. Porém eles desapareceram em seguida!

Olhando ao redor vi que todos tinham o mesmo aspecto inteligente e feliz, assim que ninguém necessitava de conselhos e ajudas, porque cada espírito já havia entendido tudo aquilo que Deus concede compreender as suas criaturas. E é tal que, se o Senhor oferecesse a quem tenha sido na terra um pobre mendigo, o voltar a vida terrena como um imperador, ou rei deste mundo, ele choraria suas mais cálidas e sinceras lágrimas, rogando ao Senhor que não o privasse nunca das alegrias celestiais. Ó, que doce é a vida no Paraíso!

Então, Cristo começou a conversar com todos. E a Ele subiam louvores e bênçãos, mas ninguém ousava achegar-se perto de sua Sagrada Pessoa.

VII

E naquele momento a Virgem dirigiu uma ardente oração a Cristo. <A Ti, oh Senhor, peço a salvação de todo o povo caído da terra, que vive debaixo do jugo dos ímpios e chefes cruéis. E a quem mais digno poderiam dirigir-se em sua dor? Quem os pode libertar das cadeias? Somente Tu, ó Cristo Salvador poderás, com a misericórdia de Tua graça, tornar serena a vida cinzenta e penosa destes escravos impotentes. Salva-os! Ensina-os! Dá-lhes a Luz que os guie nas trevas! Torna a trazer, à sua terra nativa, estes exilados! Derrame as Tuas bênçãos sobre sua desventura. Eles me rezam, pedindo por Tua Pátria, e eu, Filho meu, imploro tua misericórdia, maior que toda a culpa>.

Assim havia rezado a Santa Mãe Maria, e naquele momento um dos justos, com vestido de ouro, se prostrou diante de Cristo e de braços abertos Lhe dirigiu a seguinte oração: Ó senhor, no luminoso dia de Tua ressurreição, da libertação do povo que um dia confiaste ao meu cuidado, faz ressuscitar na fé e guia seus passos para o justo caminho. Senhor, favorece a meu povo: A Rússia chora! Eu tenho estado lá em baixo e tenho visto como todos, a excepção de uns poucos ímpios, invocam Teu Nome. Ó Cristo, Senhor do mundo: Tu que vês tudo, e podes tudo, ajuda-os!

Ele o olhava com profunda humildade, encolhido, e de pronto reconheci: ante Deus estava meu soberano! Que terminou dizendo: ó Senhor perdoa-nos, que somos teus servos! Depois se calou com um grave suspiro!

Então falou Cristo sobre a vida Eterna e todos O escutaram com muita atenção, porém as palavras do Senhor eram tão elevadas que não tinham nada a ver com nossa mentalidade terrena. Não se podia escutar as palavras de Cristo, sem comover-se, tanta era a bondade do Senhor; minha mente não as compreendeu! Mas minha alma sim, porém este mistério é sobre humano: Eis porque esta Páscoa foi para mim tão luminosa!

A Santa Mãe, toda resplandecente de raios, tomou lugar junto a seu Divino Filho e meu soberano e disse: Tua sabedoria, ó Senhor, é tão grande que Tua vontade é para mim mais querida que a minha. E então uma onda de entusiasmo pareceu envolver a todos. Cristo ascendia! Para Onde? Mistério!

Mistério que a alma não pode resolver, que os olhos não podem saber: onde se encontra Deus! Subia Cristo e junto com Ele sua Mãe Santa, esplendentíssima em sua majestade. E enquanto eles desapareciam naquele mar de luz, os bem-aventurados cantavam:

Glória infinita a ti, ó Salvador!

Sol e alento do Paraíso!

Tua Luz, que nunca se escurece e morre,

Nos entra como o ar de um suspiro!

E vemos com a visão espiritual

Os muitos Universos de Teu Reino.

Tua face, aguda como flecha,

Trespassa cada alma em seu perfil

E seu destino eterno traça.

E nossa eternidade formosa,

É como um milagre:

Vemos a paz do Universo

E nele, a paz de cada estrela,

De cada mundo, que é sagrado.

Teu comando ordena os céus!

Por tua Vontade Divina está traçado

O caminho de cada um,

E por toda a eternidade. 

Assim cantava os louvores a Cristo o coro celestial. Depois todos os bem-aventurados voaram: uns para seus parentes, outros para seus amigos, e outros para a terra, para rever a seus queridos amigos.

Difícil é descrever as esplêndidas alegrias e os divinos êxtases de muitos, mas me foi proibido falar. Com certeza, se o homem pudesse imaginar o que é o Paraíso, com que desejo não invocaria a morte? Porque no além, acima, se sucedem sem fim as alegrias, umas atrás das outras. Eu não saberia decidir outra coisa. Por pura casualidade me foi concedido visitar o Paraíso!

Conclusão da Autora

Neste momento, passei a experimentar um cansaço geral. Tive a sensação de que algo como um vestido pesado, tosco, áspero e estreito encerrava meu ser etéreo. Fiz um movimento com a cabeça, movi meus braços e senti o contacto com uma tela. Isso é um cobertor, pensei confusamente!

Abri os olhos e em lugar do Céu límpido e luminoso vi o teto da sala, as paredes brancas e a cama do hospital. Meus sonhos haviam terminado! Eu havia despertado, depois de um sono letárgico de nove dias.

Desde Han-Kow – China – fui levada a ir até a enorme cidade de Shangai, para uma operação urgente. Pelas ruas se levantavam magníficos e soberbos palácios, sede de bancos europeus e chineses. Os hotéis de luxo me recordavam os palácios imperiais reais, e também as casas de comércio, nas ruas principais, pareciam imponentes palácios. Os mostruários das joalharias deslumbravam os olhos com o cintilar de suas jóias e no horário nocturno as salas dos grandes restaurantes e dos “dancings” da moda pareciam lugares de alegria, no apogeu da felicidade e das alegrias sexuais. 

Porém para mim era penoso, triste, observar tudo isso: Que coisa miserável isso tudo! Que mesquinharia! Que indizível nulidade ante a majestade das cenas que vi e que certamente as vereis também vós todos, depois de vossa morte terrena. Eu sei que em meu relato, muitas vezes minhas palavras foram incapazes de descrever com exactidão os matizes e as sensações experimentadas pela alma. Mais que nada foi difícil dar-vos a conhecer com palavras terrenas o sentimento do Amor, que é absolutamente impossível fazer compreender em sua altíssima beleza, amor que não tem comparação nem limites e ultrapassa a possibilidade do humano pensamento.

O Universo do Senhor é tão imenso que até as mais incríveis conquistas terrenas parecem pequenas, tão pequenas e mais miseráveis do que um grãozinho de areia diante do imenso oceano. E agora, na última pagina de meu livro, ao decidir dar adeus aos meus leitores, quero recordar as grandes e santas palavras da oração: Pai nosso, que estais no Céu, santificado seja Vosso nome.... Pelos séculos dos séculos!

Fim!

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www.amen-etm.org/MeuSonhoLetargicode9Dias.htm

 

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