MEU SONHO LETÁRGICO DE NOVE DIAS
Por Fanny Moisseieva
"Mi sueño letargico de nueve
dias".
Em 1928, deu-se um caso
extraordinário e milagroso, com uma russa de nome Fanny Moisseieva, que tendo sido
hospitalizada, veio a ser dada como morta, por não ter sinais vitais, e só não
foi enterrada viva, porque um médico seu amigo não autorizou, pois havia uma
coisa que não era normal: a temperatura do seu corpo não tinha baixado para a
temperatura ambiente, mas mantivera-se na temperatura de um corpo vivo.
Neste estado
permaneceu durante 9 dias, ao fim dos quais recuperou daquele sono letárgico, e
veio a escrever um espantoso e maravilhoso livro sobre o que se tinha passado
consigo durante aquele milagroso período.
Este livro tem
uma tradução Espanhola com prefácio do grande divulgador de Mensagens Divinas,
em Espanha, F. Sánchez Ventura. A editora é a Editorial Circulo, de Zaragoza e
o título do Livro é "Mi sueño letargico de nueve dias".
Neste livro escrito
por Moisseieva, ela faz a descrição do que viu e experimentou quando foi levada
a visitar o Inferno, o Purgatório, o Paraíso, e ainda a visão do Fim do Mundo,
a Vinda Gloriosa de Jesus e do Juízo Universal.
A descrição do tempo que antecede imediatamente a Vinda Gloriosa
de Jesus, é de um mundo decadente, depravado e terrível, com guerras e cheio de
miséria.
O próprio título do Capítulo em
que faz a sua descrição, é:
"As minhas
visões do próximo juízo universal".
O estar próximo o
Juízo Universal, não nos dá a noção rigorosa da proximidade a que ele se
encontra, mas, a descrição do que o antecede, dá-nos a certeza de que nunca
poderá ser depois de instaurado o Reino de Cristo sobre toda a Terra e toda a
criatura, pois a seguir, virão os Novos Céus e Nova Terra, que são o Paraíso
Terrestre reconstruído, de que nos falam Isaías e o Apocalipse de S. João.
Portanto, tem de ser de facto muito próximo, e antes do início dos Novos Céus e
Nova Terra.
Estas visões da
Moisseieva, terão sido tomadas por absurdas por muita gente, já que era
impensável que fosse dentro de pouco tempo o Juízo Universal.
Acontece que entretanto,
houve o desselar destes assuntos.
ÍNDICE
l PRIMEIRA PARTE -
Primeiras impressões è
l SEGUNDA
PARTE - Minhas visões do próximo Juízo Universal è
l TERCEIRA
PARTE - Entre as estrelas - è
l QUARTA
PARTE - O Inferno è
l QUINTA
PARTE - ? (Purgatório???) è
l SEXTA
PARTE - Onde resplandece o Paraíso - è
l PRIMEIRA PARTE è
Primeiras
Impressões
Por ordens do Dr. Tastari fui obrigada a
ser hospitalizada durante Março de 1928 em um hospital católico no município de
Hankow para descansar. No 5º dia da hospitalização sofri um ataque cardíaco
muito doloroso e então desmaiei. Quando despertei, implorei ao Doutor por
ajuda. Acalmou-me com medicação, mas naquela noite quando a empregada trouxe
minha janta, encontrou-me imóvel como se estivesse morta. Esta relatou à
enfermeira da Ala que chamou o médico de plantão e após seu exame declarou-me
morta. Após ser lavada fui colocada numa mesa e coberta com um lençol. O
atendente chinês encontrou algumas flores e colocou-as ao meu lado.
No dia seguinte
o Dr. Tastari foi informado da minha morte e foi ao necrotério. Levantou minhas
pálpebras e concluiu que eu não estava realmente morta e ordenou que eu fosse
colocada num quarto bem aquecido. Três dias se passaram sem que meu corpo
mostrasse nenhum sinal de mudança e isso indicava que eu estava em coma. Este
estado de coma durou nove dias, tempo este em que não tive nenhuma alimentação
e nenhum medicamento. Não tinha pulso nem as batidas do meu coração e minha
respiração era inerte.
Por
volta das 19:00 horas da décima noite, acordei, estiquei braços e pés e
observei que estava num pequeno quarto, sendo curiosamente observada pela
equipe de funcionários do hospital. Não sentia nenhuma dor, apenas como que
acordando de um sono normal. Sentia, entretanto, um bem-estar em meu corpo.
Quando os assistentes me viram sentar saíram correndo desordenadamente do
quarto. Não entendendo o que estava acontecendo pensando tratar-se talvez de
fogo e saí correndo depois deles no corredor, mas estando muito fraca tive que
me apoiar no peitoril da janela. Então fiz sinais que estava com sede, pois
havia perdido minha voz, mas ninguém veio me ajudar, apenas me espiavam pelas
portas entreabertas.
Estando
fraca e trémula não compreendia porque haviam me transferido de uma grande ala
para este pequeno quarto. Devia
ter tido um sono muito profundo. A esta altura a notícia havia alcançado a Irmã
da enfermaria que me encontrou sentada junto ao peitoril em condição
debilitada. O médico de plantão foi notificado e fui colocada em uma cama morna
para ajudar minhas condições. Pela
graça de Deus Omnipotente fui salva de ser enterrada viva.
Mais
tarde chegou o médico que me atendeu durante o ataque cardíaco, verificando que
estava fora de perigo e descansando. Então uma estranha sonolência apoderou-se
de mim e adormeci, mas não poderia ser chamado de sono. Senti um
entorpecimento, um relaxamento físico e um estranho sentimento de duplicidade
do meu ser. Não posso explicar exactamente como era, mas senti uma duplicação
do meu ser e estava assustada.
Nunca
havia experimentado sensação tão estranha, pensamentos sucedendo-se rapidamente
como ondas de uma tempestade que se move mais adiante. Meu corpo começando a
desobedecer-me, meus braços paralisados e apesar de tudo isto, resisti e tentei
lutar duramente pela vida. Não podia mover-me, nem mesmo respirar. Isto é o
fim, pensei, então de repente um frio percorreu minhas costas, senti uma
separação (do meu corpo) e reduzida a nada pensei que não mais existisse.
Não
posso dizer quanto tempo isto durou, quando tudo passou, eu me encontrava no
meio da enfermaria. Transformada por uma força desconhecida em uma luz e em um
ser celestial, (aqui a autora tentar passar a ideia de ser transformada num ser
etéreo, isto é, que preenche os espaços sem ser matéria) pouco antes, quando
estava na cama. Senti-me libertada de uma roupa pesada que estava usando.
Involuntariamente eu abaixei meus olhos e me vi completamente despida. Então
levantando meus olhos eu vi todos os pacientes restantes adormecidos, eu estava
envergonhada virei para minha cama para deitar e me cobrir, num último esforço
de minha letargia, eu me vi deitada imóvel e supostamente morta. Isto me
surpreendeu, pois estava ali em pé e ao mesmo tempo estava imóvel na cama.
Imediatamente
minha consciência me avisou que tinha começado uma outra existência e a palavra
"morte" soou boba e inconsequente. Senti
claramente que a morte não existe e que a vida não pára e continua. Meu corpo parecia morto, mas eu
não lamentava isto de maneira alguma, somente tinha piedade e medo do que eu
tinha sido. Aonde eu irei? O que farei com minha eternidade? Sentia minha
audição mais “afiada”, sensível ao menor ruído. Minha vista era forte e
penetrante. Vi tudo em uma nova luz muito distinta.
Da
janela vi pessoas jovens, luminosas, voando, vestidas de branco e com suas
cabeças cercadas por uma luz dourada. Cercaram-me, esperando por algo. Ao mesmo
tempo uma multidão de espíritos malignos, repulsivos e feios apareceram na
enfermaria. Suas caras desagradáveis reflectiam a perversidade e com contorções
e murmúrios encheram a enfermaria. Então com horror vi seus olhos penetrantes
focados em mim enquanto avançavam em minha direcção. Gritei com terror.
Instantaneamente a enfermaria ficou iluminada e alguém me cobriu com um hábito
claro e perfumado. Pegando-me pela mão ele disse: "Não tenha medo,
enquanto você estiver comigo eles não lhe tocarão!". Mesmo porque eles já
tinham desaparecido, no momento em que a luz entrou, mesmo eu não sabendo como.
A voz então continuou: "Você é de nossa família, enquanto eles não têm
nenhum de nós. Eu vim lhe mostrar a verdade do que existe e do que virá a
acontecer”.
I.
Então nós
começamos a subir. Em um instante a cidade desapareceu e meu companheiro disse:
"Agora você viu como a vida passa do mundo para esta de eternidade, as
almas dos justos e as dos pecadores”. Eu
vi como os espíritos do mal lutavam pelas almas dos pobres pecadores miseráveis
que estavam tremendo de medo, enquanto os anjos bons ficavam à distância, as
pobres almas esticavam seus braços pedindo por eles, mas em vão. Por outro
lado, eu vi entre hinos e cantos jubilosos, os anjos conduzindo para o Paraíso
as almas dos justos.
"Por
que estes estão no mundo, os espíritos bons e maus? - perguntei a meu
companheiro. Ele me explicou que no começo Deus criou o mundo espiritual, com
anjos imortais e deu-lhes o livre arbítrio para viver feliz ao Seu lado ou para
abandoná-Lo se assim quisessem. Alguns deles revoltaram-se contra Deus com
ingratidão por tudo que Ele tinha feito, o que despertou Sua ira e assim estes
foram levados para longe de Sua presença, já que não eram dignos de apreciar a
felicidade do paraíso. Ele amaldiçoou o arcanjo que começou a revolta,
chamando-o, diabo, Satanás.
Uma
vez levados para fora do paraíso, os anjos caídos perderam sua santidade e
assumiram uma natureza feia e horrível e se refugiaram em diferentes planetas
privados da graça do Deus. Alguns caíram na terra, tornando-se inimigos eternos
de Deus, e começaram então a ensinar a desobediência e toda maldade e
perversidade a todas criaturas de Deus. Eu estou lhe dizendo a verdade divina e
universal, Deus viu as
dificuldades dos homens na terra, os quais estavam completamente sob a
influência de Satanás, sem nenhuma esperança de algum dia alcançar o paraíso.
Então para a salvação da raça humana, Ele enviou para a Terra, seu filho
primogénito (o Deus invisível e o Espírito Santo, assim como o sol provê a luz
e o calor invisíveis!).
II.
Enquanto
nós falávamos nos aproximamos de uma grande cidade e um pouco mais tarde
estávamos na casa de um pecador que estava morrendo. Por três dias ele era atormentado em
sua agonia de morte e sua alma não se separava de seu corpo. Sem nenhuma
piedade para o moribundo no quarto ao lado havia uma festa de bêbados soltando
blasfémias e sacrilégios. Vi um grupo de anjos tristes esperando a distância
que o homem que estava morrendo pudesse clamar pela misericórdia de Deus. Mas,
oh! Senhor, a esperança dos anjos foi em vão, e estes desapareceram.
Então
os espíritos maus tomaram conta completamente e meu companheiro disse: “A hora
da morte deste pecador chegou. Coberto pelo pecado, como ele é, não entende
quão terrível é a sua situação e não imagina para onde sua alma irá, só
consegue pensar em si mesmo”. Estava
sempre correndo, sempre procurando algo, perseguindo seus sonhos fúteis e
cometendo todos os tipos de pecado. Mas se ele considerasse a sua pecaminosa
vida ele saberia que isto o separaria de Deus e então ele não morreria em
pecado levando consigo para a eternidade sua desobediência e contínua revolta
contra Deus.
O
pecador morreu murmurando palavras horríveis e insensíveis. Os seus olhos fixos
no além sem saber para que ele viveu no mundo. Repentinamente eu vi um horrível
espírito do mal se aproximando do homem morto com uma maliciosa voz dizendo:
“Você é meu!”. O moribundo com um tremor frio e assustador e com um último
sopro ofegante, morreu. Ele estava morto e então o espírito do mal partiu com
sua alma. Involuntariamente, pensei se no momento eu parecia com aquela alma
que acabara de se separar do seu corpo. Olhei
para minhas mãos e meus pés e percebi que eles tinham somente o formato
corporal, mas feitos de algo inconcebível ao ser humano.
O silêncio era
completo. Os bêbados ao lado haviam parado de fazer barulho e se aproximaram do
homem e o chamavam, mas este jazia morto. Nas suas faces podia-se ver o ar de terror
que ia se formando. Abandonaram então a casa e saíram para a rua, deixando o
morto só. Perguntei ao meu companheiro: “Por que as pessoas temem o morto,
mesmo sendo um parente ou alguém querido?” Ele respondeu, “Por que para os
humanos, a morte é algo terrível, um mistério impenetrável e eles pensam que no
momento da morte, o morto não mais pertence a esse mundo e instintivamente,
sentem que seus espíritos podem ainda estar perto dos seus corpos e temem que a
aparição da sua alma possa acusá-los, e consequentemente temem a morte, o que
poucas pessoas entendem. Assim se a alma existe, então temem que ficarão face a
face com seus pecados, e com sua própria morte, o que será inevitável, e
merecerão punição. Temem a
morte, mas não temem a Deus”.
“Pelo contrário,
os bons não temem a morte porque amam a Deus em seus corações. Agora você vê que sua alma é imortal e
continua a existir e quão errado é duvidar da imortalidade da alma. Por outro
lado, aparições de almas de
pessoas mortas não são raras. Tem havido muitas aparições de santos e
milagres feitos por eles, por esta razão eles deveriam acreditar na
imortalidade da alma. Venha, deixemos esta casa”.
“Porque todos não
são felizes no mundo?” Eu perguntei a ele, “E porque há tantas pessoas ricas e
outras em terrível miséria?” E ele respondeu: “A vida na Terra é apenas um
lugar temporário e os homens são auxiliados no mundo. Deus em Sua infinita
sabedoria tem dado aos homens inteligência e vontade de escolher entre o bem e
mal, e assim esta escolha será responsabilidade de cada um. O rico terá mais
problemas segundo o Evangelho, o qual diz: “É mais difícil para um homem
rico entrar no reino de Deus do que um camelo passar pelo buraco de uma agulha”.
Sem
dúvida, os ricos são ”forçados”, são mais tentados a pecar pelos prazeres e
confortos que os envolvem, do que os pobres e assim os preceitos do seu Criador
são mais e mais ignorados. Se os ricos são bons, piedosos e praticam sua fé, é
certo que sendo gratos a Deus por Sua generosidade Omnipotente para com eles,
serão bem recebidos no Paraíso. Assim era com Abraão que foi abençoado com
opulência, com empregados e ovelhas e todos os bens de seu tempo. Ele os
desfrutava e também era fiel aos Mandamentos. Deus estava satisfeito com ele,
abençoava-o e o favorecia acima de outros homens mostrando a ele a Trindade
Santa na forma dos três peregrinos.
Nosso
Senhor Jesus Cristo em uma de Suas parábolas relatou como os anjos carregaram o
pobre e piedoso Lázaro para o seio de Abraão. Deus estava muito satisfeito com
Abraão que era um homem bom e virtuoso e assim foi recebido no Reino dos Céus.
Por sua vez o pobre não merece entrar no Paraíso a menos que ele pratique a
caridade para com seu próximo. Então ele poderá contemplar as maravilhas do
Céu.
III.
Quando
voamos sobre uma grande cidade, observei povos de nacionalidades diferentes e
também de cores e raças
diferentes. “O que é a origem desta diversidade de seres humanos?” E ele
respondeu: “Depois que Deus criou os três reinos dos animais, pássaros e dos
peixes, Ele criou à Sua imagem e semelhança, Adão e Eva. Dos seus descendentes,
diferentes partes do mundo foram povoadas. Desde a criação do mundo, muitas
mudanças ocorreram por vontade de Deus. Muitos continentes estavam debaixo
d’água e surgiram na superfície. Todas essas mudanças reflectiram,
gradativamente, nos povos que viviam em diferentes partes, alguns pensando que
eram os únicos seres humanos da Terra. Separados por mares e oceanos, tinham se
esquecido que outros existiam. O clima também mudou e aqueles que viviam em
zonas tórridas foram protegidos. Deus fez suas peles pretas, vermelhas ou
amarelas, de acordo com as condições climáticas em que viviam, como também
diferenças em suas ideias e línguas. Deus desejou que todos O conhecessem e Lhe
obedecessem”.
Voando
sobre uma grande catedral eu percebi um feixe de luz dourada emanado da cúpula.
“O que é isso?” Perguntei. Ele respondeu: “São as orações durante a elevação da
Hóstia Consagrada e do Vinho Sagrado. No mais solene momento da Missa as
orações se elevam directamente a Deus e trazem muitas graças às almas tão
dilectas de Deus. Não há acção ou palavra que possa ser comparada com o solene
momento, quando a glória e o louvor sobem até a Trindade Divina, beneficiando
simultaneamente os vivos e os mortos”.
“Se
uma pessoa ama a outra, ela naturalmente deseja tudo de bom para seu amigo. Mas
somos imperfeitos, e não importa quão bem desejamos aos outros, especialmente
se ele ou ela está longe, invocamos a graça de Deus, que sendo somente bondade
e amor ajudará seus amigos, dependendo do quanto imploramos por essas graças. Deus as garante através de nossas
preces, especialmente oferecidas na elevação das Sagradas Espécies. A oração nos guia para o caminho
correcto, nos encoraja e salva, de fato a
oração é indispensável à alma. Ela
fortalece a nossa fé e nos ajuda nas batalhas contra as adversidades. A oração
inspira esperança e confiança em Deus e os olhos daqueles que rezam, vêem a
bondade de Deus em tudo e em todos”.
“Aqueles
que não rezam e que não sentem a necessidade da oração ou das coisas santas,
acabam se privando do Espírito Santo. Então os espíritos do mal tomam posse
deles, os cegam de tal maneira, que estes perdem sua dignidade de tal forma que
a graça não pode penetrar, trazendo ódio, medo e raiva contra Deus. Esquecem ou
não pensam nas suas mortes e nos seus julgamentos. O espírito do mal tenta o homem a
andar nos seus caminhos e a simples menção de Deus é desagradável a ele. E o
homem acaba por acreditar que não existe Deus e que o mundo é suficiente para
ele. Não acredite em ateus,
deixe a eles suas próprias opiniões, mas saiba que eles são a sugestão do mal”.
Cidades têm sido
desenterradas, após terem sido enterradas por milhares de anos. Isto prova que
Deus os tem punido por sua ingratidão, mostrando ao mesmo tempo seu poder
omnipotente. Cientistas, enquanto discutem e estudam as leis da natureza, ficam
atónitos com a grandiosidade da criação, e com clareza suas descobertas são
cheias de admiração pela grandiosidade do poder de Deus Omnipotente. É por isso
que um verdadeiro cientista
nunca é ateu, pois investigando com genialidade tudo que descobre, ele
reconhece O Grande Criador com toda sua alma e seu coração.
Constantemente
Deus observa o desenvolvimento da inteligência dessas criaturas que procuram um
conhecimento maior das coisas e a melhoria da sua curta existência, e Ele as
auxiliará seus esforços, com a Sua graça. Mas Deus também deseja a perfeição de
suas almas, e deste modo as vai conduzindo para O reconhecerem.
Consequentemente, o homem ao alcançar um alto patamar de cultura, algumas vezes
acredita que é o único responsável por isso. Homens ingratos que não reconhecem
a ajuda Divina merecem é a cólera e a punição de Deus! E Deus destrói todas as
suas habilidades e permite que outra geração as aperfeiçoe, por fim o homem deve reconhecer que nada
pode ser alcançado sem Deus”.
IV.
Após
uma breve pausa ele continuou: “Agora, por exemplo, certas pessoas passam por
doenças e sofrimentos, que Deus na sua infinita bondade, permite para
purificação de suas almas, especialmente quando sua curta permanência neste
mundo chega ao fim. Muitos ignoram o fato de que seus sofrimentos vêm de Deus.
Entretanto eles poderiam clamar por Sua misericórdia e Seu Santo Nome e Ele
mostraria Sua piedade para com eles. Deus deseja a salvação de todos. Cada gesto ou alusão ao nome do
Senhor é uma oração que atrai a alma mais para perto de Deus”.
Devemos ser
generosos e caridosos para com os pobres e necessitados, mas também rezar,
porque sem oração e trabalho honesto
não há salvação para a alma. Por esta razão, todos aqueles que atormentarem
os infortunados serão punidos. Se você quer fazer alguma coisa, faça, sem
provocar os outros e nunca acusar a Deus por algum infortúnio que Ele ou Seu
amor, concede a você para sua salvação. Perguntei: “Mas como pode um ateu ou
agnóstico ser iluminado para receber a graça de Deus?” Respondeu-me:
“Unindo-se à Igreja que é a escadaria para o Céu. Nela ele encontrará a graça,
porque ela (a Igreja) glorifica ao Senhor em tudo o que ela faz.
Se
um ateu entrar numa igreja, elevar sua mente para Deus e disser: “Senhor,
mostra-me Tua vontade,
dá-me fé e eu obedecerei”, o Senhor dirá: “Eu não mandarei aqueles que vem a
mim embora” . E a fé entrará em seu coração e ele terá aversão aos seus
pecados. Quanto maior for sua revolta maior será sua fé e compreensão. Na Terra, cada alma é dotada com o
germe da fé e o ateu encontrará o “espiritual” sem aviso. Ele encontrará consolação em Jesus Cristo e
regozijar-se-á mais, quando mas profundamente o procurar. Preserve sua fé,
ponha em Deus seu coração. A incredulidade prejudica, e é uma doença moral,
como uma pestilência. O que é
uma existência sem a graça de Deus? Sem
Deus não há consolação e nunca queixe-se da justiça de Deus em sua Criação.
Quem somos nós para julgar Deus Omnipotente? A
cada fato devemos curvar nossas cabeças em sinal de gratidão.
Os
espíritos do mal sabem da existência de Deus, mas desejam desobedecer e
permanecer maus. Nunca culpe a sorte
e o destino, pois estes não existem, pois se a sua vida
fosse baseada em predestinações, como poderia Deus julgar o que fez de bom e
recompensá-lo ou puni-lo pelas suas transgressões? As acções humanas são o
produto de sua própria vontade. A vida é uma batalha e devemos invocar a ajuda
de Deus em todos os momentos. Quantos problemas difíceis têm sido resolvidos
através da invocação divina. Muitos passaram por tais experiências, e devem ser
gratos.
Quando
o homem se acha em desgraça, deve se esforçar mais para implorar a ajuda de
Deus, a fim de superar isto. Ele nunca deverá se desesperar, e então a ajuda
virá. Tudo é governado pela Sabedoria universal de Deus. Toda a criação veio da
superior inteligência de Deus e por esta razão ao homem é dada a inteligência e
a percepção do grande trabalho da criação. O homem não está privado desta
sensação.
Existem
acontecimentos na vida de certas pessoas que supõem um extraordinário
significado, quando eles podem sentir e ver a Mão de Deus. Relembremos a
profecia: “Da raiz de David nascerá o Salvador do Mundo”. Vamos
relembrar a profecia da vida terrena de Jesus Cristo. No cumprimento dessas
profecias percebe-se o grande projecto de Deus, portanto é erróneo comparar-se
isso com a concepção de, destino. Destino
não existe, esta palavra e este conceito são invenções do homem. A vida de
cada um é designada de acordo com sua vontade e suas boas e más acções. O homem é senhor e soberano de sua
própria vida e
precisamente por esta razão foi-lhe dada inteligência. Por esta razão deve
responder a Deus por todas
as suas acções praticadas durante sua vida na Terra. Se estiver sofrendo por causa dos seus
pecados deve perceber que a culpa está nele próprio. Outro grande erro é
atribuir ao destino toda a ajuda que Deus lhe dá, quando, por exemplo, Deus dá
Sua graça àqueles que acreditam firmemente que Deus os ama.
A
graça divina sempre recai sobre a humanidade, mas especialmente nos momentos
mais difíceis e dolorosos, ou quando há necessidade urgente de ajuda. A vida é
uma batalha e consequentemente em momentos decisivos, o homem deve combater com
iniciativa e superar os obstáculos, os quais irão ajudá-lo a alcançar a
satisfação definitiva de suas aspirações. Entretanto,
quando a vontade e o desejo do homem não são capazes de suportar os
acontecimentos da vida, e quando o homem é incapaz de lutar ou não pode se
defender, Deus vem em seu auxílio de uma maneira maravilhosa, o que é evidente, e se torna claro
para que todos possam ver. De modo particular, quando experimenta o horror de
uma situação que lhe pareça insuportável. Com algumas pessoas isto acontece
mais do que uma vez na vida.
Muitas
pessoas acreditam que os casamentos são “arranjados” no Céu, repito, destino não existe, mas certos casamentos acontecem
através do desejo de Deus. Algumas
uniões são a recompensa por uma vida piedosa e então a vida do casal é serena e
feliz. Outras são como
uma tentativa, e Deus julga-os através da suas firmezas ou fraquezas. Então,
destino não existe, entretanto, na vida de cada um há períodos de felicidade
concedidos pelo Céu. Seja na paz de sua alma, seja no seu trabalho, nos
negócios, ou na relação com outras pessoas e em todas as coisas, é então
acompanhado pelo sucesso.
Em
alguns casos a felicidade não dura muito tempo e muda para pior, muitas vezes
quando não se espera por isto. O homem deve adaptar-se a seus anseios e aceitar
isto. Felicidade existe, mas
na vida de cada um há também dramas e infortúnios. O homem deve lembrar-se que
esses períodos não duram para sempre. Por
esta razão, nas épocas de provação, ele deve confirmar sua fé e seu espírito,
superar o infortúnio, não perder a coragem, não se desesperar nem perder a paz
da sua consciência.
Lembre-se
que a Sabedoria Divina reina sobre todo o Universo. Cada lágrima, desventura, sofrimento,
alegria são necessários a Deus para a realização dos desejos e planos do homem. Todas as criações de Deus são
frutos de uma infinita inteligência superior, consequentemente, a vida do homem
não pode privar-se do seu significado. Durante sua vida devem realizar a
expressa vontade de Deus e ser agradecidos. Contemple a genialidade do mundo
criado por Deus, então a vida do homem será mais significativa.
é
l SEGUNDA PARTE è
MINHAS VISÕES DO
PRÓXIMO JUÍZO UNIVERSAL
I
– Sinais que antecedem o julgamento
Voltando-se para
mim meu companheiro me advertiu que chegara o momento em que eu deveria ver o
que ocorrerá, inexoravelmente, dentro de um número indeterminado de anos. E
depois de suas palavras se apoderou de mim um sono profundo, um sono
maravilhoso. E adormeci como se estivesse num sono letárgico. Durante este
sonho se apresentou novamente meu companheiro e me falou:
Virá
o dia do juízo – você é testemunha viva – olha de novo atentamente para que
depois te recordes de tudo. Que acontecerá nos dias do Juízo Universal? O
espírito do mal se apoderará dos corações humanos até a última centelha da fé,
e encherá as mentes de inúteis vaidades, tornando seus sentimentos em pedras
inanimadas. Os povos, dissolutos, estarão de todo descontentes, não mais terão
confiança uns nos outros, não mais existirá o verdadeiro amor e morrerão os que
dirigem o mundo. Levanta-te e olha!
Então
vi uma grande cidade onde acontecia uma grande batalha. Os homens rompiam tudo,
destruíam tudo e com ódio feroz se matavam entre si. De pronto rompeu os ares
um terrível ruído que rompeu pelo espaço, e começou um repentino e fortíssimo
terramoto, que sacudiu toda a terra. As pessoas saíram para as ruas e o tumulto
foi tal como jamais havia acontecido antes; a terra continuava zumbindo com um
sinistro presságio, o céu se havia escurecido e um a um todos os ruídos se
confundiram com o silvar dos ventos. Os homens olhavam o céu tempestuoso,
silenciosos e inquietos, com o coração opresso, como pressentindo terríveis
desgraças, enquanto um furacão destroçava e transportava pelas ruas e ares os
seus troféus.
Assim
havia chegado a hora terrível, trazendo espanto a todas as almas, enquanto o
céu se havia tornado cor de sangue e era riscado pelo clarão resplandecente dos
relâmpagos. Depois a abóbada vermelha se escureceu. Nuvens negras envolveram
tudo e desceu sobre a terra uma sombra impenetrável. As estrelas perderam sua
luz. Tudo estava cheio de um misterioso espanto e quietude. Não se ouvia mais
nem o mínimo sopro de vento, tudo estava imóvel sobre a terra muda, como um
gigantesco toldo caiu a noite negra; o silêncio era pavoroso.
Porém
não passou nem uma hora e já os homens se haviam habituado ao ameaçador aspecto
da natureza. Sobre a terra recomeçou a vida em seu ritmo apressado: os
restaurantes, os teatros, e todos os outros lugares de jogos estavam cheios de
uma frívola multidão. Nas Bolsas de Valores se apostava febrilmente e se
criavam riquezas para perde-las horas depois. Os vícios mais imorais, os
prazeres mais perversos e mais ímpios alegravam a vida. Só nas catedrais
sérias, pensativas, porém despertas, se cumpriam os ritos.
Lançadas
na voragem vã das paixões e das preocupações, as pessoas esqueciam da salvação
das almas. E enquanto as ruas estavam cheias de mil rumores reinava nos templos
um silêncio solene e piedoso.
De
imediato um fortíssimo relâmpago rompeu novamente as trevas, e todo o céu,
rodeado de mil chamas se acendeu outra vez. Arderam as casas e em todas as
partes altas chamas surgiam. Todo o mundo era um imenso incêndio, a tudo
destruía o furacão, e o vento, em torvelinhos queimava e dispersava escombros e
homens como miseráveis plumas. As pessoas buscavam em vão a salvação, rogando e
suplicando chorosas se lamentavam daquela destruição. Na enorme voragem, o
vento arrancava as crianças dos braços das mães, que loucas de espanto, viam
seus filhos desaparecer no alto, dentro das nuvens.
Eu
vi como o próprio Jesus, conduzia aqueles pequeninos ao céu, e como eles subiam
lentamente ao alto, sem que nada os ajudasse da terra. Havia crianças de todos
os povos e raças e todos cantavam um hino de glória ao Divino Jesus.
Depois
que Jesus subiu ao Céu, caiu sobre a terra uma chuva de sangue. Rios e mares se
cobriram de ondas espantosas e se chocaram contra os cascos dos navios, não
lhes dando possibilidade alguma de salvação. Palácios e casas ruíram por todas
as partes e dos escombros saíam vozes e gritos que invocavam lastimosamente
ajuda. E do mar, como inimigos ansiosos por estragos, chegavam as ondas que
rompiam com furor de águas tumultuosos, a todos os diques e pontes.
Todas
as pessoas foram arrastadas pelo furacão e reunidas em um só lugar, sobre os
continentes reunidos, ali onde Deus haveria de descer dos Céus, para realizar o
Grande Juízo. Mas o grande cataclismo não confundiu os povos e línguas. Todos
conservavam seu lugar.
II
– O mundo imediatamente antes do Julgamento
Então, sobre a
terra caiu um grande silêncio: tudo se calou e se recolheu na espera do futuro.
Os fiéis sentiam que se aproximava o dia do juízo. Entre as trevas reinantes,
por toda parte começaram a acender fogueiras ao redor das quais se agrupavam as
pessoas, para saber dos pensamentos uns dos outros, mas tudo em vão. Ninguém
sabia dizer se somente ali aquilo acontecia, ou se e em todos os lugares da
terra se via aquele Céu ameaçador.
Em
todos os lugares, entre as ruínas dos comércios, vagavam ladrões munidos de
lanternas, saqueando mercadorias abandonadas, vinhos, peles e louças preciosas.
Como um rio corria o vinho saqueado e cada vez maior barulho se formava ao
redor das fogueiras. Por fim, vencidos pela cobiça, os bandidos se deram
novamente à rapina, entrando em casas semidestruídas e desertas. Outros, nos
negócios mais depravados, saciavam seus perversos desejos sobre as mulheres e
sobre as crianças e não havia em seus olhos nem piedade nem arrependimento. Em
todos os lugares se ouviam gemidos, prantos, gritos e canções nefandas.
O
grande incêndio se havia apagado; e na praça, foi acesa outra fogueira em torno
da qual as turbas se gabavam entre blasfémias e gritos obscenos. Junto aos
muros de uma catedral, outra multidão, perversa e licenciosa, gritava canções
ímpias, enquanto mentirosos e charlatães falavam ao som de copos de cristais. O
mal triunfava.
Sem
embargo, o destino se realizava...
Alguns
ouviam seu coração bater ocultamente, oprimidos por um vago pressentimento: as
almas sentiam a aproximação de um mistério, e muitas, em meio a aquela alegria,
estavam tristes. Só aqueles que eram puros e justos aos olhos de Deus não
tinham angustia, aliás, estavam cheios de gozo. De repente ouvi uma voz: a voz
de meu companheiro, que mais uma vez me apareceu não sei como!
Porque
estás tão triste? Eu tenho estado no céu durante todo este tempo. Ali acima,
tudo está disposto para o instante supremo, quando Jesus dirá a Sua Suprema
vontade. Agora tu verás realizar-se um grande mistério. Mas não temas: aqui não
se deve temer. Não será mais que uma visão e logo a manhã radiante haverá de
suceder a obscura noite.
Ao
redor, entretanto, entre as pessoas continuavam as orgias, entre impudicas
canções, entre gritaria e ruídos de toda classe. Aqui e ali, com os
instrumentos roubados, se formavam improvisadas orquestras, convidando a dança.
Por todas as partes, discussões, blasfémias e risos. Ninguém pensava que esta
devia ser a sua última hora. Neste momento apareceu no Céu um mensageiro, ao
lado do Altíssimo, e ressoou uma voz, através da ressoante trombeta Angélica:
Saí,
ó justos e gozai! É chegado para vós o prémio! Porém, vos outros, ó pecadores
que haveis desperdiçado a vida, sabei: é chegada a hora do juízo!
Um
estremecimento agudo apertou os corações que se arrependeram – porém demasiado
tarde para sua pouca fé! Todos, como fascinados, olhavam para o alto: terrível
e majestoso era o anjo anunciador, áspero e sonoro era o som da trombeta, tanto
que calaram como por encanto todos os ruídos. E desapareceu o Arcanjo
ameaçador. O céu quedou suspenso, silencioso e obscuro, sobre a terra!
Foi
então que um segundo Arcanjo passou voando baixo, com o Evangelho na mão
anunciando: Tudo se cumpriu! E atrás veio um terceiro anjo,
enquanto em meio aos dois apareceu um cálice anunciador da luminosa Aurora.
E
assim se desvelou em todas as mentes o eterno mistério, e todas as dúvidas
caíram, vendo o alto poder da Providência. No cálice transparente, como chama,
ardia o Sangue vermelho, o Sagrado Sangue que foi o resgate dos pecadores.
III
– A Ressurreição dos mortos
Do cálice
resplandecente desceram três raios limpidíssimos que se separaram em três
direcções, distintas como caminhos, e não se sabia a que eram destinados. Então
apareceu o terceiro Arcanjo e se deteve ao lado dos outros, junto ao Sagrado
Cálice. Um deles tinha o Evangelho, outro a trombeta, e o terceiro, imóvel
junto deles, estava com as asas abertas.
Neste
instante ressoaram pelos ares imóveis, suavíssimos acordes de invisíveis
instrumentos e uma doce música invadiu os corações. Pressagiando a próxima vinda
de Cristo, todos os homens se puseram de pé esperando. Entre as nuvens
apareceram rostos radiantes de bondade: eram os santos, com vestes
resplandecentes, que pareciam como nadar no puríssimo Céu. Ao redor deles,
ressoavam cantos de adoração ao Senhor. Ante um canto tão soberanamente doce e
harmonioso, os homens se quedavam quietos. Só com os corações elevavam louvores
ao Altíssimo.
Então
no alto Céu apareceu o Santo símbolo da Cruz, prenda da salvação para os
justos, e eterno castigo para os rebeldes. E a Cruz, para alguns dava alegria e
para os outros debilitou as forças para sempre.
Nenhum
sopro de vento: não tremia nem uma folha das árvores. Só se ouviam prantos e
suspiros, enquanto os mais animados aguardavam o Supremo Juízo, com a cabeça baixa
e em silêncio. O coro angélico continuava o canto puro que da oração, igual
somente sabem elevar as falanges angélicas. Então apareceram suas luminosas
coroas, rodeadas de luz, como grinaldas, enquanto seu canto se elevava
subtilíssimo pela abóbada celeste. Que belo era seu aspecto! E aos milhares,
com bater de asas, desciam da ampla abóbada celeste, formando uma cortina
alvíssima.
Ao
inesperado som das trombetas bateram fortemente os corações, em cada peito, e
todos os homens quedaram paralisados pelo terror, enquanto os querubins
entoaram mais forte o canto de Glória ao Senhor Deus de todos os povos. O
celeste coro reluzia inteiro, com viva luz, fazendo parecer pálidas – ao
compara-las – com as luzes das estrelas. Assim o mundo imortal descia entre os
homens para despertar a fé: e pouco a pouco de todos os corações se desvanecia
a dor, e com ela cessavam os suspiros.
De
súbito, calou também o som celestial e calou o temor das almas. O ar parecia
dormir: os últimos acordes cessaram, rompendo-se bruscamente, e de novo a todos
voltou o medo. Era terrível o silêncio: não se ouvia ao redor nenhum suspiro!
Em meio a aquele silêncio, Ele descia do Céu! Ele quem? Era Jesus Cristo, nossa
Glória, Dele é que está cheio todo o Universo. Oh! Com
que alegria se acenderam todas as almas! Subiram aos céus invocações em várias
línguas, porém um único era o pensamento de todas as mentes, e este pensamento
era como um hino que se desprendia de todos os lábios.
Cristo
resplandecia igual a um sol radiante e no alto do Céu para Ele subia um hino,
que se perdia depois, alegre e vitorioso no infinito. E se elevavam até Ele,
alvoroçados, aqueles que eram dignos.(* Depois
nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente
com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para
sempre com Ele. (I Tes 4, 17)) Cristo
foi rodeado de uma coroa de glória universal, e com ternura miravam os povos o
Seu rosto, e comparavam com Ele, as imagens terrenas Dele, para vivifica-las na
própria fonte do Amor. Era, Seu rosto, de uma beleza inefável, e Sua auréola
dourada resplandecia em raios infinitos. Dele emanava bondade e todo o Céu se
embelezava com a Sua presença.
As
almas dos mortos vieram dos lugares donde um dia foram sepultados seus corpos,
e aqueles que não tinham túmulo assumiram o aspecto que tinham no momento da
morte (* O mar restituiu os
mortos que nele estavam. Do mesmo modo a morte e a morada subterrânea. Cada um
foi julgado segundo as suas obras. (Ap 20,13)) Cristo lhes deu de novo a
vida, como uma primavera, com as carícias do sol dá vida aos campos e aos
jardins. Que solene! Que esplêndido é o Salvador, estendendo seus braços sobre
o mundo!
Por
vontade de Deus todos os mortos ressuscitaram, como despertados de um longo
sono, recebendo de novo a chama da vida. Apareceram refeitos em rostos novos,
despertados depois de um longo correr dos séculos. E ao voltar a olhar para
Cristo, as almas da multidão, estavam cheias de alegria no espírito e copioso e
doce pranto descia de suas faces. Montes, colinas e planícies, tudo estava
coberto de gente, e tão grande era a multidão, que não se podiam mover nem dar
um passo. E ante tão grande visão, os lábios calados se abriram e os povos
cantaram louvores ao Único, Supremo Deus: Graças ao Salvador, pela salvação dos
homens! Graças a Ele, o Excelso!
Assim,
o coro terrestre se unia em um canto único de louvor ao coro celeste. Então se
calou o coro, a estas palavras: Hoje,
o próprio Cristo está connosco! De novo caiu o silêncio, porém, em cada um,
em espera, batia febril e inquieto o coração! Então Jesus rompeu o silêncio e
voltou a chamar a todos com o som de sua voz: Cheguei
para vós como havia prometido, a todos os que me esperastes!
Com
doce aspecto, olhava a multidão com seus maravilhosos olhos, e quando abriu os
braços apareceram em suas mãos as cicatrizes da Cruz. E sua voz, que penetrava
até nas almas, disse: Vos
conduzo, filhos meus, em nome do Puríssimo Amor, ao Reino Imortal. E se
separaram os justos da terra e subiram – imensa falange – cada um para seu
próprio posto.
Afogados
em denso pranto quedaram os pecadores! Calaram os impudicos lábios dos ímpios e
blasfemos todos, e com a cabeça baixa, dobraram os joelhos diante de Cristo.
Eram muitos, imensa multidão, e todos se inclinaram resignados, tendo as
cabeças baixas ante a Sabedoria da vontade divina. Dos rostos dos malvados caíram as
máscaras pondo a nu as suas almas, e revelando a sua angustia.
Olhei
em volta: Ó que grandioso espectáculo! Eu vi, uns junto dos outros, os mortos e
os vivos, imensa multidão que parecia encher o universo. Ali havia gente de
todas as nações, de todas as eras e de todas as idades. Faltavam apenas as
crianças que, depois de mortos, são acolhidos em lugares especiais destinados a
eles.
Na
terra havia uma multidão de pessoas, depois outros mais acima, escalonadamente,
de modo que parecia que os últimos se confundissem com o Céu azul. Todos juntos
formavam um enorme círculo regular e em meio deles estava Jesus, em um grande
espaço, totalmente iluminado, inundado de Sua própria luz, de modo que frente a
Ele, empalidecia o brilhante Cálice com os três raios que partiam por três
caminhos que se alargavam, apenas visíveis, até o extremo horizonte. Então
observei que quanto mais perto de Cristo estavam as almas, mais luminosos eram
seus rostos e mais alegres elas mesmas. E apressou-se a me explicar, meu
companheiro!
Olha
estes recolhidos que formam círculos regulares: eles estão dispostos segundo
seus méritos e suas virtudes. Aqui não se pede a ninguém a confissão das culpas
passadas, nem dos vícios e pecados. O Omnipotente e Omnisapiente Espírito Santo tem assinalado já o
lugar de cada um. Por conseguinte, cada um tem o lugar que mereceu em vida.
Quanto mais puro e íntegro, alguém foi em vida, mais perto de Cristo se sentará.
Saiba
também que aqueles que ressuscitaram para o Juízo Supremo esqueceram tudo o que
aconteceu depois da morte e tem conservado apenas a recordação da vida eterna.
Eles estão aqui, serenos, cheios de inquebrantável fé na Justiça do Criador, a
espera de serem julgados. Aqui, abaixo, estão os pecadores, aos que não se
concede sair do solo, aqueles que olham com surdo sentimento de inveja a
felicidade que se manifesta nos doces rostos daqueles que estão próximos do
Senhor.
Olhei
então para eles, e vi como choravam impotentes. Mas era em vão aquele pranto.
Os infelizes, impressionados pela augusta majestade de Cristo Deus, corriam
para lá e para cá buscando descanso, cheios de angustia, sem atrever-se a olhar
nos olhos de Cristo, ao qual não quiseram reconhecer em vida.
E
naquele instante se ouviu a voz do Salvador penetrar em todos os corações: Abri os olhos, cegos, e recebi toda
a visão celeste. Voltai a olhar pela última vez vosso aspecto terreno e
recordai o que haveis visto e o que haveis vivido: tudo se gravará eternamente
em vossa memória. Entretanto, vosso corpo caduco assumirá formas mais
imperfeitas, sem mudar vossos olhos, vozes e cabelos(?). Uma nuvem ligeira
ocultou o Senhor dos olhos de seu povo e não mais foi visto.
Eu
perguntei ao meu companheiro como era possível que todos estes povos tão
diversos, houvessem compreendido as palavras de Jesus. E meu companheiro me
respondeu que o que disse o Senhor ficou claro para todos, independente da
nacionalidade, porque sua Palavra cada um a ouve em sua língua materna. E me
disse também: Dentro do Reino celeste, todos esquecerão as línguas faladas na
terra e se comunicarão com uma linguagem comum a todos.
IV
– Cristo anuncia o Julgamento
Quando Jesus
deixou de ser visível á multidão, cada um, olhando para si mesmo, passou a
reconhecer em seguida a todos os que conheceu em sua vida. E um maravilhoso e
multicolorido quadro me oferecia aquela multidão, composta de diversos povos,
procedentes de distintas regiões e que vestiam, todavia, as roupas que usavam em
vida.
Havia
velhos e jovens na flor dos anos, homens ricos com roupas sumptuosas e
mendigos. Os reis, os imperadores e dirigentes, estavam junto com os simples
soldados e os cortesãos soberbos junto com os camponeses; as damas de alta
linhagem junto das simples e paupérrimas. Ali estavam monges e frades, e
depois, em quantidade, comerciantes, ? ministros, servidores e sacerdotes, os
sãos e os enfermos, os cobertos de chagas e os fortes e sadios, todos estavam
ali. Porém um não se distinguia do outro pelo que tinha sido na terra e sim
pelas suas virtudes. Por vontade divina, todos haviam recuperado o aspecto que
tinham no momento da morte.
Aqui
se dissipou a branca nuvem e em lugar das turbas apareceram majestosos
apóstolos e profetas de cãs veneráveis. E junto desciam do alto Céu os santos,
com as roupas que tinham na hora de sua morte. Um deles era alto e magro, com o
peito desnudo e coberto de pêlos; lhe caíam dos ombros cabelos negros, apenas
prateados. Fulgurante brilhava a imagem do Grande Profeta, e todo o seu
aspecto, majestoso e viril impressionava. Levava em sua mão um grande bastão,
que terminava em forma de Cruz, e seu corpo estava rodeado de peles de animais.
O outro, em seguida, era um santo, em todo o mundo conhecido e venerado por
seus milagres. Trajava a vestimenta arcebispal de festa e na cabeça reluzia uma
mitra incrustada de pedras preciosas; em seu peito uma Cruz de ouro e
diamantes.
Por
detrás deles, de novo, em um mar de luz apareceu o Rei dos Reis, acolhido com
cantos de vitória e foi colocar-se entre os santos. E o Salvador, voltando-se
para Sua gente, levantou suas mãos luminosas para o alto em acção de abençoar e
disse: Lançai fora de vós tudo
o que tivestes na terra, que não é outra coisa que pó, e que já para nada
serve. Vesti de agora em diante somente a veste que vos deu a mãe natureza.
Voltai com alegria para uma vida nova e termine para sempre entre vós, as
discórdias e as guerras, e sejam todos os povos como irmãos.
Desde
agora, acabe entre vós o mal e as baixezas, e nunca nasça mais um só pecado. De
agora em diante sereis felizes, serenos e doces, como os anjos. Já não serão
atacados pela morte, nem pelas enfermidades, nem haverá mais separações entre
vós, seres amados. E estareis sempre com os vossos entes queridos, enquanto que
os que estão acima no caminho da perfeição, os vereis somente nos dias de
festa. Desde agora em diante não haverá mais disformes nem enfermos, nem o
velho se distinguirá do jovem, porque tereis todos a idade que eu tinha quando
venci a morte: trinta e três anos! E vossos corpos se conservarão sempre
imutáveis, porque vós sois para Mim herdeiros do Universo, desde o momento em
que Me amastes a Mim, como eu vos amei.
O
Redentor levantou para o alto os Seus braços e uma nuvem densa envolveu todas
as coisas. E quando se dissolveu, a terra apresentava um aspecto diferente.
Ainda que nada tivesse mudado de lugar, sem esforço, os rostos e os corpos se
haviam renovado completamente. Os novos rostos estavam cheios de vida e neles
afloravam sorrisos de felicidade. Só a muito custo conseguiam reconhecer-se a
si mesmos os velhos e os enfermos. E junto deles havia um incalculável número
de santos, com o corpo rodeado de auréolas luminosas de muitas cores. Todos
tinham vestidos de várias cores, leves e amplos, bem distintos dos terrestres e
tecidos de uma substância macia e perfumada, igual aquela com que estão
impregnadas as pétalas das rosas. Todos resplandeciam com uma viva luz e
pareciam figuras diáfanas. E todos tinham os olhos fixos no Salvador.
Entrementes
o Senhor reuniu os anjos e lhes ordenou acompanhar os santos ao céu,
precedendo-lhes no voo. E os anjos subiram voando, seguidos daquelas santas
almas, aquelas que o ar sustentava sem que tivessem asas. A assim ascendiam em
amplos círculos. Os pecadores, no entanto, quedados abaixo, na terra, seguiam
com olhos ávidos o sublime voo que eles invejavam.
V
– Intercessão da Virgem e dos santos
De pronto ressoou
pelos ares um terrível trovão e se entreviu a presença das falanges e das
forças infernais que se metiam entre as nuvens de neblina, sinistramente
iluminadas por raios. E ao ver a roxa nuvem que se acercava, os pecadores,
começaram a correr sem saber para onde, invocando salvação e tropeçando uns nos
outros. Porém, na parte oposta, se acercava uma enorme serpente, silvando e
mostrando o dorso coberto de luzentes escamas, levantando suas mil cabeças
espantosas.
Aquele
monstro representava a força das trevas em quem acreditaram os pecadores que
encontram asilo no tétrico inferno. Gritando e malvadamente contentes, os
espíritos malignos empurravam os pecadores contra a serpente e esta se acercava
deles levantando as mil cabeças e trespassando os míseros com mil faíscas de
seus olhos malignos. De suas faces ele expelia fogo e fumo e esparzia em torno
um terrível odor: assim se iniciava o tormento eterno para aqueles que pecaram
na terra.
Mas
eis que naquele instante descia do alto uma inesperada salvação: Maria! Entre
virgens formosas e brancas que a rodeavam cantando harmoniosamente. Entre nós Virgem amada, de grande espiritual
beleza ó beata, teu amor nos tem reunido, glória para ti, pra sempre amada. Que
tão bela e luminosa apareces, protectora piedosa, e sempre estás pronta a
acolher as súplicas, quando uma alma contrita te implora.
Seu rosto estava adornado
de uma beleza espiritual indescritível, coisa que eu nunca havia visto antes,
entretanto me pareceu conhecê-la há muito tempo. Um outro coro continuava o
doce canto: Tu deste a materna
carícia a teu doce menino Jesus, e choraste com tanta tristeza na cruz de
Cristo.
Sua
aparição reanimou os pecadores que foram presos de secreto pressentimento e
alegria, quando ela chegou-se a Jesus e levantando os olhos para Ele, cheia de
esperança, falou com suavíssima voz: diz-me,
ó Senhor, onde estão aqueles para quem te pedi perdão?
Estão
aqui, respondeu Jesus!
Os anjos pronunciaram seus nomes e os pecadores abriram seus lábios até então
mudos e invocaram o nome dela, estendendo para o alto seus trémulos braços, e o
Senhor disse: Vós que elevastes
com fé a oração para Minha Mãe, e com amor vos dirigistes a ela pedindo a graça
da remissão dos pecados, Eu vos perdoo. Apenas
havia pronunciado estas palavras, e já os absolvidos ascenderam aos céus. Em
sua maioria eram mulheres e estas fizeram uma coroa ao redor da Eleita que,
ardente de gozo em seu rosto, dobrou os joelhos diante de seu bom Filho.
Depois, ascendeu de novo ao alto, ao Empíreo, seguida do voo dos perdoados.
Então surgiu o
Grande Profeta da Cristandade que, inclinando a cabeça ante o Redentor rezou
assim: Ó Senhor! Tu sabes que durante toda a vida eu tenho condenado
inexoravelmente o vício e o pecado. Mas quando terminei minha vida terrestre,
vim para junto de Ti, escutei com atenção e benevolência as súplicas daqueles
que, mesmo pecando, honraram na terra o meu nome, e se dirigiram a mim pedindo
clemência, já que não se atreviam apresentar-se a Ti, temendo Tua grande
Justiça! E agora, no dia do Juízo Final, ó meu Senhor, te rogo perdão, por Tua
imensa misericórdia, aos homens que te ofenderam com seus pecados. Este
pedido ardente do profeta chegou a Jesus e Ele disse: Por tua súplica, sejam perdoados os
pecadores que, embora se tenham desviado de Meus mandamentos, sem medo,
conscientes de seus pecados, se dirigiram a ti, arrependidos, para pedir a
salvação.
De
novo se ouviram gritos exultantes e também pequenas levas de pecadores subirem
aos céus. Então, o grande Santo se achegou a Cristo e de joelhos pediu perdão
por aqueles que, sem conhece-lo, viveram justamente, amando o bem e detestando
o mal, ao que disse Jesus: Sim,
será como tu pedes! A aqueles que odeiam o mal e fazem o bem, eu não os culpo.
Eles não conhecem a pia baptismal, porém estarão comigo, embora separados dos
cristãos. A todos aqueles para os quais tu tens me pedido a graça, Eu concedo o
perdão. Depois destas
palavras, se levantaram do solo todos aqueles que, não sendo cristãos, amaram o
bem e honraram a verdade, e junto com muitos foram admitidos no Céu por
intercessão do Grande Santo.
E de
novo a abóbada celeste se iluminou com a imagem da Virgem Maria que, ricamente
vestida, vinha pelo ar, triste e silenciosa.
Por
quem vens agora suplicar? lhe perguntou seu Filho, Deus! Ao que ela respondeu: Venho outra vez outra vez pedir por
aqueles que tem rezado, pelas mães que verteram rios de dolorosas e sinceras
lágrimas; perdoa-as em nome do amor materno, a aquelas por quem rezou este
amor! E uma vez mais, como
uma onda sonora, aos gritos alegres dos pecadores perdoados, deixou a terra uma
multidão de gente, mudando a expressão de seu rosto, de dor em alegria e
subiram ao céu.
Então,
em torno de Jesus surgiram, em luminoso tropel, Santos e Santas, como flores de
suave e delicada beleza. E eles, um depois do outro, intercederam pelos
pecadores que na terra, rezando, haviam recomendado a eles suas almas. Cada
súplica foi atendida e uma nova e maior multidão, ascendeu em debandada
jubilosa ao Céu, ao Reino da Luz e da Paz Eterna.
Então,
os primeiros seguidores de Cristo, os Apóstolos, elevaram a Jesus preces para
os pecadores que em vida foram seus devotos. E Cristo disse: Não posso negar esta graça a vocês,
meus discípulos dilectos, vós que fostes os primeiros a acreditar em Mim. E voltando-se para os pecadores
que, com a respiração suspensa seguiam as preces de seus intercessores e falou: Perdoo aos que rogaram pelos meus
apóstolos, que ensinaram na terra a verdadeira religião. A estas palavras, os pecadores
absolvidos, com gritos de alegria ascenderam em levas, para junto de seus
Santos protectores, subindo até a ilimitada altura celeste.
Sozinho,
contra o fundo do azul celeste, Jesus estava radiante de uma luz infinita, e de
novo se acercou Dele a sua Santa Mãe, e vendo a imensidade de pecadores que
ainda estavam na terra, estava calada e lacrimosa, oprimida pela visão dos
pecadores que fixavam nela seus olhos suplicantes e pediam graças a ela, com
seus braços estendidos. E escutando o comovedor gemido deles, disse entre
prantos: Tu que és o
Omnipotente, perdoa a todos! Eles sabem que tua condena é justa, mas o dia do
Juízo Universal será mais belo se, se igualar em alegria ao dia em que
ressurgistes dos mortos e que o perdão chegou até o mais profundo dos infernos.
E foi se postar na frente do Salvador, em humilde súplica.
Eu
digo-te, ó Puríssima: Tu julgas assim, com tua alma de fé e de
bem. Entretanto, podem estes eternos rebeldes estar junto aos justos que tenho
premiado?
Calou-se a
Virgem, e tristemente disse: Obrigada! E ela quedou-se triste e calada
suplicando a Cristo. Então o Salvador, cedendo a sua venerável Mãe, perdoou os
melhores de cada povo, e depois ascendeu ao Céu, levando junto de Sai Sua Santa
Genitora.
E
subiam, como espirais de incenso sobem levemente desde do altar, espargindo ao
redor um suavíssimo perfume, enquanto atrás deles, sobre o fundo azul da
imensidade, se irradiava a Luz Eterna, esta luz que somente podem espargir,
Jesus Cristo e sua Divina Mãe.
é
l
TERCEIRA PARTE è
ENTRE AS ESTRELAS
Versão Espanhola
Después de terminar el Juicio Universal, Cuando Cristo subió al cielo y
Ias almas de los pecadores fueron levadas allí donde viven el mal eterno y las
oscuras fuerzas infernales, la tierra era tremenda y en ella reinaba una
inmensa devastación.
Empezamos a visitarla - la abandonada por Dios - en un tiempo tan
hermosa, tan variada y rica por Ia naturaleza. Pero después dei Juicio se había
vuelto muerta, triste y horrenda. Fábricas, barcos, trenes y aviones, todo el
movimiento había cesado de golpe. En ningún lugar se vela una criatura viva y
no se oía ni el canto de un ruiseñor, ni el zumbido de un insecto, ni el
silbido de una locomotora, todo estaba muerto.
Entramos en un castillo, que en tiempos fue espléndido, ahora medio
derruido; todo estaba hecho pedazos y en el suelo yacían preciosas estatuas y
columnas. Mi compañero me llevó a un arca intacta todavía, llena de espléndidas
joyas y de monedas, e indicando con la mano el Cielo, me dijo: «Allá arriba,
esto no sirve. Allí para la salvación basta la belleza del Alma».
Después, vi millones de cadáveres de hombres, de animales y de pájaros
amontonados unos sobre los otros ya en descomposición. Ellos apestaban de tal
modo el aire que ya no se podía estar en la tierra.
Entonces empezamos a elevarnos... y en aquel momento me desperté. Delante
de mis ojos tenía todavía las magníficas visiones del sueño que hacía poco
había tenido; junto a mí, tranquilo y dulce como siempre, estaba mi compañero:
¿Recuerdas bien lo que te ha sido revelado en el santo sueño que acabas
de tener?»
- Sí - le respondía llena de una íntima y misteriosa emoción.
- Entonces - continuó mi compañero - te mostraré la maravillosa vida de
ultratumba.
Era un día, brillante, lleno de sol. Subíamos lentos hasta que la tierra
desapareció a lo lejos como una mancha oscura...
De pronto, una desconocida fuerza nos arrastró adelante a una velocidad
tal que yo sentí girar todo en torno a mí y confundirse todo. Me invadió un
estremecimiento, pero no pasó sino un tiempo inestimablemente, breve y nos encontramos
en el círculo de las estrellas.
« Oh, Señor - murmuré -, qué vuelo tan veloz!» Y mi compañero respondió:
«Será siempre así, de vez en Guando volaremos de un planeta a otro».
Se había apagado ya la luz del sol y alrededor de nosotros había una
extraña luminosidad que nos permitía distinguir las cosas.
Y he aquí que vi todas las estrellas, pero no las observé con ojos
humanos; se me aparecieron como suelen aparecer a la vista espiritual. Observé
que la mayor parte de Ias estrellas, en vez de estar desordenadamente
esparcidas por la bóveda celeste, estaban, en cambio, reunidas en grupos; y vi
también masas de vapores informes que parecían de fuego y emanaban un calor
fortísimo. Y algunas, de las estrellas tenían un movimiento bien definido y otras,
en cambio, estaban inmóviles, reluciendo con una luz vivísima. Y mientras
estábamos entre estos grandiosos y esplendidísimos mundos, mi compañero
observó: «He aquí, ante nuestros ojos, pasa todo el universo sin la omnipotente
mano de Dios no puede existir el universo, ni nosotros lo podríamos imaginar. Y
los hombres, después de su vida mortal, si han sido justos, subidos al cielo,
en los días de gozo festivo, serán admitidos a visitar todos los otros
planetas».
Y he aquí que ante nosotros, en la lejanía, apareció un globo
blanquecino, plateado, pero cuanto más nos acercábamos a él, más frío se volvía
el aire de todo alrededor. Triste y desierta era su superficie y allí no
crecían ni árboles ni hierba. Todo parecía muerto desde inmemorable tiempo:
mares, ríos - todas las extensiones acuosas, en suma -, estaban encadenadas,
cubiertas por una capa de hielo denso y reluciente; los montes estaban
cubiertos de nieves eternas y los más altos no eran ya más que pirámides de
hielo.
Nos posamos sobre la cima más alta y yo pregunté: «Se disuelven nunca la
nieve y el hielo?» «Nunca, que esta es la voluntad de Dios - respondió mi
compañero -. Todo aquí permanece eternamente helado».
Alrededor reinaba Ia desolación y de los espacios sin vida donde brillaba
el hielo transparente y centelleante en si cándido esplendor, deslumbrándonos
los ojos con sus reflejos diamantinos, venia a nosotros la silente tristeza de
una tragedia sin nombre…
é
l
QUARTA PARTE è
O INFERNO
Advertências da autora
Há homens que dizem: se Deus é verdadeiramente misericordioso, não
pode martirizar as almas humanas no inferno, quanto mais eternamente. Talvez,
querido leitor, você mesmo terá pronunciado estas amargas palavras muitas
vezes, ou bem teve tal pensamento, sem pensar que Deus havia descido do Céu à
terra precisamente para redimir os homens do inferno. Ele havia descido para
aliviar-nos o caminho até o luminoso reino dos Céus e armar-nos do sinal da
Cruz contra Satanás.
Mas
a isto se pode contrapor: “– Porém, por quê, então, o Senhor permite a
existência de Satanás e por que Ele o criou?” Deve se lembrar que Satanás tinha
sido criado como anjo puro e que só mais tarde se afastou de Deus com todos os
seus sequazes.Sendo
um espírito incorpóreo, ele, por isto só é imortal, consequentemente eterno.
Assim é o homem. Nasce um menino puro, sem
pecados (Sim com o pecado original), porém mais tarde se afasta tantas vezes de
Deus, não reconhece Sua Vontade, rebela-se contra Ele e actua mal. Tal
homem, depois de sua morte inevitável, certamente vai ao inferno, como havia
dito Nosso Senhor: “Ao fogo eterno, preparado para o diabo e para seus
anjos” (São Mateus 25, 41).
Entretanto, não obstante estas santas palavras, há homens que decididamente
refutam a doutrina do inferno, contrariamente aos ensinamentos de Jesus Cristo,
o qual prevenia os homens para que não fossem parar neste lugar de martírio.
Segundo alguns sábios, este martírio não seria eterno; entretanto,
deve-se advertir que na Epístola aos Hebreus (1, 8) diz-se: “Pelos séculos
dos séculos, o ceptro de seu reino é um ceptro de rectidão”. As mesmas
palavras estão no Apocalipse (20, 10), onde se diz claramente: “e serão
atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos”.
O inferno é terrível! É terrível porque já
significa a separação eterna de Deus e esta separação não é a simples
inconsciência, muito mais é o sofrimento físico neste lugar: “... onde seu verme não morre e o fogo
não se apaga.” (São
Marcos 9, 48) No Evangelho de São Mateus (8, 12), diz-se: “ali haverá pranto e
ranger de dentes.” Também o Santo Evangelho ensina: “E além de
tudo isto, entre nós e vocês há um grande abismo, de maneira que aqueles que
queiram passar daqui para vocês não podem nem daí passar para nós” (São
Lucas 16, 26).
Serve de exemplo para todos os pecadores a sorte de um rico que
ouvia tudo e, encontrando-se no inferno, ouvia chegar desde o paraíso as
palavras de Abraão: “estava em plena consciência, mas atormentado
terrivelmente” (São Lucas 16, 19-23). Não há escrito sagrado no qual se
mencione qualquer transformação no inferno depois da ressurreição de Cristo.
I
Desta vez fomos separados do planeta rígido e gélido, de novo
voamos para cima. Dirigimo-nos para um novo planeta, todo reluzente, e à
medida que nos aproximávamos, encontrávamos uma atmosfera cada vez mais
incandescente. Evidentemente, uma força desconhecida, que emanava do próprio
planeta, produzia este fenómeno.
Não sei porque, mas eu sentia uma estranha
turvação na alma, à medida que diminuía a distancia que nos separava dele; a
vivíssima luz que dele emanava me cegava os olhos e todo o corpo sentia um
calor insuportável. Finalmente,
chegamos ao alto de uma montanha que se erguia sobre todo o planeta. Desde
este topo, podia-se alcançar um amplo horizonte. À direita e à esquerda, entre
cadeias de montes, via-se vulcões activos, que lançavam fogo em grande
quantidade. Nuvens
de fumaça
negra e torrentes de fogo saíam de suas crateras, como de gigantescas bocas
abertas e envolviam tudo com uma neblina espessa, com pedras candentes e a lava
que saíam das entranhas da terra. Canais sinuosos de metal fundido desciam
lentamente, com uma cintilação estranha, desde os cumes dos vulcões até os
vales.
Tudo ao redor estava imerso na escuridão. Por algumas horas
apareceu o disco de um astro, semelhante ao nosso sol, mas que aparecia coberto
por um denso véu, emanava uma luz fraca, crepuscular; passado este breve
período, caía de novo a longa e triste noite, durante a qual se viam saltar
aqui e ali as pequenas luzes errantes de chama maléfica, as quais apareciam com
intermitência extraordinária, sempre crescente e depois desapareciam
completamente.
Cada
vez eu me sentia mais angustiada e triste. Não consegui descobrir nenhuma vegetação,
excepto alguns arbustos sem folhas de uma cor cinzenta e de uma forma estranha
trepando aqui e ali pelas planícies e os vales. Virando-me para trás pude
descobrir algum rio. Suas
águas lodosas seguiam lentamente, como apáticas. Por toda parte reinava a
desolação e a escuridão. E tudo me parecia deserto, mas meu companheiro, de
repente estendeu-me o braço, indicando-me um dos profundos precipícios e disse:
“– Olha!”
Fixando a vista naquela direcção, vi algumas
figuras que se moviam rapidamente em meio a luzes imperceptíveis. Desde a
altura onde eu observava tudo, pareciam-me pequenas como formigas. Começamos a descer,
sempre nos aproximando àquele precipício, e quando estávamos próximos paramos
diante de uma rocha escarpada.
“– Todos estes são pecadores”, disse
meu companheiro. “–
Agora você ficará só entre eles, sem mim, mas se acontecer qualquer coisa a
você, mesmo que você se assuste, não deve rezar, porque aqui é severamente
castigado quem dirige uma oração a Deus.
Eu não estou certo disso, mas creio que lhe acontecerá algo também se você
rezasse. Não esqueça que este é o reino dos espíritos do mal. Não deve rezar
nunca, porque a oração deste reino não chega a Deus.”
“– Por quê? Por que nunca?” Eu não
consigo compreender como é possível que a oração possa ter obstáculos.” E o companheiro
me respondeu: “– O obstáculo consiste na graça de Deus que não chega até as
almas dos pecadores. Assim como os homens não podem falar à distância sem o
rádio, assim também a oração sem a graça do Espírito Santo não pode chegar a
Deus.” E desapareceu. Então, ainda mais de perto, eu vi como os pecadores
dançavam loucamente uma dança selvagem; dançavam desesperadamente e parecia que
sua dança não devesse nunca ter fim. Os demónios arrastavam homens, mulheres e
idosos aos lugares mais abertos para atormentá-los ali e quando estes,
esgotados, caíam ao chão proferindo horríveis imprecações eram agarrados pelos
pés e atirados a um turbilhão.
Deixei
aquele desfiladeiro e comecei a descer até a planície. Mas
aqui vi um tórrido e vastíssimo deserto e aqui também a terrível dança dos
miseráveis pecadores, que não parava um instante enquanto eles derramavam
lágrimas dilacerantes. Observando-os mais atentamente, vi que junto a eles
dançavam também espíritos malignos rindo selvagemmente sem nunca se cansar. Eles obrigavam as
infelizes almas a girar cada vez mais velozmente, gritando sem interrupção: “–
Alegres, todos alegres!” Alguns, dando saltos, se elevavam sobre a
multidão dos pecadores e gozavam com a visão da gente nua e martirizada, com os
cabelos revoltos, sem lavar nem pentear há séculos, nos quais havia cravados
espinhos.
Que
terríveis e poderosos eram aqueles espíritos malignos! Faziam os pecadores se desesperar.
Atando-os com ramos espinhosos e fazendo-os dar voltas assim sobre as areias ardentes,
cuspindo-lhes nos olhos, agarrando-os pelos cabelos, abrindo-lhes a boca à
força até rasgá-la, golpeando-lhes violentamente com pedras, cegando-lhes e
fazendo-lhes caminhar, depois destas e outras torturas inauditas, com aquele
sofrimento, por precipícios cujo fundo estava cheio de pedras afiadas como
navalhas. E enquanto eles caminhavam, os demónios montavam ao pescoço de cada
pecador, pegando-os pelos cabelos e guiando-os assim pelo doloroso caminho. Se
alguém conseguia soltar-se do espírito maligno, imediatamente lhe pegava outro
e os sofrimentos recomeçavam, ainda mais penosos e intoleráveis.
Alguma vez também, aqueles demónios horríveis mostravam ao pecador
os rostos de seus parentes e de outras pessoas queridas que se encontrava
sofrendo junto a ele no inferno, ou começavam a analisar o passado terrestre de
suas vítimas, mas limitadamente aos pecadores e às más acções. Faziam o pecador
ter as visões de todos os seus pecados terrestres pelos quais haviam sido
condenados, de modo que a estância infernal se tornava ainda mais intolerável.
Eu prosseguia meu caminho, deixando atrás o
horrível, tórrido infinito deserto e os pecadores dançantes ao som das risadas
sarcásticas dos demónios. E
cheguei logo a um vale cheio de pedras onde, de vez em quando, passava um
formidável furacão que levantava nuvens de poeira e lançava ao ar as próprias
pedras. Os espíritos infernais perseguiam aqui a uma
multidão de seres cujos semblantes conservavam já bem pouco da natureza humana:
estavam extremamente magros e seus braços pendiam inertes; todo seu aspecto
denotava sofrimentos inimagináveis. Torturados pela sede, arrastavam-se com
dificuldade, em silêncio, com a boca cheia de poeira. Ao redor reinava um
cheiro horrível e nuvens de fumaça negra envolviam tudo. Entre estes pecadores,
alguns lutavam violentamente a pesar de saberem dos terríveis castigos que os
esperavam; porém eram já indiferentes a tudo porque estavam habituados a ser
atormentados continuamente e porque haviam compreendido que, ali no inferno, já
não podiam ter esperança alguma, assim já não reclamavam mais.
Não podendo suportar mais aquele terrível
furacão de poeira, segui adiante, caminhei longo tempo e, finalmente,
deparei-me à beira de um charco lodoso. E pareceu-me que nele chafurdavam seres
de aspecto repugnante. Vi
depois como os pecadores, torturados pela sede, corriam até aquele tanque
pestilento e bebiam daquela água fétida. Dava-me horror olhar aqueles pecadores tão
continuamente torturados e sempre rodeados dos demónios, furiosos, perversos e
trapaceiros. Com grande medo e quase parando a cada passo, avancei até as
rochas que se perfilavam à distância e decidi esperar sobre elas o retorno do
meu companheiro. Ali
escolhi um lugar, o mais tranquilo, e cansada das impressões sofridas,
sentei-me sobre as pedras.
De
repente, um misterioso alvoroço sobressaltou-me. Vinha
de um lugar pouco distante. Aguçando o ouvido, percebi suspiros profundos e
penosos. Voltei-me e olhei: a poucos passos, aos pés de uma enorme rocha cinza,
jaziam pecadores esgotados, tristemente com o olhar fixo na noite impenetrável.
“– Sempre a noite, somente a noite, e nunca a luz! É possível que não chegue
nunca o amanhecer?”, perguntou um deles, lembrando do sol e da primavera... e,
ante sua mente, passaram as visões da vida vivida; também os outros começaram a
lembrar o tempo passado na terra enquanto viviam, sentiam e amavam e cada um
deles tentava aliviar, ainda que fosse um só minuto, com as lembranças da vida
passada, sua alma sofredora. De suas conversas se deduzia que o passado estava
sempre vivo neles, mas que os espíritos do mal não lhes permitiam sonhar nem
esquecer os sofrimentos.
Rapidamente, de trás das rochas altas e escuras, apareceu um fogo
vermelho e queimou terrivelmente as almas, chegadas aqui para descansar. No Inferno, não pode haver paz. E
eu, estava desejosa de silêncio e queria fugir de todos aqueles horrores,
decidi transportar-me a outro lugar.
Diante de mim se estendia uma planície.
Encaminhei-me por ela, passando as trevas que por todos os lados me rodeavam.
Os espíritos malignos observavam àqueles que passavam diante deles e
perseguia-lhes selvagemmente com açoites que levavam nas mãos. De vez em
quando, da terra saíam línguas de fogo de todas as cores, que por um instante
iluminavam sinistramente as silhuetas. E ouvi um canto, triste e melancólico,
no qual tremiam as lágrimas e ouvia-se um sofrimento abafado e uma dor
inconsolável.
Aproximando-me
mais, vi sob a protecção de uma rocha os que cantavam com tanta tristeza. Suas
faces eram de cor cinzenta e eles mesmos sem força, ofegantes, empurravam com
seus braços esqueléticos uma enorme rocha de grande peso. Este trabalho seu era
perfeitamente inútil em si mesmo e isto aumentava ainda mais seus sofrimentos.
Sobre suas cabeças caíam nuvens ardentes, atravessadas de flechas de fogo e
nuvens de fumaça, misturadas com faíscas. Eu me senti mais aterrorizada e senti
um desejo enorme de sair o quanto antes daquele lugar tenebroso.
Enquanto isso ouvia um ruído que procedia
do fundo da terra. Ante mim, abriu-se uma inclinada encosta, que comecei a
descer com muito cuidado. No ar, sentia-se um intenso cheiro de enxofre e
redemoinhos de poeira ardente tornavam difícil a respiração. A muralha cinza
rochosa se elevava quase verticalmente sobre minha cabeça e, do alto, caíam
como chuva faíscas incandescentes. O vento seco e turvo não refrescava nada e
vi um espectáculo novo e horrível. Os miseráveis pecadores, arrastados pelos
demónios, fugiam velozmente diante de nós com o ruído infernal que os perseguia
e, gritando de terror, protegiam a cabeça enquanto alguns deles caíam por
terra, esgotados pela sede, com o rosto na poeira. Estariam dispostos a
suportar qualquer martírio, com tanto de obter uma gota de água, com a qual
refrescar a boca queimada pelo terrível calor. Mas não há para eles nem sequer
uma gota de água e isto continuamente aumentava seu sofrimento sem um final
possível.
Os
espíritos infernais os vigiavam e, ao cair um, estavam prontos para golpeá-lo
cruelmente com seus pés achatados até que se levantava e recomeçava a corrida,
docilmente. E eis aqui que, enquanto eu observava aquele espectáculo
horripilante, apareceu diante de mim meu companheiro com sua voz maravilhosa e
fascinante: “– Você teve medo?”, perguntou-me e eu, a sua pergunta, não soube
responder outra coisa senão: “– É terrível!” E ele: “– Agora deixaremos este lugar e
voaremos a outros planetas!”
Começamos a subir a uma velocidade ainda
maior do que a do voo anterior. O ar se tornou cada vez mais agoniante e o
calor se tornou insuportável em certo momento. De longe apareceu um astro
incandescente que foi pouco a pouco ficando maior. Sem interromper para nada
nosso voo, atravessamos uma zona iluminada por uma luz violácea, e cada vez
sentíamos mais que nos queimava o fogo que emanava daquele gigantesco planeta.
Dirigimo-nos até ele. Um pouco mais e o alcançaríamos. E pareceu-me que o céu
oscilava e se agitava como se respirasse; o próprio planeta não me pareceu
denso como nossa terra, e sim composto de gás denso, extremamente incandescente.
Contudo, quando descemos sobre o planeta,
convenci-me que em parte minhas suposições estavam erradas: de fato, aqui e ali
havia também terra firme sobre a qual vagavam luzes estranhas; do alto chovia
uma estranha claridade Láctea, ao redor reinava a tristeza e do solo ardente
saía um calor indizível que sufocava.
“– Nem sequer aqui existe a felicidade - disse meu
companheiro. A felicidade aqui não existe. Os espíritos do mal trazem aqui as
almas dos pecadores para fazer-lhes sofrer novas e mais refinadas torturas, mais
dignas de seus pecados.”
Por todos os arredores reinava o caos e, entre o rumor dos
elementos enfurecidos, ouvia-se um gemido triste semelhante ao lamento de
muitas vozes. E apareceu diante dos
meus olhos uma ladeira plana que descia até um lago, que parecia de estanho
fundido. Por todos os arredores voavam insectos venenosos de aspecto
repugnante, de cujas picadas os pecadores buscavam refúgio escapando pelas
rochas ao redor. Alguns pecadores eram
seguidos de demónios que, providos de poderosos açoites os açoitavam, entravam
nas cavernas, mas em seguida se viam obrigados a sair delas e corriam
maltratados e famintos em direcção ao lago ardente, onde se precipitavam
chorando e gritando: “– Onde estás, ó morte? Ó
morte, amiga desconhecida!”
Mas a morte não existe, só a vida existe,
vida eterna de alegria para os homens piedosos, vida eterna de tormento para os
pecadores. E aqueles miseráveis continuavam retorcendo desesperadamente as
mãos, invocando em sua loucura a morte inexistente.
II
Depois de ter observado tudo isto, começamos
a descer. Aos pés da margem escarpada, descobrimos enormes cavernas, escavadas
entre as rochas. Duas
das mais amplas tinham a entrada obstruídas por penhascos, e delas saíam um
ruído ensurdecedor, gritos selvagens, uivos bestiais e assobios estridentes. Que
agitado era aquele recinto infernal! Aqui e ali, vi espalhados arbustos
cobertos de espinhos, de lodo viscoso e tufo negro; também havia alguma árvore
sem folhas. Sobre nossas cabeças passavam voando horríveis monstros, que contribuíam
a tornar o panorama mais sinistro.
“– Hoje – disse-me o companheiro -
Satanás celebra no inferno seu banquete anual. Guarde bem o que você vir”.
E vi como as entradas das cavernas começaram
a abrir-se lentamente. Delas surgiam línguas de fogo. Alguns espíritos malignos
entraram para tirar aos pecadores mais ferozes, conhecidos em todo o mundo.
“– Por um compreensível desejo de Satanás
– explicou-me o companheiro – alguns pecadores esperam séculos e séculos antes
de poderem participar nesta festa; outros pelo
contrário são admitidos em seguida. Esta festa se celebra uma vez
ao ano e precisamente no dia em que o Senhor expulsou os anjos maus. Naquele
dia, Satanás, que foi anjo bom até ter a temeridade de rebelar-se contra Deus,
volta a sentir com particular agudeza todo o horror de sua queda. Nesse dia,
ele busca distrair-se como pode, organizando uma festa em seu tétrico reino.
Mas nada pode aliviar seu afã e ele sofre naquele dia por ter recusado as
alegrias do Paraíso e por não ter domado seu orgulho ante o Senhor.”
Logo,
por uma desconhecida força foi lançada para fora da entrada da caverna uma bela
mulher, com os braços estendidos para a frente e seu cabelo em chamas. Em
seus olhos, de um azul-escuro, parecidos a safiras, ardia uma maldade inumana;
seu cabelo, de um vermelho vivo, estava solto. Toda recolhida feito um
novelo sobre si mesma, desenrolou-se como uma serpente e escondeu-se, com a
cabeça inclinada, próximo à porta.
Entre
as chamas, apareceu então outra mulher (1), de cabelo mais negro do que a
noite, como dois enormes carvões brilhavam seus olhos. Lenta
e majestosamente, dirigiu-se à outra mulher que, chorando e tremendo, havia se
escondido em uma sinuosidade da rocha junto à entrada infernal e, colocando uma
mão na cabeça, ficou imóvel naquela postura.
(1) Este mulher pode ser identificada como uma rainha da Rússia,
mulher devassa e depravada, verdadeira Messalina, que era capaz de enfileirar
20 soldados por dia, todos os dias, para manter relações com ela. Chegava a
fazer isso por até 36 horas ininterruptas, apenas para se considerar com mais
furor uterino que as mais terríveis prostitutas dos arredores de Moscou.
E
desde a caverna vizinha saiu um velho alto, todo encurvado com uma grande barba
branca e sobrancelhas espessas(2).Caminhava
sem pressa, dirigindo-se até a parte oposta onde se encontravam as duas
mulheres. Chegando a certo ponto, deteve-se. Sua aparição não despertou
surpresa alguma entre os espíritos infernais, mas não se aproximaram dele. E
ele, levantando a cabeça, olhou ao redor. Tudo nele mostrava uma forte
determinação; seus olhos expressavam uma inteligência incomum, mas ao mesmo
tempo uma tristeza resignada em uma profunda pena. Inclinou a cabeça no
silêncio e a barba branca cobriu todo o seu peito.
Depois
dele, arrastado pelas mãos por uma manada enfurecida de demónios e com sinais
de golpes nas costas, apareceu um homem mais velho, de estatura baixa, era
robusto, tinha a cabeça calva e grande (3). Os espíritos malignos o golpeavam
furiosamente sobre o rosto, gritando-lhe nos ouvidos: “– Você que não acreditava em nada? Você que
pensava que a vida só existia na terra e arruinava sua pátria, atormentava e
matava seu próximo sem temor de um dia prestar contas disso! Agora verá que não
é assim! O próprio Satanás inventará para você os sofrimentos mais atrozes;
agora pelo contrário, te levarão a inclinar-se ante ele!”
(2) Pelas
descrições a seguir ele será indicado como o ateu Karl Marx.
(3) Este é mais facilmente
identificado com Lenine.
E ele, todo curvado sobre si mesmo e sem opor resistência
alguma, apertava o passo detrás deles. Os demónios não o
arrastaram até os pecadores que o haviam precedido, sim em direcção à abertura
de uma caverna situada em frente às outras. Naquele mesmo instante, do interior
da caverna, elevou-se um terrível rumor, um espantoso grito misturado
com risos selvagens e assobios estridentes. De vez em quando, entre todo aquele
bulício, elevava-se um gemido longo e piedoso.
Eu olhei atentamente naquela direcção, também
os pecadores tinham o olhar fixo sobre aquela entrada. E dela saiu uma multidão
de certos seres horríveis que se contorciam; pouco tinha de aparência humana,
acuados pelos golpes. Assim se aproximaram ao pecador calvo e
lançaram-no aos pés ao recém-chegado; este se levantou olhando ao seu redor com
ar aturdido e sempre tremendo, pôs-se ao lado do homem calvo. Tinha a cara
estreita, com cavidades e pômulos salientes, um nariz muito fino, era de
estatura um pouco mais alta que a média.
O velho levantou a vista e o olhou com
arrepios enquanto os dois pecadores, com indescritível desdém, voltaram-lhes as
costas.
Naquele
momento, escutei aproximar-se de cada lado um ruído, primeiro apenas
perceptível, depois cada vez mais forte. O ruído mudou depois para um bater de asas. Uma multidão de espíritos
horríveis voadores se aproximaram lentamente dos pecadores, e diante de mim se
formou um emaranhado vivente que se levantou e logo se precipitou
vertiginosamente para baixo, desaparecendo entre as trevas.
Diante das cavernas ficou tudo deserto,
as horríveis portas estavam fechadas, já nem se via um pecador ou um demónio.
Caminhamos
ainda mais, e de repente surgiu ante nós uma coluna alta de fogo, da qual nos
aproximamos. Parecia-me que aquela coluna, como um farol
luminoso, dissiparia também a lembrança dos horrores vistos, e que
encontraríamos lugares mais pacíficos, porém eu esquecia que no inferno não pode haver paz nem
tranquilidade. E, de fato, a coluna de fogo dissipou minhas esperanças, não
vimos paz nem felicidade, e sim um espectáculo ainda mais horrendo nos foi
apresentado.
Quando estivemos perto, vi que o negro e horrível abismo estava agitado
como por um violento temporal, nuvens acesas exalavam vapores de enxofre, e
pouco depois nos encontramos entre as chamas de um lago de fogo onde se moviam
sombras. Ó que grande era seu desespero, que grande e
terrível seu tormento! Os demónios iam aos milhares daqui para lá entre elas,
como se chegassem desde longe para contemplar avidamente as linhas sinuosas e
retorcidas das imagens incorpóreas entre os rubros da chama púrpura. Mas nós,
sem nos determos, passávamos voando mais longe, encontrando sempre novas
sombras.
“– Agora – disse-me o companheiro - você
deve ficar novamente só. Seja corajosa e não tenha medo ainda que lhe ocorresse
algo incompreensível. No mais se qualquer perigo lhe ameaçar, eu virei sempre a
tempo.” Dito isto, desapareceu.
III
Observando as torturas dos pecadores que
se encontravam entre as chamas e sentindo um calor quase insuportável,
sentia-me assombrada que o fogo infernal não queimasse tudo e a todos. Era
evidente que o fogo não podia destruir e queimar os pecadores que se
encontravam entre as chamas, como tivera feito com homens comuns, ou mesmo o
próprio fogo era de tal natureza que, ainda procurando tormentos inenarráveis,
era impotente para destruir tudo.
Ao instante me chegou ao ouvido o eco de um
coro montanhês. Escutei com maior atenção e pareceu-me que aquele canto vinha
de algum lugar debaixo da terra. Diante de mim começava uma baixada. Em todos
os arredores nas rochas havia fissuras muito profundas. A dois passos de
distância não se via, porém abaixo brilhavam luzes e quanto mais descia mais se
ouvia o canto de um coro que, ao julgar pelas vozes, devia ser muito numeroso,
mas muito desafinado. E cada vez se faziam mais vivos os fogos. Finalmente,
depois de uma descida que parecia não ter fim, encontrei-me em uma planície
imensa e completamente deserta, rodeada de montes que se erguiam assumindo as
mais estranhas e fantásticas silhuetas que mente humana jamais tenha podido
imaginar. Na base
dos montes cresciam estranhíssimas plantas espinhosas, que agitavam os ramos
como se fossem tentáculos. Pela
esquerda apareceu um charco rodeado de uma zona de musgo negro, que se movia
também, parecia suspirar.
Pouco depois cheguei a outro charco mais,
não longe de mim observei um estreito feixe luminoso e, aproximando-me,
descobri uma grande greta e uma nova baixada que conduzia à misteriosa luz.
Segui por aquele novo caminho e comecei a descida por aquele abismo, cheio de
mistérios e incertezas, e que parecia não ter fim.
À medida que caminhava, dava-me conta de
que o sendeiro se convertia em um longo caminho ao final do qual havia uma
porta que dava acesso a um lugar desconhecido para mim. Daí saía um oceano de
luz ofuscante e ouvia-se ainda mais forte o canto que se fazia cada vez mais
ressoante e que, de vez em quando, era interrompido por gritos ensurdecedores. Recorri depressa aquela
zona e encontrei-me na entrada, onde fui cegada por inúmeras luzes.
Vi uma sala imensa na qual se entrava
por milhares de portas. No meio havia uma grande extensão livre,
semelhante à arena de um circo. No centro daquele espaço se levantava um
magnífico trono, mas extremamente tétrico. Um teto negríssimo, em forma de
cúpula, com reflexos metálicos, completava a uma grande altura, aquela sala. Ao
redor do trono se moviam, sem fazer ruído algum, sombras negras de formas
terríveis e horripilantes. Em todo os arredores havia um grande anfiteatro para
os pecadores dos quais ali havia uma grande multidão. Parecia que todo o
anfiteatro havia sido um grande formigueiro e de todas as partes se podia ver
com toda claridade o trono que se elevava no centro da arena. Ao
redor elevavam-se gigantescas colunas luminosas que iluminavam todo o ambiente
com uma luz sinistra.
À esquerda do trono, meio caída por
terra, estava uma belíssima mulher, e o negro do trono fazia um esplêndido
contraste de cores com o vermelho-cobre de seu cabelo, excitante como a seda.
Delicada e graciosíssima, assemelhava-se a uma estatueta saída das mãos de um
escultor genial.
À direita do trono estava, pelo contrário, uma mulher de olhos
negros e de porte soberbo; seu cabelo harmonizava perfeitamente com o trono
escuro, enquanto que seus olhos ardentes brilhavam de ódio e de maldade e
pareciam lançar chamas. Estava radiante em sua atitude altiva e em seu desprezo
pelos milhares de olhos que estavam dirigidos a ela. E não se parecia nem sequer a uma
estatueta qualquer, podia-se dizer que era a esfinge de uma mulher de sangue
real, plasmada por um artista imortal. Eu reconheci sem esforço algum as
mulheres que havia visto retiradas das cavernas para a festa de Satanás.
Quase toda a arena em frente do trono
estava agitada com os pecadores. Não eram, entretanto, pecadores normais nem
para eles estava reservado o anfiteatro, sim aqueles que haviam manchado sua
existência terrestre com os pecados mais infames. Encontravam-se todos reunidos
em um lugar, sem distinção de posição ou de fortuna. O pecado havia igualado a
todos.
Vi também o repugnante velho calvo e seu
discípulo, aquele de tipo polonês, uma verdadeira besta humana. Um pouco separado estava
o velho grisalho cujo rosto denotava uma tristeza invencível e uma dor
infinita, parecia que recordasse as palavras do Evangelho: “Porém quem
escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor seria que pendurasse
uma pedra de moinho ao redor do pescoço e fosse atirado ao mar”, e parecia
que só agora tivesse compreendido o significado daquelas palavras.
De repente, sentiu-se uma grande sacudida
subterrânea, a terra tremeu, tudo balançou e as colunas iluminadas ainda mais
resplandecentes. Depois se desencadeou um furacão, ao que seguiu um coro de
lamentos e de gemidos. E
entre numerosos aplausos dos demónios e entre gritos irracionais apareceu
subitamente Satanás, todo envolto em nuvens de fumaça muito densa. Iluminado por uma luz sinistra, com o olhar
fixo, perdido no espaço, riu forte e maldosamente e naquela risada havia algo
terrível, de tal modo que todos os pecadores se voltaram para ele e olharam-no
com terror, privados já de vontade, sem força e sem qualquer esperança de
salvação. O trono de Satanás estava rodeado de uma multidão de espíritos
malvados cujos olhares ferozes aterrorizavam. Entoaram seu canto infernal, em
cada palavra do qual havia o eco de uma ameaça e em cada frase a promessa de
novas e inenarráveis torturas. Este canto enchia as almas dos pecadores de
terror sem limites, mas os demónios cantavam cada vez mais forte e Satanás
parecia se satisfazer com este canto porque sorria maldosamente.
Diante do trono, entre as filas de
pecadores, havia muitos que na terra tinham sido famosos por sua sabedoria e
erudição, mas que no inferno já não havia necessidade de tudo isto, eles não se
distinguiam em nada dos outros, e pelo contrário, como eles, tremiam ao escutar
o canto infernal, ao mesmo tempo não perdiam de vista a Satanás.
Satanás parou de rir. Mas, parecia-se a um
homem? Sim, ele se parecia e, ao mesmo tempo,
era um ser completamente diferente, misterioso e insensível. Toda sua figura
mostrava uma incrível auto-confiança e uma consciência da própria força, mas
seu rosto não mostrava alegria. De
gigantesca estatura, esbelto, bronzeado, tinha um nariz afilado entre dois
grandes olhos negros e profundos, que brilhavam como fogos sob o arco das
sobrancelhas oblíquas e estreitas. Severo e rogado,
sentava-se silenciosamente em seu trono, sobre o qual luzia uma estrela
vermelha de cinco pontas.
Mantinha-se imóvel, como esculpido em bronze, com suas duas
asas abertas semelhantes a tecidos de veludo negro, que se separavam
ameaçadoras por detrás das costas. Suas belas pálpebras
curvadas escondiam a expressão precisa de seus olhos, mas seu rosto de perfil
clássico escondia um pensamento atormentado. Parecia que naquele dia,
aniversário daquele outro em que há milhares de anos atrás foi expulso por
Deus, Satanás recordasse seu passado, quando também ele era um anjo bom alheio
a todo mal. Seu rosto expressava um secreto tormento enquanto uma ruga de
longas datas lhe franzia a testa e as gigantescas asas negras abaixavam cada
vez mais até dobrarem detrás dele, como ocorre com uma bandeira golpeada pela
tempestade.
Então Satanás levantou as pálpebras e vi
seu olhar ameaçador que continha em si um oceano de maldade e de ódio. A
multidão de espectadores a fixou: que olhar era aquele! Quanta perfídia e
quanto ódio! Assim se ergueu em toda sua estatura gigantesca, em toda sua
misteriosa essência o príncipe do mal e do pecado.
Por
todas as partes se fez um silêncio de túmulo. Satanás começou seu discurso que
se ouvia distintamente em todos os ângulos do amplo salão: “– Eu vim para
anunciar-vos novos tormentos”, disse, e sua voz se tornou ainda mais ameaçadora
e estridente e seus olhos se acenderam ainda mais pelo ódio. “– Far-vos-ei
sofrer tantas torturas que, em comparação com elas, as penas anteriores
empalidecerão. Cada ano eles serão mais terríveis e assim será eternamente.”
Com
um espantoso ruído se abriram detrás de suas costas as duas grandes asas
negras. Que terrível era, imensamente terrível, o grande Satanás! Todos os seus
demónios, ao ouvir-lhe prometer novas penas, estrondearam em risos de alegria.
Os pecadores, pelo contrário, pressentindo os tormentos que lhes esperavam, se
agacharam gemendo e chorando, enquanto as colunas de fogo brilharam com uma luz
sanguínea, bem como se tornou sanguinolenta a estrela de cinco pontas colocada
sobre o trono. Tudo se cobriu de vermelho.
Satanás
se sentou novamente. Então vi que uma multidão de espíritos malignos se
precipitar sobre a bela mulher de olhos negros, fazendo-a levantar a pontapés.
Ela se pôs de pé como uma fera ferida e seus olhos relampejavam de ódio. Mas de
improviso se direccionou sorrindo e com passo seguro, impressionantemente
descarada, dirigiu-se até o trono, movendo os quadris, levantando seus seios
alvos, ostentando sua graça e todo seu encanto pessoal. Mas Satanás riu com uma
risada de zombaria e desprezo.
“–
Na terra, você subjugava os homens com sua voz, com seus olhares, em uma palavra
com seus encantos, e oferecia-lhes todas as alegrias da felicidade terrena:
ouro e até o poder. Não deixava em paz aqueles que escolhia. Assegurava-lhes em
seus cantos que ninguém a não ser você podia dar a felicidade plena.
Desperdiçava o ouro e as riquezas sem se preocupar e se vangloriava de sua
glória efémera e do esplendor de seu palácio, e assim conseguia conquistar o
coração que tinha escolhido. Mas depois saciada e indiferente, ordenava a morte
sem piedade para aqueles que antes haviam sido seduzidos por você.”
Com
um gesto da mão, Satanás chamou o mais nojento de todos os demónios e,
apontando-lhe a pecadora, ordenou: “– Acaricie-o, beije-o e ame-o o quanto ele
desejar. Vá com ele, eu não tenho necessidade de você. Mas eu gostaria muito de
sentir o sabor de seus beijos e, para isso, aqui está meu pé.”
Ele
ria, fazendo mover suas asas negras. Pálida, mordendo os lábios, a pecadora
estava de pé sem mover-se, como uma estatua de mármore. Mas logo respondeu
áspera e taxativamente: “– Nunca”, e em sua atitude orgulhosa estava belíssima.
“– Nunca? - perguntou
Satanás, roxo de raiva - Mas você não sabe que minha vontade é capaz de domar
qualquer orgulho?”
Vieram
então os espíritos malignos que apanharam a pecadora e jogaram-na aos pés de Satanás
e obrigaram-na a beijar-lhe o pé. Depois disto levantaram-na e levaram-na até a
coluna ardente e apoiaram-na contra ela. Ficou negra pela dor insuportável e
pelas queimaduras, mas seus olhos rebeldes, como antes, estavam fixos,
terríveis em seu ódio, cheios de maldade, sobre Satanás.
Enquanto
isso, alguns demónios que se encontravam junto ao trono agarraram os dois
pecadores de má reputação, aquele calvo e aquele de traço polonês, e à força os
arrastaram diante de Satanás e lançaram-nos aos seus pés. E olhando-os com um
olhar irado e terrível, Satanás disse:
“–
Vêem a todos estes milhares de pecadores que reuni aqui junto ao meu trono? Por
minha vontade diante de vocês e deles passará agora uma parte de suas vidas de
criminosos e eu verei de novo suas acções, e far-me-á gozar deste espectáculo
como uma festa.”
Satanás
fez um gesto e tudo ao redor ficou escuro. No fundo da sala apareceu um disco
luminoso, como uma tela sobre a qual todos viram representada uma sangrenta
batalha. Ouviu-se o estalido dos projécteis, o ruído das metralhadoras e o
assobio das granadas. Viram-se regimentos com seus oficiais à frente,
baterem-se com valentia sem igual. Viram-se cair os mortos e feridos e viu-se
também como os soldados salvavam aos oficiais e vice-versa, todos irmãos no ideal
comum. E todos aqueles guerreiros pertenciam à mesma gloriosa terra à qual
pertencia também o pecador calvo.
“–
Eis aqui que se inicia o período de suas inumeráveis feitorias”, disse Satanás.
Ouvindo-se estas palavras, o pecador calvo que se encontrava aos pés do trono,
começou a gemer penosamente, e ao mesmo tempo sobre o disco branco apareceu seu
rosto, já suplicante, já fechado, o rosto sobre o qual se reflectia o espanto e
o nascente triunfo; e ao redor dele tudo era escuridão semelhante a uma parede
negra, impenetrável. Neste momento, a cena da batalha mudou rapidamente.
Ouviram-se novamente
canhonaços e o ruído das metralhadoras. Depois apareceu uma praça sobre a qual
se erguia um palácio todo de pedra vermelho-escura. No centro da praça surgia
uma coluna alta e elegante sustentando a estátua de um anjo. Toda a praça
estava cheia de uma multidão enfurecida que assaltava o palácio. E a cena mudou
novamente: apareceram, solenes e maravilhosos, os salões do palácio. A plebe
havia conseguido apoderar-se dele. Uma das salas tinha as portas defendidas por
garotas: estavam armadas de fuzis e defendiam com desesperada coragem o palácio
de seus soberanos. Entretanto, o povo conseguiu invadir todo o palácio.
Feras
com uniformes de marinheiros ou soldados, com faixas ou cintos vermelhos e
cintos para completar sua ostentação, foram e arrancaram os fuzis das fracas e
delicadas mãos das heróicas jovens. Gritando e blasfemando alucinadamente,
violaram até a morte às nobres heroínas. E sobre toda aquela orgia se ouviam
gritos rudes que enalteciam a vitória conseguida: “– Viva a liberdade”. “Viva
nosso líder.”
Vendo
aqueles horrores e ouvindo aqueles gritos, o pecador calvo, prostrado aos pés
de Satanás, chorou ainda mais tristemente. De novo tudo caiu na escuridão e
sobre o fundo luminoso apareceu uma nova cena. Vi um grupo de prisioneiros,
entre os quais se destacava uma mulher de alta estatura, de rosto altivo e
maneiras nobres. Junto a ela se encontravam umas jovens e diante de todos,
sentado numa cadeira, estava um homem de idade com um garoto de uns 14 anos
sobre seus joelhos. Usava um simples uniforme de soldado, sem ombreiras, e
calçava botas longas.
Senti-me
atraída por seu olhar doce, tão suave e sonhador. Lembrei que já havia visto
aquele olhar uma vez em outro lugar. Olhei melhor e vi e pareceu-me reconhecer
meu imperador. De repente esta cena desapareceu de minha vista e vi uma pobre
cabana no meio da qual estava de pé uma mulher magra como um esqueleto, vestida
de trapos com o cabelo emaranhado e com olhos cheios de loucura. Aproximou-se
tremendo do armário e do forno, procurando com as mãos trémulas algo: naquele
instante um menino gritou em seu berço e a mulher, rindo com uma gargalhada de
louca, deu um salto até o berço, pegou o pequeno e, continuando a rir,
estrangulou-o e lançou o pequeno cadáver em uma panela cheia de água fervendo
que estava sobre o fogão. Fiquei profundamente aterrorizada por esta cena
terrível, mas um sentimento inexplicável me fez compreender que aquela mulher
era uma mãe canibal da Rússia faminta.
Aquela
cena horripilante foi seguida por outra que representava as minas de carvão.
Aqui vi as mesmas cenas que tinha observado um pouco antes no inferno. Velhos e
jovens, de maneiras diferentes, mas com uma dor e uma tristeza infinitas em
seus olhos, realizavam um trabalho inumano, eram forçados por golpes de
chicotes e perseguidos por guardas robustos, cujas feições revelavam uma
estúpida bestialidade. E de novo o mesmo sentimento me fez compreender aqueles
desgraçados eram os melhores generais e oficiais russos, cuja culpa consistia
em ter amado profundamente a sua Pátria, a Rússia.
Também
esta cena desapareceu. Satanás estava sempre sentado no trono, enquanto que o
pecador calvo, invadido pelo terror, apertava convulsivamente a cabeça entre as
mãos, murmurando fracamente palavras sem sentido. “– Você viu o que você fez em
sua vida?” O pecador calvo respondeu com voz muito baixa: “– Eu vi!” E Satanás,
dirigindo-se de novo aos espíritos malignos, gritou furiosamente: “– Pegai-o e
mantei-o junto a mim, enquanto eu julgarei aos que foram seus cúmplices na
terra”.
Os
demónios pegaram o pecador, lançaram-no por terra junto ao trono, depois se
puseram a dançar furiosamente sobre seu corpo. O outro pecador, aquele de tipo
polonês, abaixou a cabeça e fechou os olhos: seu rosto estava alterado pela
dor, mas já não tinha forças para gritar nem para chorar. Satanás lhe disse: “–
Levante a cabeça e olhe. Far-lhe-ei ver só uma cena que lhe fará lembrar todas
as suas acções”.
Viu-se
então uma rua comprida e ampla, mas tão comprida que parecia não ter fim. Por
aquela rua caminhavam lentamente dezenas de milhares de homens, velhos e
jovens, mulheres e crianças, homens de todas as condições e de todas as
profissões, bispos e sacerdotes, generais e jovens oficiais, soldados e
licenciados, operários e camponeses. Alguns tinham o peito perfurado pelas
balas, outros a cabeça ferida, outros levavam ainda ao redor do seu pescoço a
corda da forca. Todas estas sombras de mártires caminhavam sem pressa pela rua
sem fim, em uma direcção desconhecida.
Mas
de repente ocorreu uma coisa extraordinária: todas aquelas sombras espantosas
de assassinados se transformaram em um instante – vi-os vestidos com trajes brancos,
leves, etéreos, e em suas mãos vi brilhar velas acesas. Sobre eles descia uma
luz nova, azul, estranha. Suas terríveis feridas desapareciam e seus rostos
serenos de novo emanavam o sentido de uma felicidade plena, de um bem-estar tão
luminoso que parecia que a própria luz emanasse de seus corpos. Toda a rua foi
enfeitada com flores de extraordinária beleza. E aquelas dezenas de milhares de
assassinados iam, serenos e purificados, com os braços levantados para a luz
deslumbrante que brilhava diante deles e chamava-os para si.
Depois
desapareceu tudo outra vez e a tétrica festa de Satanás continuou. Ele disse:
“– Tudo isto foi você quem causou com suas próprias mãos. Todos estes que você
viu foram mortos por você, mas eles, por meio das torturas que você os fez
sofrer, expiaram seus pecados e encontraram a beatificação, enquanto que se
tivessem continuado vivendo, muitos entre eles teriam vindo parar em meu reino.
Por tudo isto, minha vingança sem piedade os alcançará. Eis aqui que já se
aproximam para vocês”.
E
diante do trono desceu um monstro repugnante, provido de um grande número de
tentáculos que se expandiam avidamente em todas as direcções. O monstro,
aproximando-se do pecador calvo e seu discípulo, pegou os dois com seus
tentáculos e arrastou-os. Eles se agitavam, gemiam e lamentavam-se como duas
moscas que estivessem presas entre as patas tenazes e impiedosas da aranha.
Todos
os pecadores, com a respiração cortada estavam à espera do que lhes ia passar.
Compreendiam perfeitamente que nenhum entre eles poderia escapar ao terrível
castigo de Satanás e na espera, um terror secreto os paralisava. Nada mais
parava o ruído produzido pela fuga do monstro, a bela mulher de cabelo vermelho
se aproximou espontaneamente do trono e jogando para trás a cabeça flamejante,
olhou para Satanás com seus olhos ardentes. Mas o olhar de Satanás estava cheio
de ironia e com um sorriso de maldade lhe disse: “– Conheço sua mão terrena.
Eras uma famosa cortesã cuja beleza e inteligência foram admiradas por velhos e
jovens sem distinção. Eras riquíssima e para teu palácio vinha a mais alta
aristocracia de sua época. Tinhas declarado sempre que não reconhecias outras
coisas que as materiais e terrenas. A única ocupação de tua vida foi a
libertinagem e experimentavas grande alegria em destruir a vida e a felicidade
dos outros. Gostavas de subjugar a um homem e logo ser para ele como uma
serpente. E então agora, por estes teus pecados, deverás arrastar-te como uma
serpente ante meus demónios que não te abandonarão jamais. Eles te obrigarão a
fazer o que eles gostam e nunca poderás rebelar-te.”
“–
Tenha piedade de mim”, disse a beldade caindo de joelhos diante do trono e
estendendo para Satanás, em um gesto desesperado, seus braços, pela primeira
vez impotentes em sua beleza. Mas Satanás continuava rindo e a um sinal seu,
uma multidão de demónios agarrou a mulher e, entre saltos e zombarias,
arrastaram-na até a saída, deleitando-se com os sofrimentos que lhe causavam.
IV
Durante
todo este tempo, o velho grisalho tinha estado à parte. Mas de todos os lugares
chegavam os lamentos dos que tinham sido seduzidos por sua incredulidade e por
sua falsa doutrina. Seu rosto se escurecia cada vez mais e cada vez se
afundavam mais as rugas da testa. Era óbvio que estava pensando em coisas da maior
gravidade. Depois sacudiu a cabeça aturdida como para retirar da mente cansada
as contínuas meditações, os pensamentos e as lembranças penosas. Mas no inferno
não existe o esquecimento do passado e dos próprios pecados.
Parecia
que tivesse compreendido isto, com sua aguçada inteligência, porque inclinou a
cabeça em uma expressão de desespero completo. Por seus olhos passou uma nuvem
de tristeza: compreendia muito bem que devia responder por ele mesmo e também
por aqueles que tinham sido extraviados por ele e por todo o povo.
Mas
o que atemorizava o velho não era o castigo que lhe esperava. Todo seu horror
consistia no fato de que, finalmente, agora lhe parecia claro como se tinha
equivocado durante toda sua vida e como sua doutrina não tinha semeado mais que
incredulidade e pecado em lugar de felicidade e amor. Nisto consistia seu drama
íntimo e seus sofrimentos morais eram indescritíveis. Satanás o olhou com olhar
imperativo. O velho levantou a cabeça e, sem a menor subserviência, mas com
severidade e valentia, manteve o olhar em Satanás. Depois, com atrevimento, deu
alguns passos adiante e pôs-se na frente do trono. Satanás continuava olhando-o
em silêncio sem que por isso seu olhar insistente desse medo ao velho, que se
atreveu a dirigir a Satanás uma pergunta: “– Assim é que você existe
realmente”. E Satanás, com uma risada irónica, respondeu: “– Sim”. E o velho
continuou: “– Mas, por que vive deste modo? Por que está sempre em meio a estas
frias trevas e passa séculos inteiros em hostilidades vazias contra todo o
Universo e envolve na mais profunda dor aos homens que lhe servem? Que
necessidade tem de todos estes tormentos e deste diabólico ruído?”
A
gente em silêncio conteve a respiração com a ânsia de saber o que ia acontecer.
“– Por que não quer recomeçar o caminho recto, voltar a ser bom e terminar em
um bom dia com todo o mal que faz?” Com o olhar fixo à distância, Satanás
respondeu sombriamente: “– Porque fui amaldiçoado.”
Durante
algum instante reinou um profundo silêncio. O velho estava meditando e o
próprio Satanás esperava ouvir suas palavras. O velho continuou: “– Agora não
somente creio que você existe realmente, mas também que você foi amaldiçoado.
Para você estão apagadas todas as estrelas e em seu céu não há sol. Difamou a
terra, conduzindo seus habitantes para o pecado. Que você quer fazer no futuro?
Continuar destruindo ou bem criar algo novo e mais digno?”
O
olhar de Satanás brilhou sinistramente pelo ódio e murmurou com voz que soava a
ameaça: “– Enviarei ao mundo o Anticristo e ainda e sempre lutarei contra
Aquele que me amaldiçoou!”
“– O
Anticristo?”, perguntou assombrado o velho. “– Sim, o Anticristo”, exclamou
Satanás. Seu olhar ficou ainda mais triste. Depois de uma pausa, Satanás
continuou:
“–
Virá o tempo em que em um lugar, que já tenho designado, viverá uma cortesã que
terá uma filha ainda mais perversa do que ela. Ela há seu tempo parirá outra
cortesã e assim durante onze gerações consecutivas. Na décima segunda geração,
nascerá uma mulher que superará em depravação, perversidade e imoralidade todas
as outras. Esta será a que porá no mundo aquele que deverá ser a perdição da
humanidade inteira. Ele será o Anticristo. Nem se saberá quem é o pai porque
será concebido em estado de embriaguez imunda. Desde seu nascimento, eu viverei
nele e ele em mim. A mãe notará muitos sinais incompreensíveis no momento do
nascimento, mas eu a induzirei ao silêncio”.
Será
um homem de uma inteligência extraordinária, que superará em muito a
inteligência de seus contemporâneos. Terá também uma vastíssima cultura. Quando
alcançar a idade adulta, sentirá dentro de si uma desenfreada avidez de comando
e encontrará o apoio de um povo que será seu predilecto. Por-lhe-ei nas mãos,
riquezas imensas, e por meio delas será grande e poderoso. E quando se desencadear
uma grande guerra, na qual participará todo o mundo, o Anticristo participará
nela em qualidade de simples oficial. Devido a suas capacidades, a sua bravura
e coragem, ele fará em pouco tempo uma brilhantíssima carreira e ocupará os
mais altos postos da hierarquia. Não conhecerá os fracassos e, conseguindo uma
vitória atrás da outra, ganhará uma popularidade sem limites e infundirá em
todos a simpatia e a confiança em sua pessoa.
Nenhum
projéctil poderá alcançá-lo nunca e as armas de todos os tipos lhe farão apenas
sorrir. Em qualquer posto em que se encontre, será sinal seguro de que este
posto não poderá ser tomado. Os barcos e os aviões que se encontrem ao seu
comando terão a vitória segura.
Eu farei
de maneira que a água, o fogo e os outros elementos da natureza lhe estejam
submetidos. Vencerá e destruirá os poderes de todos os outros povos, de modo
que ainda aumentará mais a admiração por ele entre as populações. Destronará
reis, expulsará ditadores e presidentes e subjugará, por último, a todos os
povos que se inclinarão diante de seu poderio e o reconhecerão por líder
supremo. Reinará sobre todo o mundo e será o verdadeiro dono e senhor de toda a
terra (São João 5, 43: “Eu vim em nome de Meu Pai e vocês não me receberam,
se outro vier em seu próprio nome, a esse o receberão.”) E eu lhe darei o
poder de operar milagres, de forma que o mundo acreditará que ele é o próprio
Cristo (II Tessalonicenses 2, 9-10: “A vinda do ímpio vai acontecer graças ao
poder de Satanás, com todo tipo de falsos milagres, sinais e prodígios, e com
toda a sedução que a injustiça exerce sobre os que se perdem, por não se terem
aberto ao amor da verdade, amor que os teria salvo.”) (4). Ainda sem
compreender seus actos, não se atreverão a criticá-lo e assim, por meio dele,
eu corromperei a todo o género humano, empurrando-o à busca de novos conceitos
no campo da filosofia e colocando-os em contradição com a religião.
(4)
Naturalmente que os textos bíblicos citados, o são pela autora e não por
Lúcifer.
Destruiremos
também todas as leis da moralidade e, através do escárnio, cultivaremos na
terra o sacrilégio e a blasfémia, faremos que ocorra toda classe de
acontecimentos desagradáveis ao extremo. Em todas as partes criaremos um número
incrível de obstáculos e envolveremos a todos os homens e a todas as mulheres
na sede das mais refinadas depravações. Recolheremos deliciosos frutos nos
campos do mal. Durante o reinado do Anticristo enviado por mim, meus servos
fiéis assumirão formas tais que não deixarão supor que sejam demónios. Levarão
a tentação às mentes e os homens perderão sua personalidade e sua capacidade de
governar os próprios instintos. E deste modo o mal reinará.
Teremos
que realizar muito esforço nesse período, porque cada invocação e cada oração
dirigidas a Jesus Cristo serão suficientes para converter uma alma. Mas nós
continuaremos sem trégua em nosso terrível avanço: criaremos uma vida absurda e
brutal, destruiremos tudo e teremos constrangido a todos os povos entre nossas
mãos. Destruiremos e devastaremos os templos, apagaremos todas as lâmpadas
acesas em honra ao Altíssimo. Ó, como eu odeio aos que rezam nos templos! Odeio
as Missas, as predicações e os cantos litúrgicos. Em meu reinado do Anticristo
só haverá maldade e sofrimentos em tal quantidade, que desde que o mundo é
mundo não se terá visto tanta. Então, em um excesso de dor e de louco
desespero, os homens começarão, gemendo, a murmurar e culpar a Deus. Esta será
a culminação de todos os meus desejos. Este será meu reinado, reino do mal e do
ódio eternos”, assim gritava Satanás, flamejando com seus terríveis olhos.
O
velho franziu a testa e seus olhos brilharam com uma estranha luz. “Nunca,
nunca, você compreendeu?”, disse a Satanás em um impulso de impetuosa
violência. “Nunca as trevas triunfarão sobre a luz. O mal não vencerá o bem.
Estive errado durante toda a minha vida, mas agora creio com toda a alma e
estou seguro que Jesus Cristo vencerá e lhe esmagará, a você que é o filho das
eternas trevas”.(5)
(5) Estas
palavras não são de arrependimento, mas simples constatação. No inferno não
existe mais o arrependimento e milhões há que somente quando caíram lá é que
entendem a verdade.
Ao
ouvir estas palavras, Satanás, levantando-se, gritou furiosamente: “Por seu
atrevimento, por sua incredulidade sobre o que lhe digo e pelas palavras
insolentes que pronuncias aqui em meu reino, poderia fazer-lhe sofrer tais
torturas como jamais se viram aqui no inferno. Mas deves saber que minhas leis,
as leis do mal, são tão exactas como as leis do bem de Deus. Tudo o que eu
disse acontecerá exactamente como eu lhe descrevi”.
Depois,
indicando-lhe a sala com um amplo gesto da mão: “Olhe quantos pecadores estão
aqui reunidos. Após a chegada do Anticristo, o seu número aumentará milhares de
vezes. E eu já tenho desde agora inventadas uma quantidade incomensurável de
novas torturas, de modo que cada pecador tenha a pena apropriada”.
Naquele
instante junto ao velho apareceu uma figura negra, desordenada. Satanás se
sentou. “– Não lhe farei sofrer nenhuma tortura física – continuou entre o mais
completo silêncio da massa – porque compreendo perfeitamente que elas não
seriam apropriadas para você, que não as mereceria. Eu não lhe deixarei em meu
reino, mas lhe mandarei sobre a terra, colocando-o junto a um companheiro que
lhe seguirá nas reuniões de seus sequazes. Você assistirá às suas reuniões e
ouvirá seus discursos sacrílegos, escutará seus erros que você mesmo lhes
inspirou e dos quais só agora você se arrependeu. Escutando seus erros, você
tentará em vão dirigir-lhes pelo caminho recto fazendo-os esquecer sua falsa
doutrina, mas sua voz não será ouvida e estará invisível e inatingível para
eles. E seu castigo será tanto maior quanto que os seus esforços não darão
nenhum resultado”.
Assim
será durante um larguíssimo tempo. Depois lhe enviarei sobre um planeta, todo
coberto de um mar eternamente tempestivo. No meio deste mar só há uma rocha
alta sobre a qual passarão meus fiéis súbditos transportando ao meu reino a
todos os seus sequazes. Você estará sempre ali e verá continuamente como se
enche meu reino graças a suas doutrinas. Vai!” e estendeu a mão com gesto
imperativo.
O
velho se virou silenciosamente e, sempre acompanhado da sombra negra,
dirigiu-se até a saída sem pressa e dignamente, seguido do olhar atónito de
todos aqueles que se encontravam no salão infernal. Apenas tinha desaparecido o
velho, quando um pequeno e esperto demónio se aproximou saltando ao trono de
Satanás. Colocou-se na mesma ponta e sussurrou ao ouvido de Satanás algo. E
Satanás disse: “– Está bem”.
Como
uma bola, o demónio rodou pela areia e dirigiu-se até o grupo de pecadores que
se encontrava diante do trono. Com um gesto chamou os outros demónios e todos
juntos se puseram a empurrar a multidão dos pecadores, gritando desmedidamente.
Em poucos momentos, uma grande parte da arena estava completamente livre e
então se ouviu por todas as partes um terrível ranger. Inumeráveis chamas
brotaram do chão e saltaram ao alto, torcendo-se e entrelaçando-se. Milhares de
estrelas coloridas e de globos ardentes voavam pelo ar. Tudo foi iluminado por
uma luz tão forte que causava dano aos olhos. Todos os pecadores juntos
entoaram um canto e entre uma estridência de assobios ensurdecedores, apareceu
um corpo de baile composto de milhares de dançarinas. Todas estavam
identicamente vestidas: uma túnica curtíssima feita de correias, enquanto as
costas e os ombros nus estavam adornados de grinaldas de espinhos que lhes
causavam dores insuportáveis, ferindo suas imagens incorpóreas a cada
movimento. Cheias de tristeza, rodearam o trono de Satanás em um círculo
multicolor, executando uma antiga e meticulosamente estudada e solene dança.
Mas ainda querendo, era impossível compreender o significado destas complicadas
figuras.
Na
terra, elas haviam sido dançarinas que tinham perseguido somente os prazeres
terrenos, esquecendo completamente a vida do espírito, esquecendo também que ,
depois da vida terrena, existe outra vida, a eterna, durante a qual se prestará
conta de todos os pecados cometidos.
Depois
apareceu uma centena de bailarinas de categoria superior. Eram as melhores
bailarinas que o mundo havia tido e se encontravam ali por haver-se entregue
demais ao pecado. Havia de todas as nações. Tinham o olhar triste e nos olhos e
nas dobras da boca se escondia uma profunda amargura que dizia melhor que toda
palavra o penoso que eram suas vidas. Não tinham, entretanto, esquecido sua
arte e flutuavam, leves e graciosas, etéreas aparições tocando a arena apenas
com a ponta dos pés, com o acompanhamento da música infernal. Algumas pareciam
que se lembravam de seus êxitos passados e mantinham a cabeça erguida, enquanto
outras, ao contrário, choravam resignadamente pensando nos belos dias felizes
terminados para sempre. De vez em quando se detinham e tomavam formas, atitudes
pitorescas e apáticas ante o trono do soberano das trevas, que as olhava
sorrindo com um sorriso maligno, mas sem que seu rosto expressasse verdadeira
alegria.
Riam
junto com ele todos os demónios que se encontravam na sala, mas os pecadores,
pelo contrário, estavam esgotados por todo o que tinham visto. Algumas
bailarinas, sem forças por aquela dança ininterrupta, caíam exaustas no meio da
arena, mas em seguida se lançavam em cima delas os demónios ferozes,
golpeando-as nos rostos sempre em vão. Nenhuma oração, nenhum grito podia
comover a Satanás, que não parava de rir. E seus servos, com novos ímpetos
arrastavam as bailarinas, que soluçavam. De novo se formou ante o trono um
espaço livre. Satanás, sempre tenebroso, disse em voz alta: “– Não há qualquer
divertimento, sinto-me triste”. Como um furacão soou a terrível voz e ninguém
pôde suportar seu olhar sinistro. Agitando suas enormes asas, levantou-se em
toda sua estatura e em sua testa apareceram rugas. Ao redor dele zumbiam uma
espécie de moscas para diverti-lo.
Então
os espíritos do mal as empurraram à parte para deixar lugar a um coro que se
aproximava. Mas ainda que o coro executasse cantos belíssimos, Satanás,
submerso em quem sabe que tristes pensamentos, não prestou qualquer atenção ao
mesmo, cujos cantos se extinguiam antes de chegar aos seus ouvidos.
Ele
olhava um ponto indefinido do espaço. Os coristas, depois de ter emitido as
últimas notas da canção, levantaram seus olhos em súplica para o tremendo
Satanás, mas não receberam dele nenhum elogio, pelo contrário, flechas de fogo,
aparecidas de improviso, fincaram-se em seus peitos. Entraram depois saltando
bailarinas, malabaristas, palhaços e acrobatas, que executavam todo tipo de
exercícios cómicos e prodigiosos. E minha atenção foi atraída especialmente por
um palhacinho de cabelo vermelho, eriçado e todo emaranhado. Realizou toda
classe de exercícios tentando fazer rir com trejeitos extraordinários e até
então nunca vistos. Sua boca tentava esboçar um sorriso e todo seu ser tentava
aparentar um aspecto alegre. Mas era evidente sua trágica situação e foi-me
possível notar em seguida a dor íntima que o consumia. Me causou uma dó imensa.
Mas também ele seguiu a sorte dos outros e foi conduzido para fora por um
demónio cinzento.
Mas
não havia alegria. O terror reinava por todas as partes: milhões de seres
cantavam e dançavam, mas em seus cantos se ouviam gemidos. Todo este
espectáculo era tão estranho, terrível e feroz e mudava tão continuamente, que
era difícil dar-se conta de todos os graus de terror que suscitava.
Depois
vi voar seres estranhos, transparentes como se fossem tecidos com teia de
aranha. Dos olhos emanava uma estranha luz verde. Flutuavam daqui para lá,
buscando alguma alma para torturar e com seus mordiscos venenosos
proporcionavam aos pecadores uma dor insuportável. Na sala, no entanto, os
gritos dos pecadores continuavam ressoando, gritos de espanto, e seus rostos
estavam transformados, mas para ele não pareciam suficientes estes sofrimentos
e desejava desfrutar ainda mais.
Fez
um gesto imperativo e seus olhos lançaram chamas. Todos os demónios que
ocupavam a sala compreenderam em seguida o gesto e o olhar. Com prontidão se
lançaram sobre os pecadores, segurando homens e mulheres e fazendo-os dar
voltas em uma dança louca. Tudo ardia com uma luz deslumbrante. Os globos de
fogo se haviam separado de seus apoios e, descendo, misturavam-se à multidão em
redemoinho. Como ferro ardente, queimavam os corpos dos pecadores. Faíscas de
muitas cores caíam por todas as partes, enquanto que chamas altíssimas, saídas
das entranhas da terra, envolviam como serpentes sinuosas aos pecadores como se
fossem fitas de fogo.
Eu
estava literalmente ensurdecida por este caos de ruídos e gritos, e tudo
começou a confundir-se e a girar ante meus olhos. De repente, através de alguma
fenda invisível, começou a penetrar na sala uma fumaça sulfurosa, esverdeada,
sufocante, que pouco a pouco encheu o salão, envolvendo tudo como na neblina.
As luzes se escureceram e todo ruído parou: só se ouviu, naquela misteriosa
escuridão, um estalido que fazia estremecer. Era Satanás que lentamente abria
suas gigantescas asas negras. De golpe, com um assobio estridente, abriu-as
totalmente e, como um pássaro fantasmagórico, levantou-se sobre os pecadores e
os demónios que havia na sala. Entre a neblina verde pareceu-me descobrir as
sombras dos demónios que continuavam perseguindo a suas vítimas, enquanto
Satanás, voando soberbamente sobre tudo, triunfava rindo e emitindo palavras e
frases cujo significado só ele compreendia.
Depois,
pouco a pouco, a densa neblina clareou e pude ver nitidamente o que acontecia.
Os pecadores, exaustos pelas incalculáveis torturas, já não puderam suportar
mais, haviam-se rebelado contra os demónios e tinham começado a lutar com eles,
que fora de si ocupavam-se em acabar com o tumulto entre horríveis palavrões.
Venceram ao final os terríveis e impiedosos demónios e ouvi ressoar nas
profundezas da enorme caverna seu relincho, com o qual expressavam seu
menosprezo pelos pecadores. Deste modo Satanás celebrava sua festa anual. Mas
minha mente se ofuscou e senti um zumbido incómodo na cabeça. Depois passou por
meu lado um redemoinho e fui arrastada para fora por uma força desconhecida.
é
l
QUINTA PARTE è
?
Nota de João Bianchi - Este capítulo não traz título na versão espanhola,
mas penso que seja a descrição do Purgatório, num estilo um pouco enigmático.
Quando a Fanny fala de planetas, pode ser uma forma de retórica, da mesma maneira que quando vamos a um sítio em
que o ambiente é totalmente diferente do nosso habitual, dizemos que parece
termos chegado a outro planeta…
I
Sem saber como dizer como
eu me encontrei no meio de um prado sem arbustos e aspecto triste, onde só
brotaram aqui e ali, uma grama miserável. Pedras de diferentes tamanhos foram
espalhadas por toda parte.
Além disso, o céu estava
triste, como tudo ao redor; não havia qualquer coisa que pudesse decorar aquele
triste quadro: não havia florestas, montanhas, não há nenhum rio, e não se
descobria até onde alcançava a vista, nem uma árvore ou uma flor.
Não se ouvia nenhuma réstia
de vida: não há animais, pássaros ou borboletas ou insectos. Toda a natureza
dava uma sensação de extrema indiferença.
Só havia grande número de
pessoas reunidas: alguns estavam sentados, outros caminhavam com apatia
profunda.
Nenhum chorava, nem falava
com tristeza do mundo terrestre destinado a morrer lentamente e onde todos
tinham enterrado algo; e sentia-se em todos os presentes um determinado estado
de espírito, como uma melancolia distinta, e distintos eram os suspiros, anseio
por algo, não perdido, mas não alcançado. Esta nostalgia de Deus está presente
em todos os lugares aqui...
Em tudo ao redor há um
silêncio mortal. O ar é muito quente, no entanto, é mais fácil respirar aqui
que no inferno; do céu fosco, chegam aqui, de vez em quando, rajadas de
frescura.
De repente, vi uma luz
pálida uma mancha luminosa começou a descer, deixando para trás um rastro de
luz que se aproximava e me convenceu de que a mancha e a estrela luminosa eram
a mesma coisa. Pouco tempo depois eu consegui distinguir que se tratava de um
raio, certamente mandado por Deus. Iluminava tudo a uma grande distância.
Oh, o que alegre, santo e
infinitamente querido foi esse raio para os oprimidos, habitantes aflitos deste
planeta! Seus rostos, atrofiadas pelo sofrimento, se iluminaram imediatamente,
com os braços estendidos para cima e uma luz de esperança se acendeu em seus
olhos.
Percebi, então, que este
raio não era outra coisa do que a oração pelos defuntos, pois dele já havia me
falado o meu companheiro quando sobrevoou a catedral. Percebi também que,
naquele momento, em qualquer lugar da terra se celebrava uma alguma coisa, e
tinha lugar o mistério da consagração. Todos os fiéis elevavam orações para
seus entes queridos falecidos.
Aquele raio abençoado não
brilhou por muito tempo; no entanto, deu uma felicidade infinita para aquelas
almas sem paz e, mesmo que por um breve momento, ele acendeu neles a esperança.
Então ele desapareceu tão repentinamente quanto tinha aparecido. Tudo caiu de
novo na obscuridade e pecadores voltaram a reclinar a cabeça, enquanto tudo em
torno deles voltou a se clarear com fogos estranhos saídos das gretas da terra.
Olhava à minha volta com
interesse quando de repente senti a presença ao meu lado, sem esperar, do meu
companheiro. Eu me virei, e ele estava voltando para perto de mim, sereno e
doce como sempre o tinha visto. E, num impulso de alegria sublime caí a seus
pés: «Se você soubesse o quanto o medo, quanta angústia, eu experimentei sem
ti», e minha voz tremia enquanto lhe dizia isto.
E ele respondeu: «Eu sei de
tudo, não fales, acalma-te e tem fé em mim, teu protector; Eu estou sempre
contigo. Tudo o que acontece, no entanto, fica a saber que tem de acontecer:
por vezes é bem mais necessário que tu fiques só e vivas por ti, vivendo
plenamente os teus sentimentos.
Estamos agora bem longe do
inferno, e os espectáculos horríveis não te aterrorizarão mais. “
«E agora, perguntei eu,
«posso dar graças a Deus?»
«Sim, tu podes.», disse o
companheiro.
«Oh! Que angústia que eu
senti lá atrás » - continuei -. «Eu não gostaria de acreditar nessa realidade
terrível, mas como não acreditar em meus próprios olhos?» E ele: «Sim, é uma
terrível realidade que tu viste.»
E vi diante de mim o rosto
do mesmo santo que tinha visto no dia do juízo, cingida a cabeça com uma
brilhante mitra. Ele estava vestido de forma diferente, mas seu rosto
expressava imensa bondade e misericórdia. Ele se inclinou para uma pecadora
absorvida em tristes pensamentos e com voz acariciadora disse categoricamente:
«Coragem, não te deixes abater. Eu vou te ajudar, porque me dirigiram orações
em teu favor. Tu já ouviste, no raio que desceu até ti, a oração que me dirigiram
em teu favor, e também sabes quem rezou. Portanto, alegra-te e segue-me. O
Senhor permitiu-me que te acompanhe à morada esplendorosa do Paraíso.»
Os olhos da pecadora
brilhavam com infinita gratidão. Uma última lágrima caiu e, em seguida, a
alegria brotou da alma e substituiu a negra angústia. E ela se ajoelhou, fez o
sinal da cruz e disse: «Como é grande a misericórdia do Senhor, se me perdoou,
a mim, que fui tão pecadora." E o Santo, abençoando sua protegida, que
estava prostrada no chão, disse: «Não há limites para misericórdia do Senhor.»
Depois levantou-se e, no mesmo instante o rosto da perdoada se iluminou e
desapareceu também no espaço. Como algumas vezes uma pequena nuvenzinha liberta
a chuva e desaparece a nossos olhos. E vi também chegar um raio dourado de
oração. Olhei em volta e vi um homem rodeado de raios, que tinha os ouvidos
voltados para a terra e chorava. Ouvia a ardente prece do seu amigo.
II
Enquanto isso, nos mudámos
para outro hemisfério do planeta e nos encontrámos num mar de fogo transparente.
Este fogo parecia tão estranho como é impossível compará-lo com qualquer coisa
que conhecemos na Terra, e este curioso espectáculo me impressionou. Vi
fileiras inteiras de espíritos malignos virem pelo ar, carregando, entre as
patas, as trémulas almas dos pecadores que tinham fortemente agarrado. Mas
aconteceu que alguns entre eles, não sei que razão especial, deslizando
suavemente sobre o planeta, caíam e sobre ele lá permaneciam. E os espíritos
malignos, surpreendidos por perderem a sua presa, voltavam para colher novas
vítimas. Então eu perguntei ao meu companheiro porque aqueles demónios voam por
cima e quem eram aqueles que ficavam na superfície do planeta. Ele respondeu:
«Os demónios chegam aqui directamente da Terra, e por aqui devem passar para
transladar-se para o inferno. Levam as almas dos pecadores acabados de morrer;
e aqui ficam as almas daqueles que não são merecedores nem do Inferno nem do
Paraíso.»
Fiquei espantada que eles
não notassem, não vissem como esses espíritos malignos sobrevoavam o planeta, e
parecia que não sofriam muito por esse estranho e incompreensível fogo.
Porque em nenhum lugar se
ouviam gemidos desgarrados, mas apenas exclamações isoladas e suspiros que
mostravam a emoção das almas e seu arrependimento; aqui havia esperança em
Deus...
Nós continuamos voando ao
redor deste enigmático planeta, cuja metade, como eu disse, era formado por um
fogo transparente; a outra metade continuava a ser dominada pela tristeza: as
pedras cinzentas e o árido deserto davam uma sensação de um fastio mortal, que
matava todo o desejo. E eis que, no meio de um canto solene e sereno vi
chegando a Virgem Puríssima seguido pelos Arcanjos, toda adornada de tecidos
preciosíssimos. Sim, é Ela, é Ela. Seu rosto brilhava com uma luz celestial,
brilhava e irradiava, purificando assim todas as almas. Ante Ela surgiu um
pecador libertado. Era um daqueles que haviam sido libertados pela intercessão
da Virgem. E Ela apareceu diante dele: “Tua alma fez-se mais pura pelo pranto
da tua mãe. Eu vim por ti. Agora te conduzirei
ao mundo da beleza, onde reina o Deus Omnipotente.»
A minha alma começou a
vibrar com mais força e me aproximei dEla. Teria querido me ajoelhar diante
dEla, orar e chorar as minhas mais sinceras lágrimas; mas caí a seus pés,
esquecendo todos os meus medos e todas as minhas tristezas. «Oh Santa Mãe, me
leve consigo.», e murmurava, em êxtase, o seu nome. Ela assentiu, mas não
entendi o significado de todas as suas palavras. Logo que me foi possível
entender, repeti a mim mesma: «Acalma-te e dorme. Despertarás no infinito reino
infinito da glória eterna.»
Então Ela me disse e eu
adormeci a seus pés, sonhando que os anjos levavam a minha alma para fora
daqueles tristes lugares para o alto, para os céus fulgurantes, cantando
alegremente e louvando o Senhor.
Versão Espanhola
I
Sin yo saber decir cómo, me encontré en medio de un
prado sin arbustos y de aspecto muy triste, donde apenas
brotaba, aquí y allá, una mísera hierba. Piedras de distinto
tamaño estaban esparcidas por todas partes.
También el cielo era triste, como todo alrededor; no
se veía nada
que pudiese adornar un poco aquel triste cuadro: no había ni bosques, ni
montes, ni ríos, y no se descubría, hasta donde alcanzaba la vista, ni un árbol ni una flor.
No se oía latir vida alguna: ni animales ni pájaros,
ni mariposas
ni insectos. Toda la naturaleza daba una sensación de acusada indiferencia.
Solamente
que había reunida mucha gente: algunos estaban sentados, otros paseaban con
profunda apatía.
Ninguno lloraba, ni hablaba con nostalgia del mundo terrestre
destinado a un lento morir y donde cada uno había sepultado algo; se sentía en
todos los presentes un estado de ánimo particular, como de una melancolía distinta, como distintos eras los
suspiros, nostalgia de algo, no perdido, sino no alcanzado; esta nostalgia de
Dios está aqui presente por todas partes...
En todo alrededor hay un silencio mortal. El aire es
muy caliente, sin embargo, es más fácil respirar aquí que en el infierno; del hosco cielo
llegan aquí, de vez en cuando, ráfagas de frescura.
De pronto vi una pálida mancha
luminosa sobre mí Esta mancha empezó a
descender, dejando tras de sí una huella de luz y a medida que se
acercaba me persuadí de que la mancha y la estela luminosa formaban una misma cosa. Poco después logré distinguir que
se trataba de un rayo, sin duda alguns mandado por Dios. El iluminaba todo a
gran distancia.
Oh, qué
alegre, santo e infinitamente querido fue este rayo para los oprimidos, angustiados habitantes de este
planeta! Sus rostros, desmedrados por el sufrimiento, se iluminaron
inmediatamente, sus brazos se extendieron hacia lo alto y una luz de esperanza
se encendió en sus ojos.
Yo comprendí entonces que aquello
no era sino el rayo de la oración por los difuntos, de lo que ya me había
hablado mi compañero cuando volamos sobre la
catedral. Comprendí también que en aquel preciso instante en cualquier
lugar de la tierra se celebraba una cosía y tenía lugar el misterio de la
consagración. Todos los fieles elevaban oraciones por sus queridos difuntos.
Aquel bendito rayo no
brilló mucho tiempo; sin embargo, dio una infinita felicidad a aquellas almas
sin paz y, aunque fuera por un breve
instante, encendió en ellas una esperanza. Después desapareció tan
repentinamente como había aparecido. Todo cayó de nuevo en la oscuridad y los pecadores volvieron a reclinar la
cabeza mientras a su alrededor todo se volvía a clarear con fuegos
extraños que salían de las grietas de la tierra.
Yo miraba todo a mi alrededor con interés cuando de
pronto sentí junto a mí la presencia, tan esperada, de mi
compañero. Me volví y lo volvía ver cerca de mí, sereno y dulce como siempre lo
había
visto. Y en un impulso de sublime alegría caía sus pies: «Si supieses cuánto miedo, cuánta angustia he
experimentado sin ti», y me temblaba la voz mientras se lo decía.
Y él me respondió: «Sé todo, no hables,
tranquilízate y ten fe en mí, tu protector; estoy siempre junto a ti. Todo lo que ocurre, sin
embargo, sabe que debe suceder: a veces es
más bien necesario que te quedes sola y vivas por ti, tomando todo de
tus sentimientos.
Ahora estamos bien lejos del infierno, y los horribles espectáculos
no te aterrorizarás más».
«Y ahora», pregunté a mi vez, «¿puedo yo dar gracias
a Dios?»
«Sí que puedes», dijo
el compañero.
«Oh! qué angustia he sentido allá abajo» – continué –. «No hubiera
querido creer en esta terrible realidad, pero ¿cómo no dar crédito a mis propios ojos?» Y él: «Sí, es una
terrible realidad la que has visto».
Y vi delante de mí el rostro de aquel mismo santo
que había ya visto el día del juicio, ceñida la cabeza por la luciente, mitra.
Vestía de modo distinto, pero su cara expresaba inmensa bondad y misericordia. Se inclinó a una pecadora absorta en
tristes pensamientos y con voz acariciadora le dijo llanamente: «Animo, no te dejes abatir. Yo te ayudaré
porque me han dirigido plegarias en tu favor. Tú has oído en el rayo que ha
descendido hasta ti la oración que me han dirigido en tu favor y has sabido
también quién ha rezado. Por tanto, alégrate y sígueme. El Señor me ha
permitido que te acompañe a la morada esplendorosa del Paraíso».
Los ojos de la pecadora brillaron de infinita gratitud. Una última
lágrima tembló y enseguida la alegría arrojó del alma a la oscura angustia. Y
ella se arrodilló, hino el signo de la cruz, y dijo: «Qué grande es la misericordia del Señor, si me ha
perdonado, a mí, que he sido tan pecadora». Y el Santo, bendiciendo a su
protegida que estaba postrada en tierra, dijo: «No existen limites para la
misericordia del Señor». Luego él ascendió
y en el mismo instante se iluminó el rostro de la perdonada y
desapareció también en el espacio. Como alguna vez una leve nubecilla se suelta
en lluvia y desaparece para nuestros ojos. Y vi también llegar un rayo dorado
de oración. Miré alrededor y vi levantarse a
un hombre rodeado de rayos, que tendía el oído hacia la tierra y
lloraba. Oía la cálida plegaria de su amigo.
II
Mientras tanto nos trasladamos a otro hemisferio de este planeta y
nos encontramos en un mar de fuego transparente. Este fuego parecía de tal modo extraño que es imposible
compararlo con nada de lo que nosotros conocemos sobre la tierra y este
curioso espectáculo me impresionó. Vi filas
enteras de espíritus perversos venir por el aire, llevando entre las
patas las temblorosas almas de los pecadores que tenían estrechamente cogidas.
Pero sucedía que algunas entre éstas, por no sé qué especial atracción,
deslizándose suavemente sobre el planeta,
caían sobre él y allí quedaban. Y los espíritus malignos, asombrados por
haber perdido a su presa, volvían afrentados atrás, a cosechar nuevas
víctimas. Entonces yo pregunté a mi compañero la razón por la cual volaban por
encima aquéllos demonios y quiénes eran aquéllos que quedaban sobre la
superficie del planeta. Me respondió: «Los
demonios llegan aquí directamente de la tierra y por aqui deben pasar
para trasladarse al infierno. Llevan consigo
Ias almas de los pecadores apenas muertos; y aquí quedan las almas de
aquéllos que no son merecedores ni del Infierno ni del Paraíso».
Me asombré de que ellos no se dieran cuenta, no vieran cómo, estos
espíritus malignos volaban por encima de su planeta, y parecía también que no
sufrieran mocho por este extraño e incomprensible fuego.
Porque en ningún lugar se oían gemidos desgarradores, sino sólo
exclamaciones y suspiros aislados que dejaban traslucir la emoción de las
almas y su arrepentimiento; aqui había esperanza en Dios...
Continuamos volando alrededor de este enigmático planeta, cuya mitad,
como ya he dicho, estaba formada por un fuego transparente; la otra mitad
continuaba estando dominada por la tristeza: las piedras grises y el árido
desierto daban una sensación de hastío mortal, que mataba todo deseo. Y he
aquí que en medio de un canto solemne y sereno vi venir a la Virgen Purísima
seguida de los Arcángeles, toda adornada de telas preciosísimas. Sí, es Ella,
es Ella: su rostro brillaba con una luz celeste, lucía e irradiaba purificando
así a todas las almas. Ante Ella surgió un pecador liberado. Era uno de
aquéllos que había sido liberado por intercesión de la Virgen. Y Ella apareció
delante de él: «Tu alma se ha hecho más pura por el llanto de tu madre. He
venido por ti. Ahora te conduciré al mundo de la belleza, donde reina el Dios
Omnipotente».
Mi alma empezó a vibrar más fuertemente y me acerqué a Ella. Hubiera querido arrodillarme ante Ella, rezarle y
Morar mis más cálidas lágrimas; pero caía sus pies, olvidando todos mis
temores y todas mis tristezas. «Oh Santa Madre, llévame contigo», y murmurada
en éxtasis su nombre. Ella asintió, pero no comprendí el significado de todas
sus palabras. Lo que me fue posible entender, lo repetí a mí misma: «Cálmate y
duérmete. Te despertarás después en el infinito reino de la Gloria Eterna».
Así me dijo Ella y me dormí a sus pies soñando que
los ángeles
llevaban mi alma fuera de aquellos tristes lugares a lo alto, hacia los cielos
fulgurantes, cantando alegremente y alabando al Señor.
é
l SEXTA PARTE
ONDE RESPLANDECE O PARAÍSO
I
Ouvi uma
voz, não sei donde, que falou: Acima, desperta-te Fanny, e olha ao redor
atentamente e escreverás o que vês. Nada excepto o Senhor, conhece cada homem,
mas chegou o tempo de despertar os corações que estão afogados no pecado. Tu
foste escolhida e designada para isto, e o que tens visto não pode ser revelado
por um sonho comum. Para ti tem sido revelado o eterno mistério.
Eu
murmurei: Mas... talvez eu não consiga entender! E a voz falou: Eu te
ajudarei sempre em todos os momentos.
Voltei-me
como a despertar, abri os olhos e de pronto fiquei deslumbrada com um amplo
azul que se estendia diante de mim numa grande distância. O tempo que havia
passado entre as trevas infernais havia ofuscado meus olhos: aqui,
diferentemente, a luz se derramava em torrentes e seus raios atingiam tudo ao
redor.
Voltei
meus olhos e pensei: Que belo aqui! Que ar balsâmico e perfumado! Que formoso
jardim! Que esplêndidos e multicoloridos vestidos usam as almas que passam por
ele! E que límpido céu azul! Nenhuma nuvem empana a nitidez da pureza! Só o
atravessavam os anjos, desaparecendo pelo azul imaculado. A erva aqui é subtil,
verde, deliciosamente fresca e primaveril, adornada de flores e não se dobra ao
solene pisar dos anjos. Que agradáveis são os pequenos caminhos que o atravessam!
Onde me
encontro, então? Este é o glorioso Reino de Deus? Este é o Reino, onde
infinitos coros de santos e querubins se inclinam ante o trono do eterno? Os
sonhos, os benditos sonhos de minha vida; é aqui que se tornam em realidade?
Rosas, rosas em quantidade, formam uma alfombra debaixo de meus pés, rosas se
unem ao meu redor como grinaldas posando em meus braços e me deleitam com seu
suavíssimo perfume.
Pouco a pouco se me
aclararam os pensamentos; e logo me ressurgiram as espantosas impressões de minha
estadia no inferno. Mas notei que me vieram despertar almas desconhecidas vindo
ao meu encontro, leves como borboletas, tanto que eu sequer ouvia seus passos.
Tinham vestidos multicoloridos e suas faces eram cheias de felicidade, e
reflectiam uma bondade sem limites.
Elas me disseram: Irmã: levanta-te! Estás agora no Reino do Pai Celeste, cujo
Espírito vive em todas as coisas. Estás aqui, por Sua vontade, para que o homem
não se extravie na dúvida, em busca inútil, para que possas contar na terra a
nossa vida aqui, porque a viste.
Aquela linguagem era para
mim totalmente nova, porém eu a entendia como se fosse a minha língua materna.
Levantei-me, tremendo de emoção, ao pensar no que me fora concedido: sair do
inferno e anunciar depois, em êxtase, as criações celestes. As almas então, me
acompanharam a uma fonte, onde bebi. Como por encanto, todo o meu medo
desapareceu e se desvaneceram também os horrendos pesadelos do tétrico inferno.
O mesmo que ocorre com alguém que esquece dos pesadelos, tão logo desperta.
Então, mais tranquila, comecei a contar:
Venho do inferno! Ali existe somente uma eterna noite, sem luz
alguma, já que lá em baixo a luz foi apagada pelo Senhor. Não existe sol, não
existem nuvens brancas. Por toda parte sombras e trevas. A terra não produz
nenhum fruto, tudo é vazio e morto e somente pesa, sobre tudo e sobre todos –
soberano – o eterno sofrimento. Assim deseja satanás, que ameaça inclusive
enviar a terra o anticristo, que converterá os homens em seus escravos.
Eu ouvi,
entretanto, suas vozes: Nós rogamos aqui ao Senhor que faça
cessar desde agora a vida na terra, porém ele responde que, todavia, não chegou
ainda a hora. Que vivam, ainda, os homens.
E
voltei a dizer: Lá em baixo, no inferno eu vi... Porém fui interrompida: Não fales! Nós
sabemos já tudo! Ali não valem de nada as tribulações nem os tormentos dos
pecadores. Aqui, em contrapartida, é o Paraíso, cheio de toda a perfeição, e
Deus reina gloriosamente nele, entre os doces cantos dos serafins, enquanto, em
todas as partes florescem plantas e maduram frutos. Aqui podem viver somente as
almas santas; aqui está a fonte dos pensamentos superiores e das ideias
sublimes. A água dos regatos é pura e as asas dos anjos têm um esplendor
prateado. Aqui ninguém trabalha e todos gozam dos bens que foram criados para
os justos.
Uma delas trazia uma
pedra preciosa, diferente das terrestres e tão grande que só a duras penas
puder recolhe-la. A quem pertence esta pedra, perguntei? Posso leva-la comigo? Vale muito?
Certamente –
me respondeu – seu valor é considerável: vosso mundo não
possui pedras similares e nem toda a terra seria suficiente para comprar uma só
delas, porém acima, o Senhor as dá a todos que chegam a Ele. Se estás cansada,
podes deixa-la no solo, que ninguém a tocará. Tu despertaste a pouco e não tens
visto ainda nada ao teu redor. Olha quantas pedras aqui, e ainda mais belas que
aquela. Aqui nada se vende nem se compra, porque aqui são inumeráveis as coisas
raras. Se tu estivesses aqui há muito tempo, te asseguro que nem as terias
tocado. Aqui existem pedras preciosas em tão grande quantidade que já não
fazemos caso delas. Nossa alegria são as festas, que nos dão a possibilidade de
voar por todos os astros e admirar a glória do Senhor. Nestes dias nos encontramos
também com nossos entes queridos. Nas festas, só nas festas, vemos nossos
parentes e amigos.
De pronto ouvi uma
música dulcíssima: deixei cair a pedra preciosa e partimos daquele lugar. Ao
redor de nós havia um dulcíssimo perfume de flores do Paraíso. Junto a uma
sonora cascata nos detivemos e admiramos a esplêndida paisagem. Então meu
companheiro se uniu a comitiva e, pondo sobre minha cabeça uma grinalda de
flores em forma de coroa disse: Aqui há sempre uma bela primavera! Em todo o redor se
erguiam majestosas palmeiras, que murmuravam, movidas por uma leve brisa que
fazia mover as suas folhas. Naquele jardim havia um grande número de alamedas
frondosas e caminhos, porém não se via ninguém andando por eles. Meu
companheiro me guiava e me levava sempre adiante, e mostrando-me vários
objectos, para mim de todo desconhecidos e sobre eles me ia explicando, porém
eu não sabia dar-lhes um nome em nossa linguagem humana. Nem poderia descrever
sua beleza, porque a linguagem da terra é demasiado pobre.
Agora te mostrarei – disse meu
companheiro – os outros planetas nos quais talvez, um
dia viverão eternamente as almas daqueles que na terra foram de outras
religiões, mas viveram uma vida recta, e acreditaram num único Deus. E
naquele mesmo instante nos encontramos sobre estes planetas sobre os quais me
ia falando meu companheiro. Eram formosos por sua cor e me quedei admirada por
sua paisagem. Mas meu companheiro me disse que sua beleza era muito inferior ao
brilho do paraíso dos cristãos.
Como me havia
indicado meu companheiro, estavam por hora desertos e somente o canto dos
pássaros rompia o grande silêncio, enquanto vez por outra coros de anjos voavam
por cima cantando hinos ao Criador. Agora chegamos aos mundos onde estão as
almas dos cristãos.
II
Durante
o voo eu admirava distintos e maravilhosos aspectos da vida celeste. Na
passagem encontrávamos grandes e luminosos cometas de cauda flamejante. Alguns
tinham três caudas e se iam voando pelo espaço infinito, deixando em sua
passagem estrelas douradas. No fundo céu via as estrelas que de repente se
separavam de sua rota e se precipitavam no infinito, sozinhas ou em grupos de
milhares, formando como que um nuvem de ouro cintilante. Às vezes, em meio a
estes mundos, passavam velozes esferas ardentes que deslumbravam a vista. Todo
este espectáculo era tão grandioso e inconcebível que eu percebi que tudo
aquilo era ainda e apenas uma pequeníssima gota do imenso mar do criado, e quão
perfeito e Omnipotente é Deus, Criador e Senhor do Universo.
E
dirigindo-se a mim, meu companheiro disse: Não existe na
terra nenhum mistério que seja comparável em grandeza ao do além túmulo. O
homem pode subjugar as forças da natureza, porém não poderá nunca saber o
mistério do além. E indicando-me o Céu falou: Vês estes pontos
luminosos? São planetas sobre os quais existe uma vida eterna, porém estão
separados da terra por um espaço inacessível. Depois,
continuando nosso voo, fomos chegando a um planeta que fazia tempo brilhava
entre os outros, similar em forma à terra, porém de dimensão menor. Quando
chegamos, observei que o solo de uma cor diferente da terra: era pardo e roxo
claro.
Eu me
assombrei também pelo imenso número de rios que cortavam a planície em todas as
direcções. Havia também lagos, porém a natureza em geral se diferenciava da
terrena. Até o ar era diferente, porque eu
respirava mais livremente. Tudo ao redor era festa de cores. A água dos rios e
dos lagos era azul turquesa e não pelo reflexo do Céu, mas sim pela própria
faculdade. No horizonte se erguiam montanhas altíssimas de uma cor violeta
escuro. Nos achegamos aos bem-aventurados que estavam ali.
Eles
contavam a um novo hóspede do paraíso, chegado fazia pouco tempo, a grandeza e
a Glória do Senhor, sua Majestade; a sabedoria que concede a eles, a liberdade
que gozam ali, onde não se lhes opõe nenhuma barreira nem espaço; sua
clarividência, pela qual eles experimentam grandes satisfações. Passa o tempo,
os séculos se sucedem, porém nenhum teme esta carreira, e ninguém tem qualquer
inimigo. E nos dias de festa nossa alma espera a
reunião como seus entes queridos e não pede outra coisa.
Calaram-se,
e então ressoou um hino sagrado. Eu olhava cheia de admiração a estes bons
seres, almas sensíveis que rezavam e conheceram na terra a piedade e souberam apreciar
o trabalho dos homens. Sobre isso me falou meu companheiro quando lhe perguntei
por quais caminhos terrenos se pode chegar a este reino.
Subimos
até bem alto para admirar o panorama do vale, e um espectáculo grandioso se nos
apresentou. Amplas extensões de prados, adornados de esplêndidas flores e
árvores curvadas até o chão pelo peso de frutos dourados. Do alto descia um
claro raio de luz sobre a floresta de folhagem murmurante. Era o mais
esplêndido bosque que eu já vira, e dava frutos que não são vistos na terra,
alguns dos quais tinham um aroma como de vinho perfumado. Detive-me ali por
longo tempo, fascinada por aquele espectáculo maravilhoso, e enquanto meus
olhos apreciavam tudo, a natureza parecia dizer: tudo isso é dom
eterno para os justos.
“Agora
que vês o reino do além – me disse meu companheiro – é bom que saibas
que as almas dos justos às vezes podem descer à terra porém invisíveis a todos.
E isso sucede em dias de festa, quando se lhes concede ir a visitar os seus amigos
e sua tumba vazia. Mas apenas seus queridos tenham abandonado a terra, esta se
volta aos justos, completamente indiferente aos que deixou. Te mostrarei agora
a região onde vive eternamente tua mãe.
III
Depois
de haver admirado longamente este quadro que me alegrou verdadeiramente, nos
dirigimos voando até o local onde se encontrava minha mãe. Chegamos logo nas
proximidades de um planeta de dimensões tão excepcionais, que me pareceu ser
muitas vezes maior que a terra. Era meio dia e o sol estava pleno. O céu era de
um azul puríssimo e estava levemente marcado por nuvenzinhas alvíssimas. Vi os
flancos das montanhas brilhar de ouro e prata; pedras preciosas de muitas cores
pareciam ter sido espalhadas entre as rochas por uma pródiga mão; corriam
arroios e prateadas cascatas iam gotejando; tudo ao redor era formado de
pequenos lagos, repartidos aqui e acolá; quietos corriam rios, reflectindo em
si o sol, as nuvens e a maravilhosa natureza. Aqui havia luz ininterruptamente,
pois durante o dia iluminava o sol e durante a noite algumas estrelas o
acompanhavam dando-lhe uma luminosidade azul.
Caminhamos
por uma ampla estrada que nos levava a um esplêndido jardim, todo rodeado, a
maneira de muralha, por uma fileira de ciprestes de espessa folhagem. Aqui,
neste reino perfumado, nos detivemos. Fiquei, em seguida, impressionada pela
beleza e pela variedade de cores que possuíam as flores daquele lugar, todas
inocentes criaturas do Senhor. Algumas, entre elas, eram tímidas e modestas.
Outras, ao contrário eram belíssimas, porém totalmente indiferentes à própria
beleza. Nenhum pintor saberia reproduzir os tons e os matizes próprios destas
flores. Algumas mudavam continuamente e em suas mudanças havia tão grande
diferença que é literalmente impossível capa-las e descreve-las. Na terra não
existem cores capazes de dar sequer uma pobre ideia desta maravilha. Ninguém na
terra pode preparar perfumes que se possam igualar ao doce aroma das flores do
Paraíso. Estas flores não produzem embriagues, somente um prazer intenso. Eu respirava,
com uma alegria não humana, o ar impregnado daquele dulcíssimo sopro.
E não
havia nem sequer uma flor que não atraísse com doce simpatia a minha alma. Eu
sentia que em todas elas vive o Espírito Divino, ao qual as cores vivas e as
inumeráveis formas servem de expressão, numa harmonia que pode ser claramente
intuída.
Tudo
aqui era belo. Sem ruído, semelhantes a leves borboletas voavam os anjos. De
repente, através da folhagem de uma espessa vegetação, ouvi uma voz bem
conhecida por mim, e reconheci a voz de minha querida mãe. Atirei-me para
aquele lugar: a voz querida conservava seu encanto de outros tempos, e não via
o momento de me encontrar com ela. Diante de nós apareceu um quiosque esculpido
de pedra azul, parecida com turquesa nele vi minha mãe, formosa como nunca,
alta, esbelta, envolta em véus vaporosos. Seus olhos eram idênticos aos que
tivera em vida, porém o rosto era diferente. Também tinha a cintura mais
delgada e os cabelos mais brilhantes e penteados de outra maneira. Seu rosto
era todo liso, enquanto ao redor da cabeça brilhava uma auréola. E também
brilhava uma auréola em torno de todos aqueles que estavam com ela. Ela lhes
falava e eu escutava avidamente cada sílaba sua. Depois se levantou e chamou as
amigas. Atrás dela ondeava um véu.
Ó que
maravilhoso é poder ver, sã e formosa, a própria mãe morta um dia por mãos de
miseráveis assassinos. Que belo voltar a vê-la no Paraíso, cheia de um bendito
êxtase! Dificilmente se poderia repetir a alegria de minha alma, que seguia em
sobressalto a cada movimento seu. Vi seus olhos pousar sobre a imensa amplidão
da água, que era toda uma paleta de luzes e cores. Parei diante dela, comovida,
ansiosa pela espera e, admirando seu aspecto, recordei minha infância e a
chamei docemente: Mamã! E chorei, beijando-lhe as mãos, enquanto meu coração
batia forte.
Porém
ela não sentia a minha angustia nem minha ansiosa chamada, apenas olhava a
eterna beleza das águas com um maravilhoso sorriso nos lábios. Abracei-a e
encostei minha cabeça ao seu peito? Mamã! Porque estás tão indiferente aos
carinhos de tua filha? Diz-me, mamã, pelo menos uma palavra! Porém ela estava
calada. Acaso não me reconheces mais? E dizendo isso, beijava seus vestidos,
mantendo-a abraçada, porém ela, vaporosamente me escapou. Eu fiquei muito
triste: Companheiro, sou por acaso uma desconhecida para ela? Não – me respondeu ele – isso é porque tu
pertences à terra e ela ao Paraíso. E assim nos fomos voando pelo
crepúsculo azul. Por toda parte, em meio às flores, brilhavam luzes acesas em
honra a Deus. Aqui não existe sol como em outros mundos; aqui a luz vem de
Deus.
Voamos
mais acima, porém quanto mais me elevava, mais crescia em minha alma uma grande
tristeza, entrementes eu ia olhando cuidadosamente os montes e os bosques deste
planeta, onde havia deixado minha mãe.
Não fiques triste – disse meu
companheiro – tu viste que tua mãe recebeu o dom do Paraíso. E a verás
mais uma vez, junto com teu pai, quando assistirmos juntos a festa das festas,
a maior de todas as festas, a Santa Páscoa. Agora, em tempo, te mostrarei um
planeta cujo esplêndido aspecto te assombrará muito.
é
V
Como deveríamos
visitar ainda outros planetas, re-emprendemos nossa viagem. Por cima de nós
vimos uma belíssima estrela e para ela nos dirigimos. Mas quando chegamos
perto, ela desapareceu. Havíamos entrado em uma cobertura de vapores que
vagavam lentos pelo céu difundindo, por toda parte, sombra e frescura. Quando
os transpusemos, vimos palmeiras altíssimas que pareciam tocar os céus e esparziam
sombra ao redor com sua folhagem, prometendo repouso e quietude. Das palmas
saíam frutos estranhos, grandes e cheirosos, de polpa rugosa, de diferentes
formas; abaixo delas se estendiam, como alfombras, prados cobertos de flores.
De vez em quando o azul do céu se adornava de raios multicores.
Este
era o mais solene de todos os planetas; aqui havia inumeráveis tesouros: as
montanhas eram de ouro e pedras preciosas, que deslumbravam os olhos. Nos lagos
azuis a água era tranquila e não se ondulava, permanecendo sempre pura e
cristalina. Descemos sobre um prado cheio de flores, onde as árvores frutíferas
dobravam seus ramos até o solo. Eu colhia aqueles frutos, que pareciam
dissolver-se na boca, porém não encontrava nenhuma semelhança com os frutos da
terra. Sobre este descampado, uma fonte luminosa do céu espargia sua luz; seus
raios rosados se espargiam pelo espaço, dando ao ambiente, tons muito
delicados.
A erva
era fina e atapetada como uma alfombra que cobria, por vontade divina, toda
aquela mágica extensão; e das grandes alturas caíam brancas fileiras de
cascatas. Aqui estão as moradas dos santos, me disse meu
companheiro, e lhe perguntei então se no Paraíso havia diferença de tratamento
entre as almas.
“Sim, disse meu
companheiro, aqui a vida é diferente para cada uma destas almas, como são
diferentes os planetas do Céu: cada um recebe a graça sempre dentro do limite
de seus méritos terrenos, e não pode ser mais ampla ou maior do que isto.
Certamente há uma grande diferença, porque os justos levaram apenas uma vida
normal, sem fazer mal, e seguindo os mandamentos com os limites de suas
próprias forças. Mas os outros, os santos, têm feito, em contrapartida, de sua
vida um sacrifício de louvor a Deus e desprezando os bens deste mundo se
entregaram completamente a Deus, vivendo somente uma vida espiritual. E muitos
deles, que têm estado, todavia na terra, se tornaram quase espiritualizados;
por meio deles o Senhor manifestava Seus sinais; e através deles criava
milagres e através deles implorava que cumprissem Sua vontade”.
E vós, ó homens,
conservai uma eterna memória deles, e sejam, as festas em sua memória (dos santos) uma recordação de louvor aos seus maravilhosos feitos. E que
os homens amem e respeitem a vida espiritual, grande e santa, que eles levaram da
terra.
Neste entretanto, ao
nosso redor soavam harpas invisíveis e os santos passavam ligeiros sem que seus
passos deixassem marcas. Seus movimentos, seus gestos e cantos eram de uma
beleza nunca vista. De vez em quando, como relâmpagos, passavam anjos, cujo
doce canto até agora ainda me ressoa aos ouvidos.
Entrei
em uma morada e vi um santo que estava pensativo com os olhos fixos no espaço.
E meu companheiro me explicou que este santo enviava seu pensamento a outro
mundo, para se corresponder com um amigo. Depois saímos dali e voamos baixo,
entre as moradas dos santos, e as pude admirar muito, com seus esplêndidos e
perfumados jardins. Nestes jardins se recolhem os santos, com seus vestidos
brancos e claros como o sol. Suas cabeças estavam rodeadas de uma claridade
como de auréola dourada, e notei que esta luz somente emanava dos santos,
derramando-se deles e iluminando tudo ao redor e até atrás deles se derramavam
torrentes de luz dourada.
Diminuímos
nosso voo, e nos detivemos em cima de um alto monte; e daqui pode ouvir uma
campainha, que repercutia também em mim. Ouvia aqueles sons com a alma e
compreendia que anunciavam aos anjos e aos santos a luminosa manhã. Era –
compreendi em seguida – o alvorecer do dia puríssimo, o alvorecer da Santa
Páscoa.
Aquele
repique não era outra coisa senão o ressoar das ondas jubilosas de gozo dos
bem-aventurados. De repente, todos se levantaram para voar. E me parecia que um
anjo me bateria com as asas ou me queimaria com um raio ardente. Onde havia ido
meu companheiro, o protector de minha alma adormecida? Eu estava intranquila e
comovida: o céu flamejava luzes vivíssimas e foi aqui que voltei a ver meu
companheiro. Estava junto de mim! E me disse: Agora tu voltarás
só, pelos céus esplendorosos, enquanto eu irei com os outros.
E
aconteceu que, embora me sentisse uma nulidade em comparação com os santos, de
improviso me cresceram nas espáduas, asas luminosas: Eu as abri ligeiramente;
elas me elevaram pelo céu. Junto de mim disse uma voz: É preciso ensinar
tudo à alma de um ser vivo. Me olhei e me vi com
roupas novas. As asas me levaram cada vez mais alto e enquanto eu voava pelo
azul infinito, não me acudia a mente nenhum pensamento.
Ao
redor, os espaços infinitos. Que ilimitada distância! Meus olhos curiosos já
não se assombravam com mais nada: no espaço infinito, sempre novos mundos,
iguais em aparência, entretanto sempre novos me pareciam. Tudo era tão novo
para mim que eu me esquecia até de mim mesma e ia vagando pelo céu, ligeira
como um pássaro, ébria de espaço, cantando pela alegria desta vida imortal. O
santo coro cantava os feitos da vida de Cristo na terra, enquanto com seu azul,
o céu perfilava e rodeava maravilhosamente os corpos dos santos. Em seus olhos
havia amor e beatitude: seus corpos eram transparentes sobre o fundo radioso do
céu. Meus olhos buscavam com avidez cenas e aspectos desconhecidos da vida
celeste. Por todas partes, novos mundos e infinitos espaços. Eu subia cada vez
mais alto e não queria voltar mais para baixo: a antiga timidez tinha desaparecido
e os espaços celestes já não me atemorizavam.
Aqui,
por questão de espaço, fazemos um corte no texto para seguir em novo bloco, com
a sequência das revelações. Não deixe de ler o que segue, amigo leitor. É algo fantástico
e imperdível, saber antecipadamente do lugar onde poderemos morar eternamente.
é
VI
Assim
entrei no Paraíso onde cada mínimo rumor de prece é como incenso nos ares. Que
esplendoroso, amplo e luminoso era. Por todas as partes ardiam luzes, acesas
pela própria mão do Criador. Os moradores, dignos do Paraíso, se estavam
reunindo para a festa. Eu fiquei impressionada com a extraordinária beleza das
flores e das grinaldas que adornavam os altares, diante dos quais se queimava
incenso em honra ao Deus Criador.
Que maravilhosa festa! Os formosos toucados estavam
impregnados de aromas dulcíssimos, muito diferentes dos terrestres. Os vestidos
não eram tecidos, porém havia árvores colossais que produziam grandes mantas,
adequadas para cobrir-se. Eu tinha ouvido o rumor daquela folhagem que deixava
cair no solo gotas de orvalho, e também vi outras plantas de folhas parecidas
com asas de borboletas, gigantescas e multicores. Neste planeta os vestidos de
cada um se reconheciam pela cor. Todos segundo seus próprios méritos: cada
habitante do Paraíso tem suas cores, que se fixam e assim ficam para sempre. Há
quem tenha amarelo, roxo, verde...
Todas as coisas no
Paraíso são multicores; assim, que cada um, segundo a sua cor, pertence a uma
determinada categoria de almas. Estas podem vestir-se e adornar-se segundo esta
categoria; se alguma destas almas quiser trocar seus esplêndidos vestidos com
outro da mesma cor, porém não de outro matiz, podem fazer e então, o outro,
deixado de lado, voa e se desfaz no ar. O efeito que se obtém é
esplendentíssimo, e também as auréolas despendem chispas da várias cores.
Eu vi
como iam chegando os anjos, com seus vestidos azuis a asas brancas que o vento
movia. Que formosos eram em sua eterna juventude. Depois, a noite cobriu a
abóbada celeste com véus escuros. Todos levantaram os olhos cheios de esperança
e um coro dulcíssimo começou a cantar: Todos estão em
Cristo e Cristo está em todos! O canto tinha uma harmonia que para
descreve-la são inúteis as palavras. Todos esperavam em silêncio, imóveis, com
os braços cruzados sobre o peito. Parece que algo os impedia de moverem-se; e a
distância se ouvia o rumor de asas, enquanto se abriram milhares de novas
flores e cantaram milhões de anjos. A mente, que vaga absorta em luminosos
pensamentos compreende como se alguém o tivesse dito: Cristo Ressuscitou! e não
pensa outra coisa. Todos choravam mansamente, tanto lhes havia comovido aquele
doce canto.
O canto
era cada vez mais forte, recordando o Calvário de Cristo: o Sagrado Templo do
Universo ressoava de hinos sagrados. De repente todos se calaram de emoção:
pressentia-se a presença de Cristo! Os pássaros haviam deixado de cantar e os
anjos haviam parado de falar. Quieto também estava o bosque, até a pouco tão
loquaz. Toda a natureza estava imóvel sentindo a festa de seu Senhor. Os anjos,
na espera de Cristo, continham até a respiração. Foi então que do alto chegaram
sons alegres coros, cantados somente por maravilhosos querubins. Estes tinham
asinhas resplandecentes de ouro, todas tensas como as pétalas de uma flor,
enquanto suas cabeças se inclinavam delicadamente. Ligeiras e suaves estas
cabecinhas rodeavam a Cristo, e seu canto era sobre-humanamente doce. Eram
miríades, e suas asas se moviam sem tréguas.
O
esplendor do céu, entretanto as tornava ainda mais formosas: e as auréolas
irisadas que os rodeava entrelaçavam-se entre si produzindo um efeito dos mais
extraordinários; aumentavam as vibrações da música encantadora, aumentavam os
acordes do jogo de luzes, aumentava a alegria das almas e uma onda de emoção
invadia a intimidade da alma. Não podem ser encontradas as palavras exactas
para descrever a imensidão daquela alegria e daquela felicidade. Esta alegria,
e esta felicidade, não são como as conhecidas na terra: são eflúvios que fazem
vibrar todo o ser, como se nos transportasse a um êxtase sublime. A alma, em
tal momento é como se quisesse chorar e também cantar.
Reluzia
Cristo, infinitas vezes mais que o esplendor do sol e ante a Luz que Dele
emanava, tudo o mais se escurecia. Ao Seu redor, os querubins cantavam
docemente: A natureza se adorna do Senhor! E vinham em
direcção Dele, com as mãozinhas debaixo das asas, e desapareciam em Sua luz. Na
amplidão do etéreo caminho estavam esparzidas flores em profusão, e rosas, em
memória da ressurreição. Em torno de Cristo havia uma auréola que igualava em
esplendor à soma da auréola de todas as criaturas. Seus olhos reluziam de amor:
a cor de suas pupilas era a cor do Céu e suas vestes estavam entrelaçadas de
claros raios.
O
Espírito do Altíssimo brilhava em Seu rosto. Ele Se alegrou com todos os justos
pela vitória sobre o inimigo e todas as almas tiverem um só alento junto de
Cristo. E em seus rostos floresceram sorrisos ao ouvir a saudação: Glória ao Senhor! O som da música
celeste, perfeita em seus acordes e ressonâncias, mesclava-se com a perfeita
harmonia, tão diferente da música terrena que é impossível descrevê-la!
Há, nas
notas, completamente desconhecidas aos ouvidos dos mortais, como que doçura e
santidade. Esta música das esferas celestiais desperta nas almas dos ouvintes
uma alegria tão luminosa e pura, que tudo o mais se esquece e se apaga; um
único desejo toma todas as almas: render honra e glória continuamente ao
Senhor! Cantaram logo em resposta, e apenas se calava um coro, ouro começava o
mesmo canto.
Então
se levantou a Virgem Maria e se pôs aos pés do Senhor, porém distante,
resplandecendo no fulgor de seus raios, enquanto na parte oposta se ergueu o
Arcanjo São Gabriel, que levantando uma fugida Cruz anunciou: Cristo
Ressuscitou! E milhões de almas responderam: Em verdade, Ele
ressuscitou!
Junto
de mim passou um santo, e sua face me pareceu com a de alguém que eu não via há
muito tempo. Tremendo de emoção, eu escutava o grito sempre crescente da
multidão: Cristo ressuscitou! Cristo ressuscitou! E ao redor Dele
havia muitíssimos cristãos, de todas as partes e seu amor igualmente animava a
todos. Os querubins voavam por todos os lados, alegres, cantando louvores pela
vida eterna. Seu canto punha a alma em êxtase, e os justos sabem bem que mil
anos de feliz Paraíso passam como um só dia. Suave se ouvia um som de lira e o
divino mundo estava impregnado daquela melodia encantadora. A cada passo
aumentava a alegria e cada vez mais alto ressoava a oração. E eu vi como o
irmão se encontrava com a irmã. Havia chegado a hora da data festiva e as almas
voavam uma para a outra.
Não era
uma reunião como as que estamos acostumados a ver aqui em nosso mísero mundo
terreno. Ali as almas estão privadas de seus corpos, não têm necessidade de
expressões exteriores para manifestar seu afecto, pelo que interagem apenas com
um movimento da parte sensitiva da alma. E como todo o Paraíso está como que
impregnado de amor, e tanto o ar do espaço está saturado dele, que por eles se
transmite o amor, por meio de vibrações. Não há necessidade de falar: cada alma
é transparente ao pensamento dos outros e nada se pode esconder.
Assim,
quando se encontram os entes queridos que se amam, sua auréola cintilante
irradia muitas vezes mais, pela alegria do encontro. Porém, ao mesmo tempo
nunca se esquecem, por primeiro de tudo, de amar ao Senhor. E assim eu vi
encontrar-se homens e mulheres muito diferentes, que haviam vivido em épocas
distintas, porém todos se sentiam unidos ao Senhor. Ao redor, todo o firmamento
despendia raios de luz vivíssima, como uma formidável expressão do Amor
Universal.
Que
outra alegria pode comparar-se a esta ternura infinita? Deus concedeu aqui o
dom do Amor, e aqui não se fala mais que de amor, porém um amor santo, enlevado
e não terreno. Aqui são desconhecidos os sofrimentos do amor terreno.
Depois
que duas almas se haviam encontrado, entoando um hino, elas voavam ar afora em
um êxtase amoroso. E eu disse a meu companheiro: Sem o amor, o
Paraíso não seria perfeito! Pelo eu ele me disse: Aqueles que
tenham amado em vida permanecem unidos no amor também depois da morte!
Tu me
havias prometido – disse eu ao meu companheiro – me mostrar o dia de festa de
meus pais. Porém, como, não os viste? não, disse eu
surpreendida! E ele falou: talvez não os tenhas reconhecido, mas
entrementes, passaste precisamente junto deles. Nos dias de festa, quando os
justos vêem a este planeta, é concedido a todos os parentes unir-se, gozando
juntos a alegria do encontro. Eu te havia prometido uma coisa e a mantenho!
Olha, estão aqui! Então eu os vi e
verdadeiramente e reconheci a meus falecidos pais: e experimentei um infinito
sentimento de amor, de ternura e de emoção. Porém eles desapareceram em
seguida!
Olhando
ao redor vi que todos tinham o mesmo aspecto inteligente e feliz, assim que
ninguém necessitava de conselhos e ajudas, porque cada espírito já havia
entendido tudo aquilo que Deus concede compreender as suas criaturas. E é tal
que, se o Senhor oferecesse a quem tenha sido na terra um pobre mendigo, o
voltar a vida terrena como um imperador, ou rei deste mundo, ele choraria suas
mais cálidas e sinceras lágrimas, rogando ao Senhor que não o privasse nunca
das alegrias celestiais. Ó, que doce é a vida no Paraíso!
Então, Cristo
começou a conversar com todos. E a Ele subiam louvores e bênçãos, mas ninguém
ousava achegar-se perto de sua Sagrada Pessoa.
VII
E naquele
momento a Virgem dirigiu uma ardente oração a Cristo. <A Ti, oh Senhor,
peço a salvação de todo o povo caído da terra, que vive debaixo do jugo dos
ímpios e chefes cruéis. E a quem mais digno poderiam dirigir-se em sua dor?
Quem os pode libertar das cadeias? Somente Tu, ó Cristo Salvador poderás, com a
misericórdia de Tua graça, tornar serena a vida cinzenta e penosa destes
escravos impotentes. Salva-os! Ensina-os! Dá-lhes a Luz que os guie nas trevas!
Torna a trazer, à sua terra nativa, estes exilados! Derrame as Tuas bênçãos
sobre sua desventura. Eles me rezam, pedindo por Tua Pátria, e eu, Filho meu,
imploro tua misericórdia, maior que toda a culpa>.
Assim
havia rezado a Santa Mãe Maria, e naquele momento um dos justos, com vestido de
ouro, se prostrou diante de Cristo e de braços abertos Lhe dirigiu a seguinte
oração: Ó senhor, no luminoso dia de Tua
ressurreição, da libertação do povo que um dia confiaste ao meu cuidado, faz
ressuscitar na fé e guia seus passos para o justo caminho. Senhor, favorece a
meu povo: A Rússia chora! Eu tenho estado lá em baixo e tenho visto como todos,
a excepção de uns poucos ímpios, invocam Teu Nome. Ó Cristo, Senhor do mundo:
Tu que vês tudo, e podes tudo, ajuda-os!
Ele o
olhava com profunda humildade, encolhido, e de pronto reconheci: ante Deus
estava meu soberano! Que terminou dizendo: ó Senhor
perdoa-nos, que somos teus servos! Depois se calou com
um grave suspiro!
Então
falou Cristo sobre a vida Eterna e todos O escutaram com muita atenção, porém
as palavras do Senhor eram tão elevadas que não tinham nada a ver com nossa
mentalidade terrena. Não se podia escutar as palavras de Cristo, sem
comover-se, tanta era a bondade do Senhor; minha mente não as compreendeu! Mas
minha alma sim, porém este mistério é sobre humano: Eis porque esta Páscoa foi
para mim tão luminosa!
A Santa
Mãe, toda resplandecente de raios, tomou lugar junto a seu Divino Filho e meu
soberano e disse: Tua sabedoria, ó Senhor, é tão grande que
Tua vontade é para mim mais querida que a minha. E então uma onda de
entusiasmo pareceu envolver a todos. Cristo ascendia! Para Onde? Mistério!
Mistério
que a alma não pode resolver, que os olhos não podem saber: onde se encontra
Deus! Subia Cristo e junto com Ele sua Mãe Santa, esplendentíssima em sua
majestade. E enquanto eles desapareciam naquele mar de luz, os bem-aventurados
cantavam:
Glória
infinita a ti, ó Salvador!
Sol e
alento do Paraíso!
Tua
Luz, que nunca se escurece e morre,
Nos
entra como o ar de um suspiro!
E vemos
com a visão espiritual
Os
muitos Universos de Teu Reino.
Tua
face, aguda como flecha,
Trespassa
cada alma em seu perfil
E seu
destino eterno traça.
E nossa
eternidade formosa,
É como
um milagre:
Vemos a
paz do Universo
E nele,
a paz de cada estrela,
De cada
mundo, que é sagrado.
Teu
comando ordena os céus!
Por tua
Vontade Divina está traçado
O
caminho de cada um,
E por
toda a eternidade.
Assim
cantava os louvores a Cristo o coro celestial. Depois todos os bem-aventurados
voaram: uns para seus parentes, outros para seus amigos, e outros para a terra,
para rever a seus queridos amigos.
Difícil
é descrever as esplêndidas alegrias e os divinos êxtases de muitos, mas me foi
proibido falar. Com certeza, se o homem pudesse imaginar o que é o Paraíso, com
que desejo não invocaria a morte? Porque no além, acima, se sucedem sem fim as
alegrias, umas atrás das outras. Eu não saberia decidir outra coisa. Por pura
casualidade me foi concedido visitar o Paraíso!
Conclusão da Autora
Neste momento,
passei a experimentar um cansaço geral. Tive a sensação de que algo como um
vestido pesado, tosco, áspero e estreito encerrava meu ser etéreo. Fiz um
movimento com a cabeça, movi meus braços e senti o contacto com uma tela. Isso
é um cobertor, pensei confusamente!
Abri os
olhos e em lugar do Céu límpido e luminoso vi o teto da sala, as paredes
brancas e a cama do hospital. Meus sonhos haviam terminado! Eu havia
despertado, depois de um sono letárgico de nove dias.
Desde
Han-Kow – China – fui levada a ir até a enorme cidade de Shangai, para uma operação
urgente. Pelas ruas se levantavam magníficos e soberbos palácios, sede de
bancos europeus e chineses. Os hotéis de luxo me recordavam os palácios
imperiais reais, e também as casas de comércio, nas ruas principais, pareciam
imponentes palácios. Os mostruários das joalharias deslumbravam os olhos com o
cintilar de suas jóias e no horário nocturno as salas dos grandes restaurantes
e dos “dancings” da moda pareciam lugares de alegria, no apogeu da felicidade e
das alegrias sexuais.
Porém
para mim era penoso, triste, observar tudo isso: Que coisa miserável isso tudo!
Que mesquinharia! Que indizível nulidade ante a majestade das cenas que vi e
que certamente as vereis também vós todos, depois de vossa morte terrena. Eu
sei que em meu relato, muitas vezes minhas palavras foram incapazes de
descrever com exactidão os matizes e as sensações experimentadas pela alma.
Mais que nada foi difícil dar-vos a conhecer com palavras terrenas o sentimento
do Amor, que é absolutamente impossível fazer compreender em sua altíssima
beleza, amor que não tem comparação nem limites e ultrapassa a possibilidade do
humano pensamento.
O
Universo do Senhor é tão imenso que até as mais incríveis conquistas terrenas
parecem pequenas, tão pequenas e mais miseráveis do que um grãozinho de areia
diante do imenso oceano. E agora, na última pagina de meu livro, ao decidir dar
adeus aos meus leitores, quero recordar as grandes e santas palavras da oração:
Pai nosso, que estais no Céu, santificado seja Vosso nome.... Pelos séculos dos
séculos!
Fim!
é
www.amen-etm.org/MeuSonhoLetargicode9Dias.htm
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